quarta-feira, 29 de janeiro de 2014

UNIÃO PERFEITA



Ao principio, ela só parecia ter um defeito.
Tinha medo do escuro, só se sentia calma e descontraída quando a luz incidia no seu corpo esbelto e atraente.
Nos primeiros dias tive dificuldade em adaptar-me, porque na intimidade do nosso quarto eu gostava mais da cálida modorra da escuridão.



Para a satisfazer, contudo, comprei um candeeiro de luz mortiça que fica aceso toda a noite do lado dela e concluí que afinal aquele seu hábito, em vez de defeito, era uma virtude.
Fez-me descobrir o prazer de admirar as sombras desenhadas pela luz, que marcavam e delineavam os seus contornos apetecíves em mil nuances que a escuridão só permitia ao tacto, nunca ao olhar.

Ela adora sentir o meu respirar junto do corpo, e eu recebo o dela na minha pele, como um bálsamo viciante, provocador, numa permuta contínua, sincopada, quase perpétua que se alimenta uma da outra, mantendo-nos unidos, à vezes insaciáveis, aumentando as sensações num ritmo crescente dos eflúvios e do sangue, em direcção ao cume da vida, ponto de encontro único dos amantes que os deuses marcaram como o climax incontrolável do prazer.

Pergunto-me como demorei tantos anos a descobrir que a união perfeita é afinal bem mais simples do que parece.
Basta que saibamos dar a quem amamos o que temos para dar e receber em troca aquilo que nos faz falta.

Ela não prescinde do dióxido de carbono que expiro e eu estaria morto se não aspirasse o oxigénio e a energia quimica que aquela lindissima planta me dá através da clorofila e da fotossíntese.
Rui Felicio


10 comentários:

  1. Enfim o que te posso dizer? Para já digo achei o texto muito imaginativo e com muita piada.
    Continua na antecâmara da loucura pois a escrita sai mais sã e surrealista...
    Felicidades para esta União Perfeita!

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    1. Receio que antecâmara se abra descontroladamente, Olinda, deixando a loucura correr à rédea solta. Já estive mais longe...

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    2. Por mim,até podes ir da antecâmara para a câmara.

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  2. Não vás é para a cama com ela de dia!… Ela mata-te!

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  3. Mais um excelente texto à Rui Felício!
    Não calculava que iria terminar numa de clorofila e fotossíntese!
    Mas o que escreves nos penúltimos parágrafos merece uma profunda reflexão!!!

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  4. As plantas também dão flôres. É um gosto ler textos do Rui Felício.

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  5. Hoje, há um sol pálido que não aquece a temperatura fria que faz lá fora. Um inverno que balança entre o chuvoso e uma ameaça de primavera. Por este rincão, as gentes andam cabisbaixas e eu deixo-me levar nesta onda de marasmo pessimista. Mas, qual exercício de magia, chego aqui de manhã e encontro uma janela com reflexos de arte, da amiga Romicas. E um texto bem concebido, como sempre, do nosso amigo Rui Felício. O Felício tem a arte de aprisionar o leitor ao correr das linhas, numa prosa a roçar aqui e ali, em pormenores de uma beleza literária que nos faz subir o ego em tempo de nostalgia. O final da estória, é de um refinado bom gosto. Tratava-se de uma planta, nesta simbiose de amizade e de calor que são apanágio dos textos do advogado de Coimbra em terras da Ericeira - Rui Felício.
    Um abraço, Rui

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  6. Rui, para ser franca, preferia uma desunião!
    Agora ler o que tão bem escreves é sempre um prazer.

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  7. Isto é mesmo de Eriçar a pele dum individuo como eu!!!!Rui!Imagino-te ai numa esplanada , frente à Praia, a escreveres isto!Com mar bastante agitado para baralhar mais o cerebro!
    Quito!Aqui tà uma tarde porreira, cheia de sol e céu azul.A malta nunca esteve tao optimista.Com um FRANCOIS engatatao e outro FRANCOIS, esta semana na capa da revista americana ROLLING STONE, que mais se pede? Dinheiro?Hà por aqui aos molhos!Mulheres?Salve-se quem puder!!

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