(foto net)
Tijolo a tijolo, o empreiteiro da construção civil, arranjou uma fortuna. Aqueles eram tempos de vacas gordas e o empresário achou que tinha atingido um outro patamar na vida. Comprou um reluzente automóvel topo de gama. Arranjou uma amante a quem pagava lautos jantares no Casino da Figueira da Foz, a troco de uns beijos molhados com sabor a baton. Correu uma a uma, todas as livrarias de Coimbra, à procura de um Manual de Etiqueta, que era uma espécie de Código de Talião, para gente pouco civilizada. Nada de arrotar, nada de palitar os dentes à mesa. Muito menos limpar as unhas , com a ajuda do garfo e da faca.
Ele, o empreiteiro, era agora um homem feliz. Comprava jornais de referência, que não lia e que para ele mais não eram, que um longo e torturante bocejo. Mas era necessário. Não se sobe na vida sem sacrifícios, dizia ele para o jovem filho, que o ouvia com uma paquidérmica paciência.
A deslizar pela vida em velocidade de cruzeiro, o construtor de cortiços de luxo, alargou a sua área de influência a outros negócios. De comum, apenas um princípio básico: o que viesse tinha que dar dinheiro. Numa palavra – lucro.
E foi assim que, um dia, a troco da compra meia dúzia de livros de História Universal em encadernação de luxo, recebeu, de bónus, um precioso livro de Arte Sacra.
Leu e releu o bónus. Rebolou o traseiro na cadeira com
espaldar de bispo, impaciente em se integrar no ramo místico.
Até que um dia, sim, até que um dia, teve conhecimento da venda de uma quinta lá para os lados de Poiares. A quinta, um pouco decrépita e de onde sobressaía um enorme casarão, tinha uma pequena capela privativa, onde residia um Santo setecentista, que valeria uma pequena fortuna.
Fixado no Santo, que queria adquirir ao preço da chuva, apresentou-se num sábado na quinta, querendo fazer - se comprador do imóvel, mas de olho no tesouro que a capela encerrava.
Recebido pelo caseiro, homem de idade e muita experiência na vida, foi-lhe mostrado todo o vasto património até que, já no exterior da casa, o putativo comprador, como que desinteressado, pediu para ver o interior da capela privativa.
Portas abertas de par em par, o nosso homem entrou de rompante no lugar de culto, com pouca de devoção e muita cobiça, mas ao olhar para o altar, verificou que estava vazio.
De facto, os proprietários, alertados para o valor da imagem, tinham tratado de a pôr a salvo dos amigos do alheio e dos colecionadores de Arte Sacra.
No meio da capela, embasbacado e soterrado em desilusão, o empreiteiro do tijolo, perguntou ao caseiro, que já se tinha apercebido da verdadeira razão daquela inesperada visita:
- Mas … mas … mas onde é que está o Santo … desapareceu ?
Ao que o caseiro, com um sorriso angelical, que mais não era do que um disfarce de sarcasmo, lhe respondeu:
- Não, o Santo mora cá … mas foi passar o fim de semana à terra …
Quito Pereira
Olha, eu também vou fazer o mesmo!
ResponderEliminar(boa malha, Quito. Abre aço!)
Um testo, um conto VERDADEIRO, bem contado, bem escrito como é timbre deste contador de boas histórias...A lição é boa e o PM até já aprendeu a lição!!!Homem prevenido vale por dois...mesmo que lido lá para a Gardunha!
ResponderEliminarClaro que não é testo...como estava na cozinha, hoje sou eu a cozinhar...por motivos patroa fora da cozinha...
EliminarJá comeste o panado de peru que levaste do Vasco da Gama?
EliminarPelo menos uma coisa fizeste bem, não cagaste a cozinha toda...
A patroa agradece!
Um empanado não come panados.Umas ervilhas com o teu ado coelho...com carqueja !!!
EliminarPois... lá tenho que ser eu a sofrer, em representação de Coimbra e das Botas Cansadas... a experimentar as cerejas da Cova da Beira... e a ver a Serra da Estrela a partir dos miradouros da Gardunha...
