terça-feira, 27 de julho de 2021

ENCONTRO COM A ARTE - PROSA A TI BALBINA...

 A Ti Balbina

 A Ti Balbina fora numa carreirinha até Navas Frias para comprar três pães! É que já devia um à ti Maurícia e, desse, pouco mais haveria do que um codornito! Desde que tivera as “maleitas” que mal se “astrevia” a ir andar o caminho quanto mais ter que carregar tanto peso!  A ti Virgínia disse-lhe que podia levar a sua Laurinda para lhe fazer "carava" e sempre lhe dava uma ajuda no carrego do pão. Já tinha quase nove anos e já aliviava muitas vezes a mãe até a carregar o cântaro cheio de água.

 Não sei quem ficou mais contente se a Ti Balbina ou a Laurinda. E lá foram ambas calcorrear ladeira acima, ladeira abaixo. Para lá tudo correu bem. A Ti Balbina ia num passo regular, embora com menos genica do que há uns meses atrás. A Laurinda quedava-se de vez em quando a olhar as borboletas ou a olhar para uma flor “que era tão linda”, dizia ela. Depois dava uma carreirinha e ainda passava à frente da Ti Balbina. 

 Estavam quase a chegar a um morro quando avistaram os guardas. Nem era tarde nem era cedo, meteram-se num “tchão” e começaram a apanhar beldroegas para o marrano. Os guardas vinham de regresso ao quartel deram-lhes os bons dias e continuaram a caminhada. Elas esperaram que eles se afastassem e retomaram a viagem.

 _Ai Mãe!, Laurinda! Dizem que aquele guarda é tão mau!... Outro dia correu atrás do nosso Olímpio que tinha ido a casa da Ti Rita comprar um "poquenino" de petróleo numa "almotolia". Ele pensava que era azeite espanhol e quase o arrastava para o quartel. Não fora o senhor Sargento conhecê-lo bem e ter acreditado nele a esta hora estava no “calaboiço”! Parece que para os lados de Valverde matou uns contrabandistas que traziam "galhetas" e “tchancas” para os "catraios" calçarem. Tiveram que o tirar de lá, senão o povo ainda lhe fazia alguma espera!

 _ Ai Ti Balbina, será que ele fica à coca a ver se nos vê voltar?

 _ Não, não deve ficar! Agora vão mudar de turno. O melhor é nós nos “aviarmos depressinha”.

 Mal chegaram ao comércio compraram o pão e um laço para o cabelo da cachopita! Ela parecia que tinha recebido o maior presente da sua vida! Deu-lhe um grande abraço e nem sei quantos beijinhos para agradecer à ti Balbina. 

 E não quiseram demorar mais. Elas a saírem do comércio e o ti Ferreira a chegar.

  _Olhem, quedem-se por aí um "poquenino" porque os carabineiros ainda agora tiraram o pão a um magote de gente! Estavam no caminho da Lageosa mas acho que ainda não vieram almoçar. ( Avisou-as o Ti Ferreira). 

 E lá ficaram com os olhos cravados no quartel até avistarem as fardas verdes. 

 Já eram umas três da tarde quando conseguiram botar pé no caminho!

 O Ti Abel Músico vinha do moinho do Prado Castelhano e conseguiu pôr dois pães nos alforges da burrica, para aliviar a Ti Balbina e a Laurinda.. Elas carregaram o outro no "talego" à cabeça. 

 Não é que os guardas as  esperaram à Lage da Lancha?! Fizeram-nas ir deixar o pão ao quartel e o malvado do guarda, com uma navalha, esquartejou o laço todo à cachopa. Dizia ele que bem tinha reparado que ela não tinha laços na cabeça quando tinham fingido que andavam a apanhar ervas para a vianda! 

 A criança ficou lavada em lágrimas e com uma raiva imensa! Os outros guardas olhavam-no com desprezo e tristeza! Passados uns dias o senhor guarda Joaquim e o senhor guarda Brites foram a casa da Ti Balbina levar uma fita nova para o laço da miúda. Quase a pedirem desculpa pela malvadez do colega. Mas pediram que não dissesse a ninguém. Tinha sido a mulher do Ti Joaquim que a tinha comprado. O pão é que não lho podiam devolver!...

 Georgina Ferro


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