Um lugar perdido entre montanhas ...
Hoje é sexta – feira, catorze de Setembro de dois mil e doze.
São três horas da tarde e, no meu varandim privilegiado do restaurante “Portas
da Serra”, olho as cordilheiras em
redor. É um palco esfumado, pelo dia abrasador que se faz sentir. Tomo
então a decisão de partir, de penetrar no coração deste interior esquecido. De
subir e descer montanhas. De atravessar vales profundos. De conviver com o
silêncio. De abraçar a solidão. E assim é. Por mais de cinquenta quilómetros,
correndo em rodopio, vou desbravando estrada sem ver vivalma. Nem um carro, nem
um ser humano, passa por mim. Até ali, na povoação de Orvalho, salpicada de
casas construídas com dinheiro estrangeiro, se ouve um rumor de vida. De
Cambas, vejo lá em baixo o Zêzere e até o
seu caudal pachorrento, parece ser cúmplice desta tarde de calor, em que o sol
é rei e senhor da paisagem rude e agreste. O rio, é como que um oásis, naquele
local pasmado no Tempo.
Pela estrada estreita, desço em direção à Pampilhosa da
Serra. São sete quilómetros de curva e contra – curva e ali, a meio da encosta,
uma placa chama-me a atenção para um nome bizarro: Signo – Samo. Olho o caminho
estreito e escuro, em terra batida, por entre pinheiros e, enquanto guio, fico
desperto de curiosidade. Que povo será aquele, no coração da montanha e longe
do mundo? Quem ali viverá? E este pensamento preenche o meu caminhar, enquanto
vou engolindo a fita de estrada, na esperança que aqueles oitenta fatigantes e
solitários quilómetros que ainda faltam para Coimbra, tenham fim. Mais tarde,
no conforto do meu escritório, pesquiso aquele povoado, envolto em curiosidade.
E Signo - Samo lá está, como pequena aldeia que teve origem na idade média, no
tempo da exploração mineira. O seu nome, está associado a “estrela de cinco
pontas” que, segundo a crença popular, servia para afugentar o demónio. Porém,
o nome deriva de Salomão, numa estranha e complexa construção fonética. Mas
ali, naquele sitio perdido, viveu e vive gente, e um dos seus antigos habitantes,
que um dia partiu à procura de outras condições vida, confessou ter passado na
sua aldeia, os melhores momentos da sua infância. Foi então, que dei comigo a
lembrar uma reflexão que um dia um campesino me transmitiu, fruto, talvez, de
uma sabedoria popular milenar e que aqui e agora compartilho: “quem nasceu numa
cidade, jamais saberá o que é ter terra …”
Quito Pereira
Eu nasci na cidade mas frequentei a aldeia com muita assiduidade,conheci bem o assunto.
ResponderEliminarHoje não sei como está mas deduzo que esteja completamente diferente.
Tonito.
É bom ler os textos do Quito, pois aprende-se sempre qualquer coisa.
ResponderEliminarAs reflexões de um citadino que há anos "coabita" com as pessoas e vidas aldeãs de uma forma tão intensa.
ResponderEliminarEscreves e ao ler sinto os cheiros,as características,os sons,tudo,tudo com alguma saudade do meu local de origem e da aldeia da minha mãe...
É bom recordar e actualizar-me.
Eu também nasci na cidade e desde os meus doze anos que percorri caminhos e aldeias a pé em Trás-os-Montes .De carro ia muito frequentemente até Góis, que era muito diferente de hoje. Também aí percorri arredores a pé, pois sempre adorei conviver com essa Gente. Sem dúvida que o Quito ao "penetrar no coração desse interior esquecido" e pela boca do campesino comparar com a cidade, alerta-nos para diferentes realidades que se vivem nos nossos dias.
ResponderEliminarTenho colegas de Lisboa que sempre dizem, quando chega o final da 6ª feira: "Vocês vão para a terra. Eu não tenho terra."
ResponderEliminarMais um "texto" muito interessante!
ResponderEliminarOs 14 anos, parte da minha adolescência dão-me o direito de saber o que é ter terra!
E à medida que a idade vai avançando "essa verdade apodera-se muito mais nós!
Sempre tive uma grande afeição por Penela. Mas durante alguns anos depois de lá ter saído para a cidade...a terra ficou um pouco adormecida!
Esse sentimento de amor à "terra", renasceu depois da reforma!
Hoje, esses 14 anos são uma fonte inesgotável de recordações e são imensas!
Que saudades tenho desse tempo!
Um abraço Quito!
Estranho nome este que conheci há uns anos quando passei uns dias no Alambique D'Oro no Fundão e que aproveitei para percorrer a sinuosa estrada que liga a Beira Baixa à Pampilhosa da Serra, tendo jantado num desses dias no Restaurante O Fiado na aldeia de Janeiro de Baixo junto ao Zêzere. Excelente jantar esse!
ResponderEliminarAo ler esta crónica do Quito senti-me a reviver essa minha viagem. A forma de descrever os locais de passagem, o belo Zezere que corre entalado entre montanhas, o aparente despovoamento da montanha, o serpentear infindo do alcatrão de horizontes fechados, a lentidão obrigatória do percurso, trouxe-me o exacto colorido que então eu tinha observado.
Almeida Garret não desdenharia desta descrição nas suas Viagens na Minha Terra, se o destino da viagem que deu mote ao romance não tivesse sido Santarém e sim Coimbra.
Nem as referências históricas e lendárias lhe faltariam...
O Alambique de Ouro famoso pelo seu joelho de porco :)
EliminarAté já me abriu o apetite ...
ResponderEliminarPenso que o Choupal, o berço do Quito, lhe terá deixado para todo o sempre a paixão pela Natureza. Descreve-a com a mestria de quem sabe do que fala, com carinho pela maravilha mas também pela rudeza.
Com romantismo mas também com realismo.
Mas sempre, sempre, com muito amor.
Grande abraço, Quito.
Nem acredito que lá foste :)
ResponderEliminarLembro-me bem de ver a placa na estrada e da interrogação que o nome nos provocava ...
:)
E não fui !!! Vi a placa da estrada e fiquei curioso . A foto é NET.
EliminarUma curiosidade: o Hotel Alambique funciona com um software desenvolvido pelo meu amigo de infância Luís Ribeiro, que actualmente tem a empresa Duas Ribeiras, em Caria (Caria é ladeada por duas ribeiras que se juntam antes de irem dar uma forcinha ao Zêzere).
ResponderEliminarQuando a malta vai a um dentista, é muito provável que o software que use para marcações e para cadastro seja Dentoral... uma marca da Duas Ribeiras. Um orgulho.