quinta-feira, 25 de agosto de 2016

ENCONTRE DE GERAÇÕES MEMÓRIAS-2010- Texto de Quito Pereira

A DIFÍCIL ARTE DE FAZER RIR!

                                                    Octávio de Matos ...e não só ... “…                                                           
“…Eu sei que tenho um jeito, meio estúpido de ser..”, assim diz a canção da brasileira Maria Bethânia. Por vezes, penso que esta frase me assenta como uma luva. Explico-vos: emociono-me com facilidade. E, ontem à noite, quando no anfiteatro ao ar livre de Lagos, se apresentava uma “Revista” com um elenco conhecido, não pude deixar de sentir uma estranha emoção, quando vi entrar em palco o popular actor Octávio de Matos. Há anos, há mesmo muitos anos, tive a oportunidade de o ver representar numa sala de espectáculos lisboeta. E ontem, por cerca de duas horas, a nossa trajectória de novo coincidiu nos caminhos da vida. Ele, como actor, e eu como espectador do seu talento. Os anos, embranqueceram-lhe o cabelo. E está um pouco mais anafado. Mas a graça, essa, continua intacta. Melhor dizendo: refinou-se. É um dotado na arte de representar a “Revista à Portuguesa”. E naquela noite quente de Lagos, bem acompanhado de uma outra Senhora do teatro de Revista -Natalina José – Octávio de Matos deu largas à sua extraordinária comicidade. É justo de referir aqui, o grupo de novos actores, que ajudaram, em muito, à festa. De salientar que o anfiteatro estava bem composto, o que, só por si, dá logo outro colorido ao espectáculo. Rapidamente Octávio de Matos conquistou as simpatias do público. Pequeno de tamanho, mas enorme nessa arte difícil de pisar um palco, falava para a plateia em delírio, metendo “buchas” que nada tinham a ver com o papel a desempenhar. Resultado: os artistas que contracenavam com ele, desfaziam-se também a rir, e espectáculo ficava parado. Octávio, ria-se também, e dizia para Natalina José:“de que é que te estás a rir? … aqui só tem direito a rir o público, que pagou bilhete...” E ainda se riam mais. Foi uma noite de rábulas bem construídas, umas atrás das outras. De permeio, fado lisboeta cantado por uma jovem de excelente voz, em homenagem a Amália. Já quase no final do espectáculo, numa rábula sobreperguntas escusadas”, Octávio de Matos, beija – ou faz que beija – uma actriz nova e “muito bem dotada” , empregada lá de casa, e entra Natalina José, que faz o papel de mulher dele, e lhe diz de olhos arregalados e voz agreste:”… António, estás a beijar a criada???!!!..".e ele responde com aquele seu trejeito de cara impagável e voz esganiçada: ”… não filha, estou a beijar o Cavaco Silva…”. Já no final, em tom coloquial, falou com o público. O actor despiu o seu manto de fantasia. Era de novo o cidadão comum. Como todos os que ali comungávamos daquele momento. Fiquei com a ideia de ser um excelente ser humano. E pude observar o carinho com que era tratado por todos os outros. Novos, ou menos novos. Natalina José chamou-lhe “irmão”, companheiro de trabalho de uma vida. Afinal, de uma vida consagrada ao Teatro de Revista . Aquele que é considerado, por alguns intelectuais da nossa praça, o parente pobre do nosso teatro. Mas, na verdade, em tempos que não são assim tão remotos, foi aquele género de espectáculo que mais eco fez do nosso mau estar colectivo, quando partíamos para Sul, tentando contrariar os Ventos Da História. Muitos destes actores, estiveram na primeira linha de combate, alguns sofrendo os dissabores da ousadia. E assim nos despedimos. Não sei se as nossas órbitas de vida se voltarão a cruzar. Mas, se nunca mais nos voltarmos a ver, obrigado Octávio de Matos pelo muito do que deu - e continua a dar - ao teatro português.
Quito Pereira 

Reposição por EG                                                                                                                                                     

2 comentários:

  1. Nunca foi fácil a vida destes actores. Somos um país com "meia dúzia" de habitantes e não sendo as televisões a acarinhá-los, torna-se muito difícil chegarem ao grande público. No tempo do fascismo, o teatro-revista, ajudava a conhecê-los, porque não havia ninguém que fosse a Lisboa e não fosse ver uma ou duas revistas.
    Octávio de Matos e o restante elenco, agradecem esta tua bonita homenagem. E eu agradeço também a lembrança. Obrigado!

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  2. Vi revistas destes actores Apesar das restrições impostas pela censura tinham uma qualidade enormeAs "buchas" para introduzir piadas ao regime eram as mais aplaudidas. Outras recordações de postagens desses anosaia antigos vão aparecer

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