domingo, 7 de fevereiro de 2021

AMOLA TESOURAS-Texto de Georgina Ferro

 O amola tesouras

Hoje está um vendaval e chuvada que mais parecem de plena invernia!

E lá vou eu para os tempos de antanho e para aquela aldeia raiana da Beira Alta onde havia muito cansaço, preocupação em granjear o pão de cada dia, tarefas intermináveis ao longo de todo o ano, tendo sempre o seu fulcro na cozinha, ao redor da lareira.

Num dia assim, como o de hoje, ventoso e a acarretar cordas grossas de chuva, o capador, ou seja o amola-tesouras, para descanso dos garotos que fugiam dele a sete-pés, sabe-se lá porquê,  parou de andar rua abaixo rua acima com o carrinho de madeira e rodas de bicicleta, onde acarretava a roda de afiar as facas para as matanças.

Enfiou-se na gruta da árvore frondosa, que já não existe, mas que eu juro a pés-juntos existia a uns metros da entrada principal da igreja, onde poisou o seu banco de meia lua tripé, tapou-se com uma saca de serapilheira, para não ficar “arreganhado”, (é que ainda não havia plástico para o proteger), e vá de “curar” as varetas dos muitos guarda-chuvas que se haviam voltado e entortado com o vento, ou fazer delas, se já não tivessem conserto, um jogo de cinco agulhas para fazer as meias de algodão.

O ti João Reino, o meu vizinho de coração de oiro, não se conteve e foi chamá-lo para debaixo da "alpendrada" da lenha, pois sempre seria menos desconfortável.

Depois foi um corropio de gente, garotas, mulheres, homens..., nada de rapazitos, a esses ninguém lhes punha a vista em cima, enquanto o capador andasse por ali!. Vinham trazer-lhe mais e mais serviço, é que, para além de capador, amolador, consertador de guarda-chuvas também “gateava” peças de loiça, que por serem muito caras, não se podiam deitar fora só por terem uma ou duas rachadelas: ora eram travessas do serviço, ou o penico da mesinha de cabeceira, a caneca do vinho, o prato grande do arroz doce...que ele costurava com arame depois de ajustar bem cada caco, com cola que apanhava do tonco de algumas árvores.

E, nessa noite não arredou pé lá do curral! Para maior castigo os caminhos ficaram intransitáveis e, na maior parte lembravam mais pequenos ribeiros do que caminhos de regresso a casa. 

Ai, ai!, estou a mentir, porque ele teve de se abrigar na loja das vacas, depois de ter ajudado a cavar uma vala funda para a água correr à volta das paredes da casa....

Georgina Ferro


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