terça-feira, 25 de maio de 2021

 

A MULA …

 


Era uma vez uma mula. Gorda e lustrosa assentou arrais aqui, num quintal vizinho. Foi o Tozé Gouveia que a trouxe presa por uma corda. Quando a vi simpatizei logo com o animal. Tem um olhar doce, enquanto lhe vou fazendo festas no focinho e ela, de agradecimento, zurra que até parece o timbre de voz do Frank Sinatra, salvas as devidas proporções. Mal se apanhou no quintal atapetado de erva fresca, meteu o corta - erva no chão e começou a comer desalmadamente. Não de fome, mas de gula. A alegria era tanta que se urinou toda, com um jacto mictório que mais parecia a Fontana di Trevi, em Roma. Outra vez salvas as devidas proporções. O Tozé, de olhos arregalados a coçar o cocuruto do boné que trazia na cabeça, via a mula a limpar erva à velocidade do TGV e começou a ficar incomodado. É que o quintal não era dele e a bicha era pouca dada a cerimónias. Depois ameaçou que lhe partia dois dentes com um paralelepípedo, para depois se rir com a minha cara de inocente que até estava a acreditar. O Tozé é um bem - disposto da vida. Temos uma relação de amizade  e o meu amigo tem um  restaurante – a NAVE - onde se come muito bem e faz um “Cozido à Portuguesa” aos domingos de fazer rezar o mais ateu:

- TóZé, hoje quero comer uma coisa ligeira … pode ser umas batatas fritas e uma omeleta …

- E o Senhor Pereira deseja a omeleta feita de preferência com ovos ?

Mas hoje quem brincou fui eu. A saborear uma sopa de grão com couves, atirei-lhe muito sério e um ar preocupado:

- Tozé, acho que te roubaram a mula …

O homem, se não tivesse uma barba cerrada, eu diria que ficou pálido e quase deixou cair ao chão a bandeja dos grelhados …

- Mas porque é que diz isso?

- Fácil … não a ouvi zurrar …

 - Então faça-me um favor – dizia ele inquieto – espreite pelo buraco da fechadura do portão …

Desci a estrada e junto à farmácia “Vaz Pereira”  espreitei. O buraco da fechadura do portão opaco em ferro maciço é enorme, mais parece um olho de elefante e o animal lá estava. Ou por outra, estava o olho dela do outro lado, também a olhar pela fechadura e ficámos quase pupila com pupila. Pressentiu gente e veio indagar. Estava no seu direito. Sentindo que poderia ser o dono, zurrou de alegria, atrevo-me até a dizer que se excedeu, subiu de estatuto e relinchou como o cavalo rampante do Gary Cooper. Outra vez, salvo as devidas proporções …

Quito Pereira         

3 comentários:

  1. Historieta bem urdida a pretexto da Mula, que bem mereceu o laçarote de vermelho...como se fosse uma madama em dia de Festa, claro com as devidas proporções....

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  2. Ah, também me simpatizei com ela...História tão bem contada, que até me "senti" na presença dos três (Mula, Kito e Tom Zé)...
    Lembrei-me do dia, há muito tempo, em que o meu ex-marido e eu fomos a uma feira livre (vendiam de tudo um pouco e tanto). Fui mais para comprar plantas, mas meu marido se apaixonou por uma cabra! A levamos para casa, para alegria dos filhos (ainda eram em três). A cabra estava grávida, mas nem quem nos vendeu sabia. E nasceu o cabritinho em nosso quintal...

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  3. Quito, continuas a escrever com muita qualidade. Os textos que nos deixas neste blogue mereciam passar a papel, um livro fantástico.

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