O Pica, Nós e o mouco
indesejável
Costumávamos frequentar o
Restaurante “AEMINIUM”, nas Escadas dos Gatos, onde, a troco do escasso lucro
duma ou duas cervejas (já que as nossas
reservas não davam para mais) éramos, como é óbvio, frequentadores baratos,
beneficiando, porém, da complacência e simpatia do dono do estabelecimento e da
empregada Domitília que, ainda por cima, tinha um denunciado fraquinho pelo
Pica.
Normalmente, aparecia por lá um individuo um
tanto antipático e intrometediço que, para cumulo, era um ferrenho benfiquista
e não se privava de, em voz alta, criticar a Académica, o que, claro, a todos
nos irritava sobremaneira.
A insuportável criatura era
surda que nem uma porta e, como consequência, usava, nos ouvidos, daqueles
auscultadores antigos ligados, por fios, a pequeno aparelho regulador do som
escondido junto ao tórax por baixo do peitilho da camisa.
Embora nenhum de nós lhe
ligasse importância, metia-se nas nossas conversas com apartes chatíssimos e,
sobretudo, repita-se, maldizentes em relação à Briosa.
Perante a intolerabilidade
das contínuas interferências do malquisto intruso, o Pica, a seu inesperado
modo resolveu terminar, de vez, com tão desagradáveis situações.
Numa das tardes do nosso
convívio, no “AEMINIUM”, e antes da entrada do indesejável fulano, virou-se
para nós e instruiu-nos:
- Quando aquele tipo entrar
e se sentar perto de nós, abordamos uma banal conversa em voz alta. Passados um
ou dois minutos, quando ele estiver mais atento, todos nós apenas mexeremos os
lábios, mas em absoluto silêncio, como se continuássemos conversando
normalmente.
O homem entrou.
Aproximou-se de nós e sentou-se, connosco a falar com toda a naturalidade, como
se nem déssemos por ele.
Decorridos os previstos
minutos, seguindo as instruções do Pica, apenas começámos a mexer os lábios,
silenciosamente.
O surdo intruso, deixando,
repentinamente, de ouvir o timbre das nossas vozes e julgando, sem dúvida,
tratar-se da dessincronização do seu aparelho regulador de som, de imediato
levou a mão ao tórax, debaixo do peitilho da camisa, no intuito de lhe aumentar
a tonalidade.
Mexeu e remexeu no dito
aparelho, mas sem qualquer resultado, uma vez que continuávamos, apenas a mexer
os lábios.
Porém, a um sinal do Pica,
voltámos a conversar em voz alta, o que provocou uma frenética reacção do
antipático surdo, já que o aumento repentino do grau de intensidade das nossas
vozes lhe provocou, como é evidente, uma brusca barulheira infernal nos
tímpanos desprevenidos.
Sempre sob a regência
simulada do Pica, repetimos várias vezes esta cena, ocasionando, por isso,
espaços de absoluto silêncio intercalados por estrondosas perturbações sonoras
nos ouvidos da criatura.
E, enquanto isso, o
inconveniente intruso, sem, sequer, desconfiar da nossa artimanha, continuava
nervosa e continuamente. A mexer e remexer no seu aparelho regulador de som, já
com o peitilho da camisa todo desapertado e desalinhado, tal era o esforço das
tentativas infrutíferas para o sincronizar.
Já farto e desnorteado, o
indesejável surdo, sempre resmungando, saíu abruptamente do Restaurante
“AEMINIUM”, certamente para se dirigir a qualquer oficina técnica da
especialidade ou, então, para marcar consulta no seu médico
otorrinolaringologista.
E foi com mais uma ideia
genial do célebre Pica, que nos libertámos do chatíssimo mouco intrometido,
benfiquista fanático e maldizente crónico da Académica, o que, acima de tudo,
não tolerávamos.
O Pica, foi uma figura incontornável de Coimbra. Dele se contam muitas histórias, umas verdadeiras e outras nem tanto. O roubo dos bancos do coreto do Parque Manuel Braga, que foram levados para uma república junto ao antigo cinema Sousa Bastos, para que uma delegação vinda do Porto à Queima, tivesse lugar à mesa para comer favas com linguiça, os únicos bens comestíveis que uma mercearia da Praça Velha ainda fiava, parece-me uma história excessiva, complementada com o facto de ter aparecido a policia e ter levado a "gancho", forasteiros e anfitriões.
