quarta-feira, 10 de fevereiro de 2021

O TI´JOÃO Texto de Kito Pereira

 


O TI´ JOÃO …

 Naquele espaço, junto da austera Sé de Castelo Branco, olhamos a praça. Um local airoso, de casas caiadas e modestas. Também do pequeno comércio de proprietários à porta de mãos atrás das costas, na espera da entrada do cliente apetecido. E acolá, naquela fileira de habitações de tetos baixos, uma pequena entrada de portadas verdes. É ali a taberna do Ti´ João. Lá dentro, o pequeno compartimento é escuro. Um balcão corrido e acanhado e uma prateleira onde repousam algumas garrafas de vinhos e licores. Também um busto de barba e faces rosadas na recriação de Rafael Bordalo Pinheiro numa pose sugestiva e uma inscrição na base:  SE QUERES FIADO TOMA !!!.  E, do lado de lá do balcão, um homem. Um homem já de idade simpática, de baixa estatura num rosto bondoso e bonacheirão. A barriga é proeminente e vai falando como estivesse cansado. Fala baixo, a medir bem as palavras, como se tudo o que dissesse tivesse o rótulo de confidencialidade. Naquelas tardes de verão, por vezes eu entrava naquele seu mundo. O café ou a ginjinha obrigatória para dois dedos de amena conversa. O Ti´João taberneiro, para além de ganhar a vida a vender copos de vinho, tinha também no folclore o amor de quem gostava das voltas e reviravoltas da dança. E foi nos ensaios do Rancho Folclórico de Juncal do Campo que o conheci. Apesar de leigo na matéria, cedo percebi que era um homem que sabia daquela vertente da cultura popular. Nos ensaios era perfeccionista e repetia as modas e as danças até à exaustão. Pese o seu coração mole, era respeitado por cantadores e dançadores. E pelo grupo de tocadores. Nunca o tambor, a concertina, o reco – reco ou a pandeireta se rendiam no esforço que era exigido pelo Ti` João. E foi assim que tive uma simpatia crescente por ela. Sempre que passava junto ao seu pequeno estabelecimento em tardes de calor, era obrigatório entrar e conviver com um homem simples e cordato, grande na sua dimensão humana e de fiel seguidor das tradições culturais de um povo que devem ser preservadas. Falava-me sempre com entusiasmo nas deslocações do grupo a festivais de folclore e dizia-me no meio de mais um brinde de uma taça de vinho branco ou de uma aguardente – velha que eu sempre fazia questão de pagar:

- Amanhã, no Ladoeiro, vamos entrar a todo o gás e arrasamos com a concorrência …

E eu, já na soleira da porta,  lá lhe ia dizendo:

- Pois amigo João, com a “Dança da Tranca” vamos rebentar com eles …

Então ele ria e eu a acenar - lhe partia …

Quito Pereira         

4 comentários:

  1. SE QUERES FIADO... Não sei se sabes Quito, esta imagem foi publicada pela primeira vez num jornal humorístico o ANTÓNIO MARIA. E porque é que o Rafael Bordalo Pinheiro deu esse nome à publicação: é que o chefe do governo era um tal, de nome completo, António Maria Fontes Pereira de Melo, que ficou conhecido para a história apenas pelos seus apelidos.

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  2. Um texto que através das conversas com o TI'JOÃO, podemos concluir que também o folclore te ocupou parte do tempo em Salgueiro do Campo.

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  3. Rancho de Juncal do Campo. Realmente andei metido naquelas lides a pedido da direção do grupo. Modéstia à parte, dei um impulso no sentido do grupo conhecer novos horizontes e começou a atuar em todo o país. Recordo o dia em que foram ao Algarve e no fim de semana seguinte a Trás os Montes ...

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