( Foto Net)
Carmo era nome de homem - Manuel do Carmo. Um dia, com outros
camaradas de armas, partiu para a guerra. Recém - casado com Luísa, foi no cais
de Alcântara que deram o último beijo apaixonado. Depois o barco apitou, num
aceno de despedida e ela foi correndo enquanto pôde, tentando acompanhar o navio
no seu lento navegar.
Quando o cais terminou e o rio da capital lhe abriu as
goelas ameaçadoras, Luísa parou e ficou ajoelhada no chão, num pranto surdo.
Ele - o Carmo -olhou o Tejo, o rosto marcado pelo sofrimento. Depois recolheu
ao camarote, tendo pousada no seu ombro uma mão amiga, de quem se apercebeu da
dimensão da tragédia.
Lá, em África, naquele quadrado de arame farpado, que mais
não era que uma ténue barricada que nos protegia a vida, o furriel Carmo andava
triste e pensativo. Um dia, num ímpeto de paixão, pediu ao capitão da Companhia
que deixasse Luísa vir para junto dele.
Surpreendente, foi o requerimento ter acolhido eco junto de quem
tinha a responsabilidade de decidir nos gabinetes de Lisboa. E foi assim, que
num Domingo à tarde, Luísa entrou na Base, numa coluna militar chegada do Gabu.
Não foi pacífica a sua vinda. Os militares, que no calor
húmido que se fazia sentir, não se preocupavam muito com o seu reduzido trajar,
nem com a linguagem utilizada, onde o português brejeiro era regra, sentiam-se
incomodados com aquela presença feminina. Porém, todos a respeitavam e o
Capitão da Companhia, cedeu -lhes o seu próprio quarto, para que o casal partilhasse
da sua intimidade.
Numa noite, uma semana após a sua chegada, a Base teve um dos
maiores ataques do inimigo da sua história. Muitos minutos debaixo de fogo
intenso. Uma eternidade. Aterrorizada, Luísa fugiu do abrigo e foi tempos
depois - noite escura - resgatada de uma vala, coberta de lama das chuvas
intensas e desnudada. Então um soldado, apiedado dela, embrulhou-a num cobertor,
e com a jovem a tremer de frio e de pavor nos seus braços, levou - a para a
enfermaria da unidade militar.
A situação era insustentável e Luísa, assim como chegou, logo
se providenciou o seu regresso. O que aconteceu, logo no dia seguinte ao
inferno da noite anterior, numa coluna militar que propositadamente a foi levar
ao Gabu, em trânsito para Lisboa.
Carmo ficou outra vez só. Outra vez triste. Outra vez
meditabundo. Refugiou-se no álcool, a única companhia que desejava para lhe
mitigar a dor. Falava pouco, e apenas recordava Luísa com saudade. Acabou por adoecer
e recolher à cama. Foi sendo medicado na medida das fracas possibilidades de
quem tinha apenas o essencial para se tratar e sobreviver, naquele fim do mundo
do leste da Guiné.
Até que um dia, face à sua fraqueza - já quase não se punha de
pé - foi transportado de helicóptero para Bissau. Dois dias após o seu
internamento no hospital da cidade, não resistiu ao seu adiantado estado de doença
hepática e profunda debilidade. E, numa tarde de outono, com o amor por Luísa
gravado como por ferro em brasa no seu coração e no seu pensamento, morreu.
Quito Pereira