segunda-feira, 7 de fevereiro de 2022


                                                                                                                                                                                                                          A QUINTA DOS PASSARINHOS     
                                                                                                                                                        Imaginem – se num dia de sol. Corram pela velha estrada de Portimão e, quando divisarem ao longe o alvo casario de Lagos e passando o bairro do Chinicato, virem à direita. É provável que se vejam sobrevoados por alguma máquina voadora de pequeno porte, a planar sobre o aeródromo da cidade. Depois, lá mais à frente, virem por um caminho estreito e particular – é a ali a Quinta dos Passarinhos. Um oásis de paz no Sargaçal, naquela década de setenta do século passado. Era pertença de uma velha inglesa aristocrata, que vivia sozinha e bebia chá pelas cinco horas da tarde debaixo de um caramanchão bordado de flores, com uma mesa de ferro e cadeiras a condizer ricamente trabalhadas. Gostava de bebidas espirituosas que sorvia em pequenos tragos, enquanto ouvia a algazarra das cigarras em tempos de primavera e verão. Um dia, já com provecta idade, a velha inglesa morreu. Os sobrinhos, que lá por Londres ouviam as badaladas do Big Ben, logo esvoaçaram como abutres na procura de vender a quinta e de dividir o dinheiro. Com a pressa de ver tilintar nas suas bolsas o vil metal, aceitaram um preço que mesmo não sendo irrisório, era ao alcance de bolsas mais remediadas. Um familiar meteu-se na aventura. Vivendo na zona e sem que aparecesse um qualquer concorrente direto, viu-se a tratar das hortas e dos animais que se passeavam pela quinta. E dos passarinhos que chilreavam num assomo de felicidade. E foi assim que um dia entrei no feudo do meu primo de mala na mão. Ali se passaram tardes de glória com o Manuel que também era da glória, assim era o seu nome – Manuel da Glória. Era comandante dos bombeiros de Lagos, e no fim dos lautos banquetes debaixo do caramanchão da pretérita Senhora súbdita de Sua Majestade, empanturrados até ao cocuruto do estômago, fumava – se e contavam – se anedotas a cálices de Vinho do Porto. Foram tempos exaltantes. Um dia, quando a idade já não lhe permitia tomar conta da quinta, o oásis de paz mudou de dono. Nunca mais lá passei. Hoje, provavelmente, terá nascido um qualquer empreendimento de luxo. Mas para trás ficou uma história de uma bandeira inglesa que foi arreada do mastro para dar lugar à bandeira nacional verde - rubra. Porém, é bem provável que o dinheiro estrangeiro talvez tivesse tomado de assalto e de novo da Quinta dos Passarinhos de saudosa memória. Já não ouvirei o chilrear dos pássaros daquele passado. Agora só o presente da massificação e o mar azul que, fiel ao meu sentir, ontem como hoje me abraça.                                          Kito Pereira

1 comentário:

  1. Inevitável meu caro!
    Propriedade privada e sendo um espaço idílico,depois do falecimento da proprietária os herdeiros para mais não vivendo lá, tinha o destino marcado.
    Compradores não faltariam!
    Com aquelas magníficas características paisagistas, virou mais um excelente espaço para eventos especialmente casamentos!
    Sao situações que acontecem pelo país em grande quantidade.
    Já estive em algumas destas quintas!!!!

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