Esgoto-me, neste meu cirandar pelas planícies de ninguém. Por
onde passo, por onde me cruzo com trilhos que se perdem no infinito dos dias,
apenas a terra seca, num grito dilacerante, chama por mim. É o epitáfio da
esteva queimada e das árvores descarnadas, plasmadas num horizonte de fogo. E
sós. Lá longe, por entre a manta enrugada dos cabeços, a mancha branca do
casario. É Sobral do Campo, que resiste aos tormentos da caminhada. As casas,
aninhadas à volta da torre da igreja, parecem clamar pela Proteção Divina. Tento
resguardar-me na sombra acolhedora de uma fonte. E o murmúrio da água a jorrar
de pranto, é como que um bálsamo para a minha solidão, neste crepitar de um
Tempo sem Destino. Procuro, em desassossego, a bússola que me guie até aos dias
de Outono, na esperança da serenidade que me transporte à essência dos sonhos e
devolva à planície a água que lhe corre nas veias. E enquanto espero e
desespero, é o trinar do sino neste clamor de fim de tarde, que abala a calma
melancolia de um Lugar diluído na engrenagem dos séculos. Olho a abóbada imensa,
na esperança de ver as nuvens arrastando o seu alvo véu de algodão por cima das
montanhas, que se esfumam no horizonte. Mas não. Há muito, que as nuvens
partiram e o Sol, a derramar-se pelo Moradal no seu manto escarlate, despede-se
de mim. É então que a planície ganha vida. Os homens caminham taciturnos pela
beira dos caminhos, na ânsia de dar às pequenas courelas, o alimento que o céu
lhes nega, neste zénite do Verão. E ali, junto da torre do relógio que marca o
compasso do Tempo, apenas vislumbro, em sereno voo, a cegonha retardatária que
em breve partirá para outras paragens, na procura do alimento que lhe é
essencial à vida. O ninho que construiu, pacientemente, como lar, ficará vazio
e intacto, como mais um monumento pardo e lúgubre à solidão da campina.
Quito Pereira
Deambulando solitário na campina ressequida, ansiosa pela água que lhe dá a vida e alimento às gentes que dela vivem, o Quito deseja a vinda do Outono que substituirá, no ciclo milenar e repetido das estações do ano, o estio prolongado que o manto escarlate do sol sobre o Moradal, abafa e constrange.
ResponderEliminarTambém para mim, é o Outono que reconclia o homem com a terra e que retoma e gera a vida que há-de explodir esfusiante na Primavera.
Obrigado, Felício, pelo comentário. Regressei à normalidade da minha "escrita" sonolenta ...
EliminarAbraço
Boa Prosa Menino.
ResponderEliminarUm abraço, António ...
EliminarTal cegonha me sinto procurando "alimentos" mas em sonhos desejados...
ResponderEliminarAdoro o Outono e o teu texto real mas poético fez voar a minha fantasia!
Parabéns,Quito
Obrigado, Olinda. O Outono vem aí. Que ele te alimente os sonhos ...
EliminarUm abraço
O Quito retomou a escrita, aquela que eu mais gosto de ler!Fez uma pausa, andou por outras paragens, donde também escreveu e bem, mas os temas eram mais salgados pelo mar!Mais de lembranças salgadas pela vida dura das gentes do mar!
ResponderEliminarCom gentes e costumes de outro Portugal, que apesar de tudo, para além das agruras de quem luta com o mar, mas que tem vida própria pelo menos nos tempos de Verão.
Aqui, donde escreve este belo texto, a vida é vivida quase sempre numa rotina campestre, monótona, sofrida que só o sino nas trindades dá alguma sonoridade diferente de algum vento que sopra mais forte e do chilrear dos pássaros ou até mesmo do correr das águas nos ribeiros!Até o verão se afasta e dá lugar ao outono...e a cegonha que antes era uma esperança para que estas paragens se rejuvanescessem, parte desolada, também porque já não há quase ninguém que alimente o seu mito....
Até rima com tenho dito!!!
Na verdade, de novo a vertente campestre, um mundo diferente do citadino. Gostei das tuas reflexões, Rafael. Percebe-se que apesar de viveres na nossa cidade, o mundo campesino ainda é, para ti, uma memória bem viva.
EliminarUm abraço
Quito, com o teu texto e os comentários, sobre o Outono estamos conversados!...
ResponderEliminarAgora quero-te dizer, que a zona de Aveiro e Estarreja, tem muitas cegonhas e estas já não migram. Ficam cá sempre e já é vulgar ver o casal e filhotes crescidos no mesmo ninho! As cegonhas acasalam para toda a vida! Não há casos de divórcio nem abandonos do lar!...
Curioso o teu comentário, Alfredo. Aqui, as cegonhas migram. À entrada de CB, lá estão dois enormes ninhos vazios. Por outro lado, sendo habitual observá-las por estes campos, a verdade é que partiram. Um dia regressarão.
ResponderEliminarUm abraço
Castelo Branco tem, como sabemos, o Inverno bem mais rigoroso do que Aveiro e arredores. Muito provávelmente é essa a razão!...
EliminarEstás convidado a vir cá no Inverno, para ver as cegonhas! Chega a haver 5 e 6 ninhos nos pórticos da IP5.
ResponderEliminarA nostalgia de Outono invade o Quito, fazendo-o jorrar todo um conjunto de emoções que só a sua enorme capacidade de observação permite captar.
De forma límpida, parece-me que cada vez mais escorreita, transmite-nos o estar e o ser.
Parabéns, Quito.
Toma lá mais um abraço.
Meu Caro Viana
ResponderEliminarDurante a semana, a minha realidade é a realidade campesina. E é sobre esse mundo que vou escrevinhando, nesta colaboração com o EG. Alguém disse, no FB, que eu só falo de cebolas. Não me importo. Porque sei que para muitos, como é o teu caso e de outros amigos, o mundo não se extingue na ponta do nariz. Há outros universos, para lá da vida citadina, onde também me movo.
Escrevo como sei e como posso, com amizade. É a minha forma de Vos abraçar de longe.
Toma lá um abraço
Meu Amigo, manda dar uma volta a quem falou no Face, era o que mais faltava... ! nós temos aqui escritores de GABARITO no nosso blog, e um deles és tu, claro ! toma lá um beijo, Quito
EliminarO Quito regressou de férias com a inspiração e a criatividade ainda mais apurada!
ResponderEliminarA cegonha partiu, mas voltará para nos encantar.
PS- Ou será que fugiu do cheiro das cebolas de certos críticos?!
ResponderEliminarPor falar em cebolas, há pessoas para quem a literatura é uma batata.
Podiam, pelo menos, ter o bom senso de calar a sua ignorância.
Quito, toma lá mais um abraço.