quinta-feira, 7 de junho de 2018

A GLÓRIA DO DESPORTO AMADOR ...






Nesta cascata indecorosa dos subornos, resultados viciados e envelopes por debaixo da mesa no desporto profissional, em que as modalidades ditas amadoras são pagas a peso de ouro a atletas também eles ditos amadores, o país vai olhando todos os dias para os mais diferenciados personagens de um desfile de mau gosto. Maior é a feira, quando se trata de futebol profissional e dos milhões de euros e de interesses instalados, de uma atividade globalmente mal frequentada. Desde os novos escravos e seus mercadores do século XXI , passando por trafulhas, agiotas e  gente insolente com o culto da sua própria personalidade, encontra-se de tudo. Depois há os outros. Os que são genuinamente amadores. Aqueles para quem o cifrão, é substituído pela bandeira da fraternidade e da convivência sã.


De Salgueiro do Campo, nestes dois últimos fins de semana, não me chegou o cheiro vil da corrupção. Chegou-me antes o aroma dos frangos assados e das febras grelhadas, do som do tilintar das garrafas de cerveja em brindes entre povos de quatro aldeias, a disputar um torneio de futebol: Salgueiro do Campo, Rochas de Cima, Freixial do Campo e Tinalhas. Venceu o melhor, que levantou a Taça. Sem remoques, nem conferências de imprensa.

Conheci aquelas gentes. O que outrora eram batalhas campais em jogos de bola disputados com determinação, hoje, o ardor da luta também lá está, mas com outros protagonistas. Aqueles que, assumido a sua faceta campesina, dão lições de como o desporto amador, é a pérola do verdadeiro espirito de competição.


Destes torneios entre aldeias, lembro as taças que vinham pedir à Farmácia do Salgueiro,  o que nunca lhes foi negado. Com alguma nostalgia, lembro o dia em que a Associação Recreativa do Barbaído, organizadora de um torneio, nos pediu um troféu. O Barbaído, pequeno povoado encravado entre montes onde impera o silêncio, é conhecido pelo “centro de mundo”, vá lá saber-se o porquê.  Passeando pela cidade, vi uma bela e vistosa taça numa vitrina, por um preço módico. Comprei o troféu, que lhes entreguei. Ficaram deslumbrados com a oferta, e no fim do torneio, acharam por bem oficializar um agradecimento, em carta timbrada com o logotipo da Associação. Um reconhecimento pouco protocolar, atendendo ao teor do documento, que não era de palavras de circunstância ou de palavras vãs. Estava ali muito do coração da gente simples.


Para rematar, da bela povoação de Tinalhas das casas solarengas e senhoriais, que também tem como padroeira Dona Isabel de Aragão, que ali é venerada em imagem que é cópia da que se encontra no Convento de Santa Clara em Coimbra, recordar o Terceiro Visconde de Tinalhas, Dom José de Meireles Coutinho Barriga da Silveira Castro e Camara e o seu espírito filantropo. Conta o povo, que um dia o Senhor Visconde foi ver um jogo de futebol no terreiro onde têm lugar as Festas da Padroeira, e não percebendo nada de futebol, ficou muito condoído por ver  vinte e dois rapazes muito transpirados, de calças arregaçadas até ao joelho, em mangas de camisa e socas nos pés, a lutar bravamente pela mesma bola e, num gesto magnânimo, mandou um capataz ir à cidade comprar uma bola para cada um, para que não houvesse mais zaragata. Promessa honrada e cumprida de Visconde. Naquele tempo, o desporto – rei dava ainda os seus primeiros e incipientes passos em todo o mundo. 


São narrativas de ontem, de hoje e de sempre, verdadeiras ou fruto da imaginação popular na exaltação dos seus mais predicados filhos. Tinalhas e os seus Viscondes. Tinalhas e a sua história.

Q.P.           

3 comentários:

  1. Texto muito oportuno especialmente muito em foco no presente momento.O tempo de quem ama dorsó por prazer já lá vai há muito tempo.E para não haver equívocos os clubes ricos do futebol já lhe chamam apenas "modalidades desportivas".Esses desportistas de Salgueiro do Campo e arredores nesses tempos remotos eram mesmo amadores...mas agora já lá nem devem sequer haver jovens.,.pois foram para as grandes cidades ver jogar os pseudo amadores, ou talvez também o serem...
    São sinais dos tempos!

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  2. Postagem mesmo em cima da hora.
    Nos tempos passados, dizia-se que se podia falar em mulheres, padres e futebol.
    Quando regressei a Portugal. só se falava de política e com clivagens impensáveis, aonde até um Eusébio era demagogia. O que faria o Brasil do Pelé ou nós hoje do CR7. Já me estava a esquecer que estes dois estão fora de Porgugal, por isso tudo bem. O mesmo já não acontece com o Pinto da Costa mas como é um sobrevivente de todas as calamidades, até o respeitam.
    Só que como tudo "evolui", essas clivagens impensáveos apresentam-se galhardamente no futebol português pelo que se vê cá de fora mas que não compreendo e francamente, já tenho idade para não estar interessado numa cultura tão elevada.
    É verdade, Quito. Penso que o que se passa em Portugal com o futebol nem daá para compreender, o que é muito triste.
    Um abraço e esperemos tempos melhores para o futebol.

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  3. Julgo que há um aspeto a acrescentar:, a forma como a comunicação social por necessidade de ter espaço na sociedade e por obrigação de corresponder a quem a sustenta, trata o desporto profissional. Por mim tenho confiança de que saberemos conquistar um futuro em que este espetáculo seja ultrapassado e então o desporto amador voltará a ter a importância que merece.
    Já agora permitam-me que corrobore a oportunidade do texto e registe a sua elevada qualidade.

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