segunda-feira, 9 de dezembro de 2019

LEVASTE A CHUVA NOS BOLSOS ...






Numa manhã de maio partiste para o Sono Eterno. Mereces esse sono reparador pela tua alma inquieta e inconformada. Viveste num planeta que não era o teu e numa galáxia que não era a tua, aprisionado pelas grilhetas de uma sociedade que não te compreendia nem te compreende. Vestiste na vida o preto carregado do luto. O luto do teu ser atormentado. Derramaste pelos livros de poesia que escreveste o sentir da tua rima negra. O desencanto e a descrença que se visitam e revisitam página a página naquele labirinto de emoções pardas em que nos perdemos como náufragos na procura de um porto de abrigo que não vislumbramos. Morremos contigo e sentimos-nos levados pela tua mão pela diáspora do Universo e do Eterno.

Não te conheci nesta vida, José António, mas queria. Queria muito. Queria falar-te do teu pai. Queria dizer-te quanto ele significou na minha infância Choupalina. Queria envolver-te a ti e a ele num abraço fraterno. Mas sei que é impossível, pois tal como tu também ele partiu. Partiu cedo quando ainda muito tinha a esperar da vida. Afinal a morte dos homens comuns, que viajam anónimos no rasto da cauda luminosa de um cometa. Mas tu, Zé António, nunca viveste amarrado ao cais da nossa existência opaca. Apenas emprestaste a este mundo o corpo que assinalava a tua presença física, passeando por aí absorto e ausente, trazendo contigo "a chuva nos bolsos". Porque o teu espírito e a tua alma nunca pisaram esta nau terrena do conformismo do nosso penar. A chuva que levaste nos bolsos, talvez seja uma fonte de lágrimas. Lágrimas da tua impotência em mudar o mundo, de vivermos em sociedade nas asas de um sonho sempre inacabado. Sabes – ou talvez não  – quanto a tua família honrada e leal significou no meu passado remoto. Talvez por isso, quando te li e reli, senti a necessidade de falar contigo estejas onde estiveres. Foste para mim uma grande surpresa na genialidade da tua poesia. O Cantar de um Homem culto e superior, desenraizado e distante, que é só privilégio de todos os pensadores geniais. E que melhor forma terei para te homenagear, do que navegar nessa barca de desconforto e de solidão interior, remando contigo no alvoroço das tuas palavras cor da cinza :

“ são horas de me erguer e caminhar fora do túmulo das palavras no segredo desse lugar único em que a escuridão da noite parece eterna claridade”.

Abraço – te, José António.

Quito Pereira      

3 comentários:

  1. José António Pimenta, natural de Coimbra, nasceu em 13 de Abril 1974 e faleceu em 23 de Maio de 2 010. Ingressou no Instituto Superior Bissaya Barreto em Serviço Social. Frequentou o Curso de Pintura da ARCA - Escola Universitária de Artes de Coimbra. Dedicou-se exclusivamente à criação de poesia. Dos seus livros, recordar "Deixa Entrar a Noite na Palavra" e "Manhã Nocturna"

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  2. Um texto do Quito que se desenvolve sobre o poeta que não conheceu, um poeta atormentado e que cedo deixou a vida terrena...mas que trouxe à lembrança a sua infância vivida no seu choupal, pela convivência que teve com seu pai.
    Obrigado pelo texto

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  3. Duas famílias que se reencontram depois de tantos anos de separação. Nunca pensei que este texto fosse provocar na família do poeta José António Pimenta uma reação que por um lado se traduziu em lágrimas de emoção, sobretudo por parte da sua mãe, e o contentamento da sua irmã. Mas nada teria sido possível sem o empenho de uma amiga comum de longa data que me conhece a mim e à família Pimenta. E este blogue do meu amigo Fernando Rafael que foi o mensageiro da reaproximação destas duas familias. Como traço de união o Choupal e o facto de elementos deste clã amigo terem trabalhado com os meus avós e uma tia. Olinda Pimenta, por exemplo trabalhou talvez mais de 40 anos para nós e para a Mata. E jamais esqueço o Fernando Pimenta. Ontem falei pela Net com a mãe e irmã do José António e foi um prazer. Nunca ao longo dos 11 anos que vou colaborando com o blogue do meu amigo, me senti tão gratificado. Em boa hora escrevi o texto.

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