domingo, 19 de março de 2023

ERA A ÚLTIMA LUA CHEIA.... CONTO DE Georgina FERRO

Era a última lua cheia antes de findar o Verão. Havia espigas de milho espalhadas pelas escaleiras abaixo, desde o cimo do balcão até ao último degrau. 

    Pela manhã, minha tia mandou-me a casa das suas parceiras a avisar que ia fazer a desfolhada naquele serão.   

     Meu primo Justino disse ao seu amigo Diamantino, às primas, filhas do tio Eduardo, que foram passando palavra. 

    Jantámos um bocadinho mais cedo e já tínhamos tudo a postos para dar início à desfolhada. 

    Meu tio trouxe um garrafão de vinho, umas fatias de presunto, de chouriço e de queijo, um pão de Navas Frias e colocou numa mesinha, onde já havia uns copitos de vidro... Voltou lá dentro e trouxe a viola.  Mal começou a dedilhar os primeiros sons, começaram a aparecer cabecitas a espreitar. Chegavam davam as boas noites e agachavam-se nos degraus disponíveis começando logo a descamisar as maçarocas das suas capas de folhelhos.  

     Apareceram logo, também, dois guardas. Só mais tarde soube que era proibido fazer ajuntamentos. Mas eles não arredaram pé nem afastaram ninguém. 

     Meu tio tinha a voz de tenor mais linda que eu conheci. E minha tia acompanhava-o com a sua voz fininha e melodiosa naquele lindo "Prateia a serra tudo prateia o luar branco da minha aldeia"... Depois, vinham as modinhas da terra que todos entoavam em coro! Só mais tarde começavam as desgarradas entre rapazes e raparigas. 

     E o milho ia ficando todo despido no corpinho doirado, enchendo cestas e canastras. Era no meio de grande algazarra que aparecia um milho rei. E então era o beijinho que fazia ruborizar o rosto das raparigas e abrir grandes sorrisos nos rapazes.Iam escaleiras acima, escaleira abaixo, dar o beijo obrigatório a todos quantos estavam, até mesmo aos dois guardas de plantão, que a essa hora já saboreavam um petisquinho e se haviam integrado nesse agradável serão. Nós, a canalhita, tínhamos abandonado o trabalho para nos perdermos no jogo das escondidelas e do apanha. 

     Já a noite ia alta, quando a desfolhada terminou. Apanhou-se e ensacou-se todo o folhelho; acondicionou-se o milho; varreram-se os degraus... e os guardas despediram-se... Meu tio ofereceu a todos mais um copinho e uma ginginha. Minha tia trouxe as bicas doces e meu tio, quase em segredo, entoou a mais bela cantiga que eu já ouvira: "Mãe Preta", que mais tarde a nossa Amália recriou nos xales pretos.

Georgina Ferro


 

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