sexta-feira, 16 de dezembro de 2016

POEMAS DO NADA ...







Naquele domingo de verão, corro entre velhos olivais e campos  de cultivo ressequidos à míngua da água reparadora. Ao meu redor, oiço o ruído de um silêncio perturbador. Caí para fora de mim. Caí para fora do mundo. Caí para fora da Vida.

Olho o amontoado de casas e de telhados que me espreitam naquele povoado plantado no limbo do nada. O cantar da água que corre numa ribeira, é o som apaziguador de um violino numa sinfonia de angústias.

Deixo a aldeia no estertor da sua existência, agora que as suas gentes partiram. Aquele vazio espacial, aquele caldo de solidão, mais não é que um pesadelo feito de ausências. Um encadeado de poemas feitos do nada e de ninguém.  

Subo então ao céu. Arrasto-me por uma estrada estreita com penhascos fundos que me estendem as garras afiadas, num hino à hostilidade.

O caminho estreito, impede-me de voltar para trás. Sôfrego, trepo a montanha apavorado, na procura de um cais salvador.

Lá em cima, naquele cocuruto de mundo, olho em redor e só vislumbro montes austeros e ténues fios brancos que lhes riscam os dorsos descarnados. São caminhos e são mistérios. Afinal o infinito existe.

Sentado num regato de pedra, inquieto, oiço o sibilar brando do vento e sinto-me trespassado de medos, naquela terra de ninguém.

Parto montanha abaixo, na procura de uma amarra robusta que me prenda à Vida e ao Mundo.

Na noite morna, olhando as luzes da cidade, sou assaltado de dúvidas existenciais. Um turbilhão de pensamentos, leva-me ao desencanto e à constatação de uma realidade crua de um outro país que é o meu.

Desfolho, lentamente, o livro da poesia do nada e de ninguém.

Um livro de páginas brancas, ausente de palavras ditas e escritas que talvez nem façam sentido. Só o silêncio avassalador, poderá ser prefácio de um manual de poemas breves, feitos do nada e de nadas.

Quito Pereira      

4 comentários:

  1. Respostas
    1. Ingrenal, na Beira Baixa, hoje desertificada, com um número muito escasso de resistentes, foi o mote deste pequeno texto. Quase me atrevo a dizer que só lá mora o vento. O mesmo país, uma outra realidade de um interior que definha. Que futuro para a zona raiana?

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  2. Texto bem I(E)ngrenado com a marca do teu cunho pessoal a que já nos habituaste.
    Esta zona agora tão desertificadas e da qual outros apontamentos já nos transmitistes e que continuam na tua memória! Um período da tua vida que viveste e conviveste com gente triste e amargurada de que um dia talvez ninguém restará para "contar como foi" a história dessa aldeia...

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  3. E, no silêncio profundo, escutam-se maravilhas!
    És um poeta de prosas, Quito.

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