quarta-feira, 12 de abril de 2023

ENCONTRO COM A ARTE-PROSA BEIRA ALTA SEUS COSTUMES & TRADIÇÔES -TEXTO DE GERGINA FERRO

BEIRA ALTA SEUS COSTUMES & TRADIÇÕES.

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A mãe olhava para os sete filhos, uns deitados aos pés e outros à cabeceira da sua enxerga. Já há muito que gastara os lençóis de linho de dois panos que fizera em moçoila. Tinham sido descosidos e voltados, mas novamente ficaram puídos e até furados. Agora a cama tinha, apenas um cobertor a tapar o folhelho do colchão remendado e mais umas mantas de trapo que urdira antes de casar com o seu Manel. 

Por onde andaria ele? Abalara já se haviam completado noventa e sete dias e ainda não dera sinal de vida! Nem sabia que ela ficara de esperanças à sua despedida. Será que se perdera do passador?!... Será que arranjara trabalho?

Ela já não tinha aquela pujança de há uns anos atrás. Como conseguiria alimentar os seus filhos se o seu Manel, por lá desaparecesse?!...

O mais pequeno acordou a choramingar com fome!... Tentou acalmá-lo com um fado que ouvira cantar ao Ti Zé Manso! “ Ninguém foge por mais sorte ao destino que Deus dá”… Duas pérolas rolaram até às faces do pequerrucho que havia sossegado ao colo da mãe.

Amanhã tenho de ir a Navasfrias mercar pão, pensou. Tenho para ali umas pesetas que restaram do último acarreto de café que o meu homem fizera. Ainda restam batatas na loja e a Mimosa até está a dar leite bastante para o café da manhã e para poder dispensar algum à ti Zefa, pois ela tem sempre qualquer coisa para dar …

O sono não vinha, mas tinha de apagar a luz da candeia senão o azeite não iria chegar para muito mais tempo!... 

Aconchegou os filhos mais uma vez e tentou adormecer. Mas por onde andaria o seu homem?! E via-o ir Pirenéus fora, com a melhor camisa e a camisola grossa que lhe fizera antes da abalada… O pai tinha-lhe dado a velha samarra e talvez não se “arreganhasse de frio”. 

Ainda não tinha aberto o lusco-fusco e alguém dava punhadas na porta. Ergueu-se num pincho e perguntou quem era… 

O “Passador” vinha trazer novas. As pernas tremeram-lhe e quase perdia o chão!... Tentou adivinhar as novas que lhe vinha trazer.

Uma carta escrita pelo seu Manel. Era difícil ler os gatafunhos. Mas nem ouviu o que o mensageiro lhe dizia. Desculpe, senhor. Nem lhe ofereci entrada!... Ainda nem acendi o lume para lhe dar um café…Mas depressa vou ordenhar a vaca e preparo qualquer coisa… 

_ Já comi uma malga de sopas de cavalo cansado, na taverna do ti Zé dos Pilos, bem haja! 

Ela voltou a olhar as garatujas: Minha querida Mulher e filhos, Espero que esta carta te encontre bem de saúde que eu, pela graça de Deus fico bem”. Já tenho trabalho… O passador olhava-a compreensivo e sossegou-a… O seu marido trabalha numa fábrica de louça! É um trabalho muito duro…tem de empurrar vagões para as fornalhas e suportar muito calor e frio…mas vai ganhar o suficiente para vos tirar deste sufoco e pobreza!... Ele mandou-me entregar-lhe estes francos, que tem de ir cambiar ao Sabugal se precisar de dinheiro. Se não lhe fizerem muita falta, o seu Manel diz para fazer um pé de meia no lugar de sempre… Ele vai lutar para que um dia possam ter uma vida mais desafogada… Fique com Deus, Maria.

Deus o abençoe, senhor!... Muito obrigada pela sua visita… 

Fechou a porta, ajoelhou no tabuado e rolaram lágrimas de agradecimento ao seu Deus por lhe ter dado novas do seu amor.

Georgina Ferro


 

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