ResponderEliminarSe tudo evolui, porque é que o santo não havia de evoluir. Se calhar ir um fim de semana a uma igreja, vou começar a ver o que os santos andam a fazer.
ResponderEliminarExcelente e com muito piada, Quito.
Aí vai um abraço.
Coitadinho!!!!que pena que tenho por este sacrifício!!!Mas este ano não há cerejas ...
ResponderEliminarNão há cerejas, não...
EliminarPelo trajecto (12,5 Km), tantas que comemos. A maioria ainda está verde nas árvores mas muitas já estavam vermelhinhas e que bem que sabiam pelo caminho. Passámos por Alcongosta, "a capital da cereja da Cova da Beira" e a junta de freguesia ofereceu-nos licor de cereja. Comemos pastéis de nata de cereja. Ah, ontem jantámos no restaurante «as Tílias»... carne de porco com cerejas, castanhas e esparregado. E também comemos uma cavaca de cereja....
E sim, trouxemos uma caixinha de cerejas... gordas, carnudas, suculentas. Só ainda não são muito doces, mas eu até as prefiro com um pouco de acidez.
É uma maravilha ver as encostas da serra da Gardunha com cada vez mais pomares de cerejeiras. Para a economia daquela gente, é muito bom!
E cantámos isto pelo caminho (hino da Cova da Beira), que aprendi num encontro do Jornal do Fundão, há uns 40 anos, em que o António Paulouro ofereceu ao meu pai uma caneta Sheaffer de aparo de ouro, por ser correspondente de longos anos do jornal:
Cova da Beira tão linda
Nem rosa num roseiral
Verde engaste de uma estrela
Devesa de Portugal
(…)
Verdes campos verdes flores
Caminhos velhos em flor
Choram as águas nas fontes
E as águas falam d’amor.
(...)
Coitado é de ti Rafael, quando a Celeste chegar e vir a cozinha num alvoroço, com o chão pegajoso de tanta gordura, vais levar com a ripa !!!
ResponderEliminarBoa escrita.
ResponderEliminarVou de férias.
Será que fez o negócio, convencido que depois do fim de semana, o Santo lá aparecia?...
ResponderEliminarCom piada sacra, sim senhor,Quito de Deus!
ResponderEliminarNão há almoços grátis e o bónus ia-lhe saindo caro...
ResponderEliminarO pormenor do Manual de Etiqueta está delicioso.
Deixa-me dizer-te que não perdeste qualidade com a "mudança de ares", muito pelo contrário.
Gostei mesmo muito.
Toma lá um abraço.
Continuas um bom contador de histórias e eu continuo a gostar de as ler. Espero que o santo tenha tido um bom fim de semana
ResponderEliminarLó, amei sua "passagem" por ares de Manaus.
EliminarObrigada, querida.
Beijos
Deve ser S. Tomé... foi ver , para crer...o que se passava na Terra.
ResponderEliminarQuito, bom te reler.
Beijos
Ali pelos idos de 1968/69 dei de caras com o Zeca na Sé Velha. Era no tempo em que ainda se podia ir para aqueles lados apreciar uma MONUMENTAL. Hoje é uma vergonha, acho mesmo que a Queima ao abrir com aquele indecoroso espetáculo de finos e cachorros, devia ser outra vez suspensa em respeito pelo bom senso. Mas como eu dizia ao ver o Zeca, não sei se foi na serenata do Barnard, saiu-me um apelo "Canta o Vira de Coimbra". E logo ali ele me respondeu "Oh Portugal Portugal, oh meu Portugal tão belo,, metade é ..." Depois a nossa terra teve à frente um empreiteiro a arrancar os carris da mais bela rede de carros elétricos do mundo. Ao lado disto este artista é um aprendiz de feiticeiro...
ResponderEliminar"Metade é..." e como foi a frase completa?
EliminarMuito bem escrito e com muita piada!...
ResponderEliminar... metade é Jorge de Brito, metade é Jorge de Melo...
ResponderEliminarGrande Santo!
ResponderEliminarUm fim de semana fora sabe sempre bem e este foi por uma boa causa...
Um texto delicioso, Quito!