quarta-feira, 14 de outubro de 2020

POR TERRAS DO INFANTE...

 

POR TERRAS DO INFANTE …

Deste recanto da Europa olho o mar. E vejo uma cidade pintada de branco a espreguiçar-se pelo aparato dos dias de verão. A urbe parece agora levantar-se de uma longa convalescença. Das ruas desertas. Das lojas desertas. Dos restaurantes desertos. Da minha varanda alta oiço o alvoroço da cidade. Que o mesmo é dizer que Lagos regressou à vida. Porém, há uma consciência generalizada que há uma batalha dura pela frente e um outono e inverno de combate. A Nice – diminutivo do doce nome de Eunice - de baixa estatura, olha-me de rosto cansado, encostada ao balcão do seu pequeno café. Argumenta das dificuldades da vida e das três semanas que o seu estabelecimento esteve fechado. Mas não é de virar a cara à luta. Fala com convicção no que diz e é imperativa nas suas opiniões. Trata-me por “vizinho”, dos anos que nos conhecemos e da relação entre uma varanda de um sexto andar de um prédio com um estabelecimento de cafetaria no seu sopé que é o dela. Uma espécie de romance de “Romeu e Julieta” dos tempos modernos, por entre “bicas”, “galões”, torradas de pão quente a estalar e “Bolas de Berlim” que nos enchem a alma de caminhantes deste Tempo de lazer. Subo agora a um morro e olho a praia da minha vida. Do alto, avalio um parque de automóveis lotado e olho desconfiado o areal. Porém, a minha rota é o restaurante a derramar-se pelas areias junto ao mar. É o meu refúgio do Pedro. Chegado à entrada, sento-me na varanda a observar o horizonte e os barcos que deslizam no oceano calmo. Enxames de gente gozam de um Atlântico gentil. Na mesa, um jarro de vinho branco bem fresco e umas ameijôas à “Bolhão Pato” como preâmbulo de um almoço com aroma a maresia. De conversar com duas simpáticas francesas já de idade risonha e de fazer um brinde à vida nestes tempos conturbados. Da varanda da casa dos meus avós maternos na cosmopolita Lisboa, à varanda do meu lazer em Lagos, vai uma onda de saudade. Da saudade de quem perdi. Desta cidade algarvia por entre muralhas por quem me apaixonei ainda tenra criança e com quem há várias décadas casei. Tenho como padrinho de casamento o Infante de Sagres. Tenho como madrinha a brisa suave da maresia. E hoje – 29 de Julho do Ano da Graça de 2O2O - de novo deitado no meu berço emprestado, olho ao longe as alvas velas dos barcos de recreio e bendigo uma Pátria que é a minha e que tem a Bênção Divina de abraçar o  mar...

Lagos, 29 de Julho de 2O2O

Kito Pereira                

31 comentários:

  1. Que beleza,meu Deus. Essas Francesas deviam ter estado em MIRA em 69.Estivemos em LAGOS e curtimos momentos cheios de sol e ceu azul. A Beth tirou-me uma foto ao lado do teu Padrinho. Gostei de ler a tua escrita. Es um as!!!Grande abraco.

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  2. Raio de vida esta que não pára de nos atazanar no dealbar de uma existência que mereciamos já de paz, de tranquilidade, de convivio...

    Uma vida já longa que nos deu momentos inolvidáveis de alegrias mas também outros de dor e desânimo.

    Porque nos reservou ela agora este afastamento depois de termos já pago o preço de tantos momentos dolorosos?

    Resta-nos, e não é pouco felizmente, o prazer de lermos as tuas palavras como num quadro de grande beleza emoldurado pela tua arte de vem escrever.

    Um forte abraço amigo Quito

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  3. Mais um excelente texto nesta tua longa estadia pela tua amada Lagos! São momentos para confraternizares com amigos/as de longa data, amizades que ficam para sempre!
    Abraço

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  4. Quem é este novo escriba, que eu não conheço... Kito?!

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    1. ... mas escreve tão bem como o nosso amigo Quito!

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    2. Pensei que fosses mais expedito!
      No "Hall_garve" "Quito" é "Kito".

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    3. Isso é tudo tão esQuitosito...

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    4. Deixa lá esta tentativa de humor em rima de pobre.
      Mas o Quito/Kito já esclareceu noutro local as razões que o levaram a alterar o nome (e que irá manter) por motivos bem pessoais.
      Se as tivesse conhecido antes não teria tentado "ser engraçado".
      Abraço a ambos.

