O VAGABUNDO DO MAR …
Sagres é um Sacrário de religiosidade. E eu, um devoto da
religião de Éolo, sempre que a oportunidade surge, lá vou em romagem a um dos
meus recantos preferidos de Portugal. E hoje e mais uma vez, neste dia em que o
sol apareceu tímido no horizonte, parti como romeiro na procura do mar batido
pelo vento a desfazer-se contra as rochas em novelos de espuma, numa
coreografia sob a batuta da esfinge do Infante que se materializa em cada onda,
em cada fraga, em cada abismo, em cada santuário de pedra debruçado para o mar.
Neste vazio espacial, o promontório está repleto de romeiros. Carros que se
cruzam na estreita fita de estrada que me leva junto ao farol, sentinela vigilante
do Atlântico. Naquela varanda de pedra pintada de branco, a oportunidade de
olhar o mar. Um mar verde, profundo e agressivo em tempo de suestada, que
daquele ponto se estende até onde a nossa vista alcança. Um pequeno barco chama
- me a atenção. Traz dois mareantes e aproxima-se das rochas sulcando as ondas
em esforço, até desaparecer do meu olhar naquele tormento de fragas que me
rodeiam e que esmagam qualquer caminhante pela monumentalidade do cenário com
que a natureza brindou este recanto luso. De repente, a surpresa que me reserva
o António que me acompanha. Uma chamada de telemóvel para um amigo dele e a
resposta veio de pronto. Do meio do oceano, o João disse estar a nove milhas da
costa com o seu pequeno barco de borracha. Todos os domingos é assim, quando o
mar de Sagres lhe permite. Religiosamente e pela madrugada, atrela o barco ao
seu jipe e lá parte para mais uma aventura solitária no Atlântico, tendo como
companhia várias canas de pesca. E o seu atrevimento de partir mar adentro em
rota errante já lhe tem dado momentos de glória no pescado, que o João sabe da
arte. E ali, naquele momento, disse já ter apanhado um peixe de quatro quilos,
muito aquém de outros que já lhe morderam o anzol. E eu, olhando a bruma e
aquele mar profundo, interrogava-me sobre aquele homem que pelo gosto supremo da
pesca desportiva, enfrentava o perigo algures perdido onde o meu olhar ansioso
não podia alcançar. E meditava nesta nossa saga de batalhadores do mar e
da vida, e se ele - o João – seria um descendente do Infante pela bravura de
partir desafiando as ondas e a resposta só podia ser concordante. Há mar e mar
há ir e voltar. E eu, com o meu familiar e amigo despedimo-nos de Sagres, na
certeza que o oceano generoso e condescendente deixará este vagabundo do mar
regressar a terra firme, na demanda da sua cidade de Lagos e ao conforto da sua
família e dos seus amigos.
Kito Pereira
Cidade de Lagos, 11 de Setembro de 2020