sábado, 12 de dezembro de 2020

ENCONTRO COM A ARTE - PROSA


 Quando Dezembro entrava na aldeia, o frio invadia os campos, as casas, o nosso corpo... A lenha de grossos toros de ramadas de carvalho estava no curral, desde o início da Primavera anterior, bem organizada e tapada por forte cobertura de giestas, fieitos e carqueja que se arrancara da floresta sempre bem catada, não só para evitar fogos, mas porque era necessária todos os dias fosse Inverno ou Verão. Passada a apanha das castanhas ia-se procurar mais umas canastras de pinhas, fazia-se o desbaste das giestas envelhecidas e da carqueja, cortavam-se alguns ramos mais secos de árvores frondosas e atulhava-se o carro das vacas engalanado com os estadulhos bem altos para segurarem bem a carrada. 

    Também se limpavam os ramos grossos dos pinheiros e traziam-se para casa para se cortarem com a pedôa sobre um cepo, em pequenos feixes que se iam acarretando para a lareira conforme iam fazendo falta. 

     Eu gostava que se fizesse o desbaste dos pinheiros que nasciam demasiado perto uns dos outros. Vinham quase inteiros ao longo do chadeiro, apanhando um bocado da cabeçalha. Esses pinheiros, depois de serrados em toros eram rachados em cruz e formavam achas grandes e resinosas. Eu adorava aquele cheiro e por mais que meu tio gritasse “tirem-me a menina daqui, não vá eu magoá-la sem querer”, não arredava pé. Mal os cavacos caíam ao chão eu corria a apanhá-los para levantar uma torre com eles como via fazer às pessoas crescidas.

Mas o pior é que os meus deditos muito pequeninos, ainda hoje são, gelavam e faziam-me deitar lágrimas de verdade, com dor. E minha tia que sempre tinha água quente ao lume, primeiro deitava água fria na bacia e só a ia amornando a pouco e pouco com um pucarinho de água quente para eu não aquecer de repente e ter ainda mais dores.

     Ao serão a tia tricotava em lã, todos os anos, mais uns pares de meias e umas luvas de cinco dedos que eu aprendi a fazer também, ainda antes de entrar para a escola. Era o orgulho da minha tia mostrar a habilidade da cachopita ainda tão pequena. O que é certo é que ainda agora as sei fazer.

     Depois, sobre uma combinação e cuequinhas de flanela, enfeitadas com espiguilha ou uma rendinha, vestíamos um vestidinho de tecido mais grosso, uma camisola feita em casa e, para sair, nem todos tinham um sobretudo e uma touca para a cabeça. Os rapazes deixavam de usar calções e vestiam calças de pana sobre as ceroulas. Agasalhavam-se em camisolões que eram feitos sempre para os irmãos mais velhos e iam passando para os mais novos. Até as calças! Muitas das vezes era aproveitado o tecido dumas calças velhas do pai para fazer umas calças pequenas!

Em casa o serão era sempre à roda da lareira com as portas bem fechadas e tapadas as frechas com uns rolos de pano cheios com narvalhas e um pouco de areia da ribeira. Mas quando se ia fazer o serão na casa dos tios, vizinhos, amigos, enchia-se uma braseira de borralho e punha-se no estrado para todos terem lugar perto do calor.

     E se o calor do lume nem sempre era suficiente, havia uma correria louca pela casa toda, num jogo de apanha e foge, umas escondidas atrás das portas ou debaixo das camas! Também jogávamos à sardinha, ao varre varre vassourinha e víamos os adultos jogar às cartas. Se houvesse algum baralho já muito gasto, jogávamos nós à bisca de três, ao estanderete,... Nem dávamos conta do sacrifício que os adultos faziam para nos criarem, pois era o nosso tempo de sermos felizes com o que íamos tendo em cada dia.

Georgina Ferro


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