quarta-feira, 4 de dezembro de 2024

ENCONTRO COM A ARTE- COIMBRA CONTO POR RUI FElíCIO

 TIMIDEZ TEM CONSEQUÊNCIAS                                   



Viam-se todas as manhãs...

Ele, segurando uma pasta de cabedal, a descer a Av. Sá da Bandeira em direcção à baixa e ela, carteira a tiracolo, a subir a caminho da Praça da República.

O Carlos Marques, elegante, aprumado, bem vestido, era um jovem alto, bonito, bem parecido. Tinha acabado o curso de Direito há um ano, estagiando agora num escritório de advogados da Rua Ferreira Borges. Fazia-o apenas para ganhar tarimba, porque aguardava resposta a um requerimento que fez para ingressar num serviço público adequado à sua formação jurídica, porque era aí que desejava fazer carreira, longe dos holofotes de teatro que considerava ser uma sala de audiências de um tribunal.

Sofria de uma profunda e agoniante timidez, que o fizera passar obscuro pelos bancos da faculdade, fechado em casa às voltas com os livros, longe das folias e da boémia coimbrã. Achava que essa forma de ser o desaconselhava de abraçar a advocacia, profissão para a qual, segundo pensava, não estaria talhado.

A Marilia, moça de olhos vivos, cheia de vida e sorriso cativante, olhava aquele belo rapaz ainda ele vinha longe, sempre à espera de um gesto seu, de um sorriso, algo que lhe mostrasse que também ele reparava nela. 

Sentia-se atraída pela sua esbelta figura e estaria pronta a aprofundar o conhecimento com ele, talvez um relacionamento, um namoro até, mas os dias sucediam-se e nada da parte dele o proporcionava.

Por vezes os olhares encontravam-se, mas quando assim sucedia ele desviava propositadamente os olhos, parecendo envergonhado, incomodado, como se tivesse sido apanhado em flagrante delito.

O que a Marilia não sonhava é que o Carlos estava perdidamente apaixonado por ela e que só a timidez e a insegurança o impediam de o manifestar.

Uma noite, na solidão do seu quarto alugado na Rua Tenente Valadim, o Carlos encheu-se de coragem e decidiu escrever um bilhete que de manhã lhe entregaria quando passasse por ela.

Na manhã seguinte, afrouxou o passo sem parar, deu-lhe o papelinho, dobrado em quatro, quase sem olhar para ela e prosseguiu a marcha cabisbaixo, já intimamente arrependido de o ter feito.

Surpreendida a Marilia, desdobrou a bilhete e leu as palavras cuidadosamente desenhadas. Era uma frase simples, mas agradavelmente reveladora: “Gosto muito de si. Desculpe!.”

Olhou para trás mas ele já ia longe. Nem sequer sabia o seu nome, nem onde trabalhava, nada! Especada, ficou a vê-lo desaparecer na curva da Escola Avelar Brotero.

No dia seguinte, a Marilia esperou por ele nas escadas do Teatro Avenida, firmemente disposta a enfrentá-lo. 

Quando ele se aproximou, colocou-se ostensivamente à sua frente barrando-lhe o caminho e disse-lhe com um sorriso:

- Obrigada pelo seu bilhetinho de ontem. Quero que saiba que também gosto de si. 

Pareceu-lhe ver um ligeiro rubor na face quando ele se atreveu a dizer-lhe:

- Gostava que pudessemos encontrar-nos para nos conhecermos e conversarmos. 

- Também gostaria muito, respondeu-lhe a Marilia, mas infelizmente, ainda esta noite, vou para as Termas de São Pedro do Sul e ficarei por lá durante um mês. O meu pai todos anos lá vai fazer tratamento a uma doença de varizes que o apoquenta.

- Combinaremos então quando regressar, se estiver de acordo, propôs-lhe o Carlos, pesaroso, mas esperançado.

- Está bem, respondeu a Marilia. Até daqui a um mês então...

E seguiram cada um para o seu destino. Na atrapalhação do momento, nem ao menos se lembraram de perguntar um ao outro como se chamavam.

Uns dias depois o Carlos Marques recebeu um oficio do Ministério do Interior, a comunicar-lhe a sua admissão ao serviço a que concorrera.Era uma boa noticia!

Entretanto, em São Pedro do Sul, a Marilia encontrou um antigo colega de escola que não via desde há muitos anos. 

Era o Tibúrcio, agora médico a trabalhar nas Termas.

Todos os dias se encontravam e rapidamente a Marilia esqueceu o tal rapaz de Coimbra. Começaram a namorar.

Não era um namoro de férias. 

Estavam verdadeiramente apaixonados, a tal ponto que decidiram casar-se o mais brevemente possivel. 

Afinal já se conheciam desde crianças e não tinham quaisquer dúvidas sobre a firmeza do seu amor.

O Carlos é que, já no seu novo trabalho, não conseguia deixar de pensar na sua amada. 

Contava os dias para o regresso dela a Coimbra, para a ver, para lhe confessar o delirio da sua paixão, já imaginando deleitado os beijos que um dia trocariam quando começassem a namorar. 

Vivia ansioso, de coração apertado pela paixão quase doentia que o acometera.

Mas o mês passou, os dias e as semanas foram correndo, e a Marilia nunca mais apareceu pela Av. Sá da Bandeira.

E ele penalizava-se por, estúpidamente, nem sequer lhe ter pedido a morada.

Agora, não fazia a minima ideia de como a encontrar, de como a procurar.

Mal adivinhava o Carlos que ela deixara o emprego e por isso nunca mais passara na avenida como antes. Andava atarefada a tratar dos preparativos para o casamento com o Tibúrcio.

A data foi aprazada, trataram da papelada e, finalmente, no dia da cerimónia, a Marilia e o Tibúrcio foram à Conservatória do Registo Civil para celebrarem o casamento. 

Nervosos e irradiando felicidade, os noivos, as testemunhas, os convidados e familiares, entraram na sala de actos da Conservatória. 

Esperaram uns minutos e a funcionária informou-os que o Dr. Carlos Marques, Adjunto do Conservador, estava quase a chegar e que seria ele a celebrar o matrimónio.


Rui Felicio 


( Reeditado )


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