sábado, 25 de janeiro de 2014

COISAS SOBRE COIMBRA - O Pica e a Briosa

O Pica, Nós e o mouco indesejável
                            _____________________________

      Costumávamos frequentar o Restaurante “AEMINIUM”, nas Escadas dos Gatos, onde, a troco do escasso lucro duma ou duas cervejas  (já que as nossas reservas não davam para mais) éramos, como é óbvio, frequentadores baratos, beneficiando, porém, da complacência e simpatia do dono do estabelecimento e da empregada Domitília que, ainda por cima, tinha um denunciado fraquinho pelo Pica.
      Normalmente, aparecia por lá um individuo um tanto antipático e intrometediço que, para cumulo, era um ferrenho benfiquista e não se privava de, em voz alta, criticar a Académica, o que, claro, a todos nos irritava sobremaneira.
      A insuportável criatura era surda que nem uma porta e, como consequência, usava, nos ouvidos, daqueles auscultadores antigos ligados, por fios, a pequeno aparelho regulador do som escondido junto ao tórax por baixo do peitilho da camisa.
      Embora nenhum de nós lhe ligasse importância, metia-se nas nossas conversas com apartes chatíssimos e, sobretudo, repita-se, maldizentes em relação à Briosa.
      Perante a intolerabilidade das contínuas interferências do malquisto intruso, o Pica, a seu inesperado modo resolveu terminar, de vez, com tão desagradáveis situações.
      Numa das tardes do nosso convívio, no “AEMINIUM”, e antes da entrada do indesejável fulano, virou-se para nós e instruiu-nos:
      - Quando aquele tipo entrar e se sentar perto de nós, abordamos uma banal conversa em voz alta. Passados um ou dois minutos, quando ele estiver mais atento, todos nós apenas mexeremos os lábios, mas em absoluto silêncio, como se continuássemos conversando normalmente.
      O homem entrou. Aproximou-se de nós e sentou-se, connosco a falar com toda a naturalidade, como se nem déssemos por ele.
      Decorridos os previstos minutos, seguindo as instruções do Pica, apenas começámos a mexer os lábios, silenciosamente.
      O surdo intruso, deixando, repentinamente, de ouvir o timbre das nossas vozes e julgando, sem dúvida, tratar-se da dessincronização do seu aparelho regulador de som, de imediato levou a mão ao tórax, debaixo do peitilho da camisa, no intuito de lhe aumentar a tonalidade.
      Mexeu e remexeu no dito aparelho, mas sem qualquer resultado, uma vez que continuávamos, apenas a mexer os lábios.
      Porém, a um sinal do Pica, voltámos a conversar em voz alta, o que provocou uma frenética reacção do antipático surdo, já que o aumento repentino do grau de intensidade das nossas vozes lhe provocou, como é evidente, uma brusca barulheira infernal nos tímpanos desprevenidos.
      Sempre sob a regência simulada do Pica, repetimos várias vezes esta cena, ocasionando, por isso, espaços de absoluto silêncio intercalados por estrondosas perturbações sonoras nos ouvidos da criatura.
      E, enquanto isso, o inconveniente intruso, sem, sequer, desconfiar da nossa artimanha, continuava nervosa e continuamente. A mexer e remexer no seu aparelho regulador de som, já com o peitilho da camisa todo desapertado e desalinhado, tal era o esforço das tentativas infrutíferas para o sincronizar.
      Já farto e desnorteado, o indesejável surdo, sempre resmungando, saíu abruptamente do Restaurante “AEMINIUM”, certamente para se dirigir a qualquer oficina técnica da especialidade ou, então, para marcar consulta no seu médico otorrinolaringologista.
      E foi com mais uma ideia genial do célebre Pica, que nos libertámos do chatíssimo mouco intrometido, benfiquista fanático e maldizente crónico da Académica, o que, acima de tudo, não tolerávamos.



14 comentários:

  1. O Pica, foi uma figura incontornável de Coimbra. Dele se contam muitas histórias, umas verdadeiras e outras nem tanto. O roubo dos bancos do coreto do Parque Manuel Braga, que foram levados para uma república junto ao antigo cinema Sousa Bastos, para que uma delegação vinda do Porto à Queima, tivesse lugar à mesa para comer favas com linguiça, os únicos bens comestíveis que uma mercearia da Praça Velha ainda fiava, parece-me uma história excessiva, complementada com o facto de ter aparecido a policia e ter levado a "gancho", forasteiros e anfitriões.