ResponderEliminarInteressante o livro de António Curado, residente que foi no Bairro. Curado, foi destacado jogador da AAC, daqueles de "antes quebrar que torcer".Neste livro se perpetua a memória do Pica, que um dia se formou em Medicina e que por decisão judicial se viu deportado para o Porto. Mas é Coimbra que lhe presta homenagem, pelo que ele representou de irreverência estudantil, em tempos em que a comunidade universitária, se calhar, tinha mais encanto ...
Personagem que sempre adorava ouvir histórias no Hotel Avenida pelos Drs que se reuniam para um "copinho" pelos momentos de riso. Quito, como se chama o livro do Curado e onde poderei adquirilo
ResponderEliminarUm abraço
Fernando AZENHA
Eu já uma vez aqui respondi a essa pergunta:
EliminarNa Almedina deve haver, mas este foi comprado numa nova loja onde estava também a sapataria Charles,(se não estou enganado...)Tem muito material interessante sobre Coimbra.incluindo vários livros.
Sim, na Almedina haverá, certamente. Cumprimentos. Silvana Curado
EliminarOh Azenha, o titulo do livro esta' escarrapachado na fotografia.
ResponderEliminarOnde se vende nao sei, mas um telefonema para a Nela Curado e ela sabera' dizer te, certamente.
E uma coisa importante. Os Drs.nao bebem copinhos.
Deliciam se com o precioso nectar vinicola, em sumptuosos vasos da Marinha Grande.
Nao te chateies. Um abraço do teu amigo
Na livraria Almedina está disponível... e pode ser comprado online:
Eliminarhttp://www.almedina.net/catalog/product_info.php?products_id=4350
A propósito, Rui! Havia um Prof da Faculdade de Direito, que chegava ao café o pedia:
EliminarTraga-me um fruto da esposa do real cantor da madrugada!
O empregado, confuso, perguntava: Como, Sr Professor, como?!…
Estrelado, por favor!
Era o Carlos Moreira prof. De Direito Constitucional.. Ja velhote.
EliminarUsava monoculo.
Um dia o Castanheira foi para a aula com monoculo tambem.
E imitava todos os tiques do Carlos.Moreira, em especial a mania que este tinha de estar sempre a tirar o monoculo, a limpa lo com o lenço e a voltar a coloca lo no olho.
O Prof. notou isso e de uma das vezes.deixou cair o monoculo para o chao , pisou com o sapato e esmigalhou o.
O Castanheira imitou o esmigalhou tambem o dele.
O Carlos Moreira meteu a mao ao bolso. E puxou de um monoculo de reserva colocando o no olho e fitou demiradamente o Castanheira dizendo lhe:
Ainda tenho mais dois aqui no bolso...
Ahahahahahahahahah! Muito boa, essa história do monóculo. :)
EliminarAs peripécias do famoso Pica quem as não conhecia em Coimbra!
ResponderEliminarEm serões ou em "comesainas" havia sempre uma estória para contar...
Lá estamos na idade de recordar e reviver o passado.O que é bom!
Coimbra sempre foi rica em cromos desses! Muitos tinham muita piada e imaginação e as brincadeiras quase sempre inofensivas. Este Pica era um grande cromo!
ResponderEliminarSão postagens destas que nos avivam a Coimbra da nossa juventude, assim como os comentários. Para estes últimos, sobressaíu-me o do Rui Felício ao Azenha pois nessa altura as prosa de um Dr. ... enfim, outros tempos, outras virtudes.
ResponderEliminarQue os cromos a este nível que vivam sempre.
ResponderEliminarO pior são estes jeitosos que estão por cá que nem isso sabem ser.
As estórias do Pica ficaram na história da boémia coimbrã. Devo dizer que não o conheci pessoalmente mas muitas das suas saudáveis brincadeiras me chegaram aos ouvidos.
ResponderEliminarAs escadas dos Gatos, com o “AEMINIUM" dum lado, A TI DONA ALICE do outro ( mais tarde a tasquinha do Giló), e o EZEQUIEL ao fundo, era uma trindade de martírios e sacrifícios. Houvesse "guita" para tanto...