quinta-feira, 7 de janeiro de 2021

O GALINHEIRO...

 

O GALINHEIRO …



Anda por aí um vírus ditador que me tolhe a liberdade. Farto de notícias e da dança e contra - dança de informações, a mente foge-me para o passado. Começo a navegar nas margens da minha sanidade mental e hoje lembrei-me de um galinheiro. Um galinheiro é uma prisão onde vivem as galinhas menos afortunadas. Porque as outras, as do campo, têm o sabor da liberdade, a depenicarem nas couves do vizinho sem ter que comer daquela ração de rápido crescimento. Pois, realmente a conversa está estranha e só continua a ler quem quiser. Mas, de facto, há dias lembrei - me de um galinheiro em África na minha Base militar – Canjadude. Se era um galinheiro especial ?. Era. Mas eu conto:

- O Azevedo era cabo com a especialidade de enfermeiro. Com a boina às três pancadas na cabeça e os calções da farda a descaírem-lhe no traseiro, não era propriamente um exemplo de aprumo militar. E tinha a felicidade infeliz de gostar de vinho. Infeliz porque teve alguns dissabores. Um enfermeiro embriagado é algo de nada aconselhável para um paciente. Muito menos em teatro de guerra. Mas aquele ermo de mundo e de solidão convidava à bebida. E ele emborcava daquele vinho que mais parecia uma purga, fazia um esgar e lamentava-se:

- Só na minha terra é que bebo do bom …

Mas bebia. Bebia por vezes mais do que a conta, até que o comandante da Companhia se irritou e um dia, agastado com os vapores alcoólicos do Azevedo, meteu o dedo indicador à frente do nariz do enfermeiro e rezou-lhe assim :

- Se  voltas a beber vinho meto-te no galinheiro …

Realmente não disse prisão. Porque presos estávamos nós. Mas ninguém levou aquilo a sério. Porém, não foi preciso esperar muito tempo para ver o Azevedo de novo a torcer a voz. Então, deu-se o impensável. O Barros,  furioso, pegou no enfermeiro por um braço e com ele aos zigue – zagues e aos tropeções, meteu - o no galinheiro juntamente com as galinhas e galos de crista soberba. E nós, graduados, lá fomos pressionar o capitão como os jogadores de bola que rodeiam o árbitro a contestar um penalty. Queríamos o Azevedo fora do galinheiro, enquanto o enfermeiro de nariz vermelho como um pimentão berrava agarrado à rede da cerca:

- Tirem – me daqui ou acham que tenho cara de frango ?

Tirámos. Mas durante cerca de duas horas conviveu com a população residente, de onde sobressaía um vistoso peru. Então, ofendido com o comandante da companhia por achar que ele punha em causa a sua competência nas lides da enfermagem, dizia no refeitório dos soldados e fora de si:

- Quando eu voltar para o Porto, ele vai ver se eu não tiro logo um curso de Medicina

Kito Pereira   

     

 

14 comentários:

  1. Impecàvel!!! Timidamente jà te apresentas com nome artistico mas seria melhor assinares com KITO PERRY (como o guitarrista Açoreano dos AEROSMITH).
    Gostei imenso da historia e isso transportou-me para ANGOLA, onde tirei fotos fantàsticas de Galinheiros!! Vou publicar no FB uma foto, onde estou com o LUIS SOARES, no meu quintal, encostados a um galinheiro, pertencente à Familia dos Condes de Foz de Arouce e onde se encontravam Perdizes e Codornizes!!!Grande Abraço!!

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    1. BobbyZé, a mudança para Kito é apenas e só uma homenagem ao meu pai que assim me "escrevia", como de resto eu já tinha dito aos meus amigos nas minhas divagações escritas para me entreter e entreter os amigos que querem ler.

      Um abraço

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  2. O confinamento e parece que vai ser mais rigoroso e prolongado, obriga-nos a meter a imaginação em trabalhos forçados.
    E foi assim que este episódio do galinheiro veio à estampa aqui no blogue e ainda bem, porque é um dos momentos com o seu quê de piada que passaste nessa triste guerra na Guiné
    Mas pode ter tido um final feliz se o cabo enfermeiro tenha cumprido a promessa de ser médico...

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  3. Sabes se o Enfermeiro se formou em medicina, quando regressou ao Porto? Ouvi dizer que ele se tornou enólogo...
    Gostei principalmente de duas passagens: Vocês a pressionarem o Capitão como os jogadores pressionam os árbitros e de não lhe dar voz de prisão porque presos já vocês estavam. Sabes qual era a pena máxima aplicada a um soldado em Timor? Era mandá-lo para a Guiné até ao fim da comissão. (Não estou a mentir, é mesmo verdade).
    Grande texto. Abraço.

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    1. Lá na base de Canjadude, a rapaziada até lhe chamava o Azebêbado ...

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  4. Que bela estória esta fartei de rir.
    Vou ou vamos aqui estar confinados até dia 8 de Fevereiro e recolher obrigatório às 20h tudo cedinho para a cama.
    Um grande texto e Belos comentarios.
    Bom Fim de Semana Obrigado

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    1. Lucinda, isto por aqui está preto ... 2O OOO infetados em 2 dias ...
      Abraço

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  5. Para quem sabe, escrever assim... é canja!

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    1. uma canja bem quentinha com este frio ... agora marchava ...

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    2. Ficarias como um pastor, com o seu canjado.

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  6. Respostas
    1. Se aproveitou bem o estágio, terá tirado Veterinária.

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    2. Parece que se formou mesmo...mas foi em alcoólicas e bagaceiras ...

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