    Interessante o livro de António Curado, residente que foi no Bairro. Curado, foi destacado jogador da AAC, daqueles de "antes quebrar que torcer".Neste livro se perpetua a memória do Pica, que um dia se formou em Medicina e que por decisão judicial se viu deportado para o Porto. Mas é Coimbra que lhe presta homenagem, pelo que ele representou de irreverência estudantil, em tempos em que a comunidade universitária, se calhar, tinha mais encanto ...

    ResponderEliminar
  2. Personagem que sempre adorava ouvir histórias no Hotel Avenida pelos Drs que se reuniam para um "copinho" pelos momentos de riso. Quito, como se chama o livro do Curado e onde poderei adquirilo
    Um abraço
    Fernando AZENHA

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Eu já uma vez aqui respondi a essa pergunta:
      Na Almedina deve haver, mas este foi comprado numa nova loja onde estava também a sapataria Charles,(se não estou enganado...)Tem muito material interessante sobre Coimbra.incluindo vários livros.

      Eliminar
    2. Sim, na Almedina haverá, certamente. Cumprimentos. Silvana Curado

      Eliminar
  3. Oh Azenha, o titulo do livro esta' escarrapachado na fotografia.
    Onde se vende nao sei, mas um telefonema para a Nela Curado e ela sabera' dizer te, certamente.

    E uma coisa importante. Os Drs.nao bebem copinhos.
    Deliciam se com o precioso nectar vinicola, em sumptuosos vasos da Marinha Grande.

    Nao te chateies. Um abraço do teu amigo

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Na livraria Almedina está disponível... e pode ser comprado online:

      http://www.almedina.net/catalog/product_info.php?products_id=4350

      Eliminar
    2. A propósito, Rui! Havia um Prof da Faculdade de Direito, que chegava ao café o pedia:
      Traga-me um fruto da esposa do real cantor da madrugada!
      O empregado, confuso, perguntava: Como, Sr Professor, como?!…
      Estrelado, por favor!

      Eliminar
    3. Era o Carlos Moreira prof. De Direito Constitucional.. Ja velhote.
      Usava monoculo.
      Um dia o Castanheira foi para a aula com monoculo tambem.
      E imitava todos os tiques do Carlos.Moreira, em especial a mania que este tinha de estar sempre a tirar o monoculo, a limpa lo com o lenço e a voltar a coloca lo no olho.

      O Prof. notou isso e de uma das vezes.deixou cair o monoculo para o chao , pisou com o sapato e esmigalhou o.
      O Castanheira imitou o esmigalhou tambem o dele.

      O Carlos Moreira meteu a mao ao bolso. E puxou de um monoculo de reserva colocando o no olho e fitou demiradamente o Castanheira dizendo lhe:

      Ainda tenho mais dois aqui no bolso...

      Eliminar
    4. Ahahahahahahahahah! Muito boa, essa história do monóculo. :)

      Eliminar
  4. As peripécias do famoso Pica quem as não conhecia em Coimbra!
    Em serões ou em "comesainas" havia sempre uma estória para contar...
    Lá estamos na idade de recordar e reviver o passado.O que é bom!

    ResponderEliminar
  5. Coimbra sempre foi rica em cromos desses! Muitos tinham muita piada e imaginação e as brincadeiras quase sempre inofensivas. Este Pica era um grande cromo!

    ResponderEliminar
  6. São postagens destas que nos avivam a Coimbra da nossa juventude, assim como os comentários. Para estes últimos, sobressaíu-me o do Rui Felício ao Azenha pois nessa altura as prosa de um Dr. ... enfim, outros tempos, outras virtudes.

    ResponderEliminar
  7. Que os cromos a este nível que vivam sempre.
    O pior são estes jeitosos que estão por cá que nem isso sabem ser.

    ResponderEliminar
  8. As estórias do Pica ficaram na história da boémia coimbrã. Devo dizer que não o conheci pessoalmente mas muitas das suas saudáveis brincadeiras me chegaram aos ouvidos.
    As escadas dos Gatos, com o “AEMINIUM" dum lado, A TI DONA ALICE do outro ( mais tarde a tasquinha do Giló), e o EZEQUIEL ao fundo, era uma trindade de martírios e sacrifícios. Houvesse "guita" para tanto...

    ResponderEliminar