quarta-feira, 7 de fevereiro de 2018

LOURENÇO D´ ARRÁBIDA ...



 (foto net)


 - Ai chefe … chefe … que grande bronca … nós nem sabemos como desatar este atilho …

O chefe sentou-se, puxou do charuto e engoliu o fumo. Olhou o Tomé Alcapone, remexeu-se na cadeira e vomitou o fumo inspirado na cara do suplicante. Depois, ameaçador para a roda dos circunstantes, vociferou:

- Já percebi … vocês meteram outra vez a pata na poça e agora vêm aninhar - se debaixo da minha asa não é verdade … bem mas o que é que se passou?

Foi então que Arnaldo Pensador deu um passo em frente, espirrou para um enorme lenço encarnado e miou de fininho:

- Chefe … como sabe o Albino Cabeça de Pardal esteve mal … estava cá com uma catarreira na garganta que até pensámos  que ia esticar o pernil … depois alguém chamou o médico que apareceu aqui num carrão todo luzidio mas não avisaram o grupo e depois…

- E depois …? – rosnou o chefe com cara de poucos amigos …

- Depois a malta quando viu o funcionante com uns pneus novinhos em folha … gamámos as rodas e deixámos o veículo em cima de quatro cepos de eucalipto …

Foi então que o Chefe se levantou da cadeira. Por segundos passeou-se pela sala de mãos atrás das costas embrenhado nos seus pensamentos, enquanto o grupo se entreolhava para a saraivada de fogo que viria a seguir e veio: o chefe deu um enorme murro em cima da mesa e sem que ninguém se atrevesse a abrir o bueiro descarregou:

- Suas bestas … suas cavalgaduras … então o médico vem aqui porque um dos nossos está à rasca e vocês palmam-lhe as rodas do carro e ficam todos orgulhosos da estupidez dessas vossas cabeças de andorinha … vocês são a vergonha da profissão … que falta de sensibilidade e de ética … vocês nunca vão ser nada na vida …

Depois, colérico, prosseguiu:

- Mas a culpa é minha que vos fiz meus colaborados, a pensar que tinham um pingo de inteligência e não o monte de serradura que têm dentro dessa caixa córnea … são primários … nem para roubar as caixas das esmolas das igrejas servem … aliás coisa que nunca fiz, pois sou católico praticante e homem de valores …

E sem se deter:

- Subi a pulso na profissão e se hoje ostento a alcunha de Lourenço d` Arrábida, é porque no nosso universo do gamanço dizem que eu até sou capaz de roubar a ponte da Arrábida numa noite … mas a fama saiu-me do corpo … aos 10 anos de idade já eu me levantava ás 7 da matina, para me meter nos elétricos a abarrotar de tansos e de camones a quem eu aliviava as carteiras e as máquinas fotográficas aos amaricanos que iam fotografar a Torre dos Clérigos … mas vocês não tiveram que esgravatar pela vida porque são uns copos de leite … uma cambada de imbecis !!!

Então calou-se. E, mais conciliador, ajeitou o nó da gravata amarela às flores que mais parecia um repolho e deu as suas ordens:

- Tu … tu…  e tu … amanhã vão assaltar a Caixa Geral de Depósitos de Matosinhos … mas estão avisados …  não quero tiros porque tiros só nas barracas da Feira Popular… quero um trabalho limpinho e honesto … tu Zacarias Pé de Salsa entras na agência e puxas do seis tiros e pedes gentilmente ao caixa que faça a fineza de te passar o saco da massa … mas faz isso com um sorriso gentil que a  educação não custa dinheiro … tu Nelo Contrabandista ficas dentro da agência a controlar os clientes … mas lá  por teres uma cuspideira na mão não tens o direito de assustar as pessoas …  e acaba lá com o maldito vicio de trincar pipocas durante o assalto que a clientela até pode sentir-se ofendida com a tanta descontração … e tu Renato Maravilhas ficas cá fora com o motor do carro a trabalhar, mas não te ponhas a ler as notícias do Benfica na “Bola” ou a ver as mulheres nuas na página dos Classificados do “Correio da Manhã”, que foi assim de tão babado que estavas que nem viste a bófia a morder-te os calcantes, que te valeu cinco anos de férias na pildra de Paços de Ferreira a comer cabeças de chicharro e latas de atum …

- Mas Chefe … então e as rodas do carro do Doutor que já as vendemos ao Celso Fininho da Areosa que deu um bom guito por elas ?

- Roubem outras e reponham o que irresponsavelmente subtraíram que é essa a vossa obrigação de pessoas de bem e também para limparem essa vossa consciência mais negra que uma carvoaria … e já agora vejam se arranjam umas jantes de liga leve para amenizar o prejuízo ao homem, que deve estar todo ofendido e limpar a rica imagem de ingratidão que deram a quem salvou o Albino Cabeça de Pardal de levar em cima com três badaladas do sino …
Quito Pereira       



6 comentários:

  1. E ralmente um "estória" d´Arrábida, que nem o Lourenço da Arábia se lembrava de contar, CARAGO!
    Mas está com muita graça e...pedagógica!

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  2. Só me ocorre um adjectivo... e bem comprido: ahahahahahahah

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  3. Quem conta uma história destas, com descrita de forma tão precisa, é porque já andou no Métier...

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  4. Francamente, gostei desta postagem.
    Aqui, quando as pessoas vão ver filmes de carro, no fim quando arrancam fazem muito barulho mas não andam porque estão assente em tijolos. O que me deixa admirado é que nem os fulanos do carro nem os vizinhos notaram. É serviço limpo.
    A ponte de Aarrábida, talvez valesse a pena. Punham-lhe uns barcos de "borracha" por baixo e com os pilares iam fazer arranha céus para outro lado.
    Enfim, Quito. Esta bricadeira para te dizer que valeu a pena. Venham mais.

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  5. Por momentos pensei que esse Lourenço era o irmão de um amigo de Fala.
    Mas esse vive em Aveiro. Foi quase...

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