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    5. Ah!...
      Desde que saí do Facebook, deixei de estar a par de muita coisa.

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  5. Muito Bom Dia.
    Já tinha saudades desta escrita bravo.
    A estadia em Lagos vai dar bons textos.
    Obrigado

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  6. Que marmmmmmmmmmmmviilllhhhhhhhha! Quem não te lê não sabe o que perde.

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  7. Eu li e nada perdi!
    Em tempos de destempero,de afastamento,de toca e foge,de adivinhar os rosto dos mascarados amigos...

    Então surgiu o novo Kito com um cheiro a maresia e uma onda de esperanças.
    Grande abraço 😙

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  8. Caro Paulo Moura

    No fim dos anos 50 do passado século, nos concursos de "papagaios" de papel no "Cavalo Selvagem" do antigo Bairro Marechal Carmona, o meu saudoso pai fazia uns sofisticados "papagaios" que eram muito bonitos mas que raramente subiam no céu. Eram demasiado engenhosos para meu desespero. Nas asas desses papagaios em forma de pequenos aviões, o meu pai escrevia nas asas o nome KITO. KI numa asa e TO na outra. Assim, recentemente falecido, quero perpetuar essa forma que ele tinha de me "escrever". Por isso a alteração que tem muito de sentimental e pessoal.

    As tuas brincadeiras e as do Carlos Carvalho sempre as levei e levo como um sinal de amizade. Afinal, a mesma amizade que tenho por vós e pelos meus amigos. É esta a minha forma de estar na vida de que jamais abdicarei.

    Toma lá um abraço
    Kito

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    1. Bem hajas por me esclareceres.
      É uma homenagem muito bonita a um Pai, de um Homem que tenho o privilégio de ter como Amigo.
      Conheces a frase final, muito frequente, das mensagens da São Rosas? "A tua, só tua, eroticamente tua..."
      O meu Pai, Rogério, teve bastantes namoradas, até encontrar e ficar cativo pela minha Mãe, Mariazinha. E escrevia muito bem. Algumas cartas, temo-las guardadas. Em algumas, ele terminava as suas missivas para a Mariazinha com "O teu, só teu, eternamente teu
      Rogério"

      Abre aço!

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    2. Os nossos pais deixam-nos sempre memórias e pormenores que nunca esquecemos. Lembranças que nos marcam ...

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  9. Esse teu novo heterónimo estava a fazer-me confusão mas não disse nada pelo respeito que devo à tua liberdade de escolha.

    Afinal a razão profunda que agora explicaste é a pedra de toque do teu sentimento.

    Um abraço Kito

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    1. Abraço, Rui. Na carta aberta que escrevi ao nosso amigo comum Victor David, explicava no fim a razão da mudança. Trata-se de facto de algo muito pessoal, mas eu queria esclarecer, exatamente pela estima que tenho pelos amigos ...

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  10. Obrigado Kito pela tua compreensão. Costumo dizer que só "brincamos" com Amigos, pois são os únicos que o merecem e sabem/compreendem o sentido dessas brincadeiras bem como o eventual espírito de humor que possa estar subjacente.
    (Eh pá! Agora, acho eu, que estive bem...Conto que o de Fala não se m'arrenegue :) )
    Abraço

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    1. Talicual!
      Embora tu tenhas sentido de humor e o meu seja mais "sem tido rumor"...
      Só "brincamos" com quem o compreende e aceita. Se não te conhecêssemos bem e não te respeitássemos, Kito do teu Pai, teríamos ficado bem caladinhos.
      Abre aços para os dois e para toda a restante malta amiga, em especial para o dono deste blog, que é bem melhor que o Facebook: Rafaelitobook!

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    2. Carlos, falaste como um livro aberto. Nem o cura de Penajoia dos livros de Aquilino falava assim...
      Toma lá outro abraço

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    3. RAFABOOK é uma espécie de extensão de FALA!

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  11. O Rafabook é um monumento bairradino e nacional. Todas as manhãs devia abrir com o hino nacional e o bradar às armas no Quartel de Santa Clara ...

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    1. E ainda bem que não nos ouve, senão ainda vinha por aí a "macetar-nos" com um tal de Lavacolhos com a desculpa que era só para o "desenferrujar" ...

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    2. E nem o distanciamento social nos safaria, que a maceta tem uma grande autonomia de voo!

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    3. KITO não me fales do Quartel de Santa Clara que me distrais da posição de sentido...

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