quinta-feira, 4 de fevereiro de 2021

SÓ FICAVA O FURO... TEXTO DO PROFESSOR ANTONINO SILVA

 Só ficava o furo


O que têm a ver as caminhadas, a tragédia de Beirute e o blog de viagens do Sapo?

Li isto algures e não conseguirei citar, mas a ideia principal era esta: nas redes sociais (destacando-se o facebook), a população mundial que partilha esta rede está apenas a quatro cliques de amizade. Quer isto dizer que, quando consultamos os amigos de um amigo nosso e depois continuamos e fazer o mesmo a cada um dos amigos desse amigo do nosso amigo, ao fim de quatro pesquisas teríamos descoberto todos os usuários desta rede. Porém, atente-se, seria necessário voltar atrás e fazer sempre o mesmo por cada pessoa, uma vez que as redes de amigos se constituem em expoente variável, sendo muitos deles elevados a cinco mil (o número máximo de amigos). Assustador, não é? Contudo, como o povo diz, as palavras são como as cerejas e isto anda tudo ligado. 

Se dúvidas houvesse, os episódios vêm confirmar esta visão metassistémica do universo sem necessidade de entrarmos em fatalismos ou teorias da borboleta. Este, em particular, é muito recente e relaciona-se com as atividades de caminhada que tanto me agradam e tantos amigos me granjearam. 

A barragem do Varosa, em Lamego, tornou-se famosa recentemente nos grupos de caminhadas depois de um artigo no blog de viagens do Sapo, porque apresenta, na margem esquerda, já a jusante do paredão, uma escada mítica, com 360 degraus, que confere ao cenário um foco de atração para caminheiros, e não só. A barragem não é muito extensa nem muito alta (tem 213 metros de comprimento no coroamento e 76 metros de altura acima do terreno natural), mas surge encaixada numa garganta que lhe dá um fascínio natural, principalmente se a observarmos do leito do rio, do lado de Sande. Na década de 30 tinha-se iniciado a construção e, apesar de em 1936 já estar em funcionamento, só em 1976 é que a EDP começou a tirar o máximo proveito, depois da construção dos tubos adutores e da central elétrica adjacente. 

Ao comentar os planos de abordagem a este espaço numa caminhada futura, um ancião de 96 anos, que me ouvia, recordou-se da sua contribuição para a construção, ainda rapaz imberbe.  

Os subempreiteiros da obra não eram, propriamente, pessoas de escrúpulos e, em busca de um maior lucro, procuravam expedientes, sendo o mais recorrente a procura de explosivos mais baratos. Como o controlo estatal era remoto, por cada tonelada de pólvora legalmente adquirida, compravam outra tanta em mercados paralelos, a preços muito mais acessíveis. Contudo, havia sempre um risco enorme de a GNR descobrir este tipo de tráfico e levar de cana fornecedores e compradores.

Ora o pai desse jovem tinha um caseiro na Quinta das Torres que juntava aos rendimentos da terra os lucros do seu engenhoso sistema de fazer pólvora negra. Em vez de usar o nitrato de amónia para adubos, como seria de esperar, preferia usá-lo para misturar carvão moído e outros produtos acessíveis para fazer pólvora, que vendia a bom preço para a barragem. Esse caseiro contratava o filho do dono da quinta para levar, semanalmente, um lote de 25 quilos e, juntamente com o que ele levaria, dava para fornecer a meia centena de quilos que tinha acordado com os subempreiteiros. Esse filho do patrão é agora a pessoa que me conta a história.

De Moimentinha até Balsemão, os carregos tinham de ser discretamente transportados, às costas, dentro de taleigas de farinha, envoltas em sacos de serapilheira. Aproveitam-se os dias de mercado (as quintas-feiras) para, disfarçadamente, seguirem como mercadores de batatas ou algo parecido, por caminhos escusos e atravessando o rio a vau. Mas as coisas podiam correr mal, se os guardas se mostrassem mais curiosos ou desconfiados do que o costume. E isso atormentava o cachopo, que questionava o João Luís sobre esse risco e como conseguiriam não bater com os costados na prisão.

Então, muito pausadamente, o adulto explicava-lhe que cada saco tinha um buraco bem largo no fundo e se a guarda se aproximasse, bastaria puxar um atilho, que ele se abriria, deixando cair o pó à medida que avançavam. Assim, a prova ia com o vento. 

E terminava a preleção com uma frase lapidar: - E reza a Deus para que o guarda não esteja a fumar!

Antonino Silva


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