CONTOS
da
Daisy
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TINHA UMA ROSA E
MURCHOU
Tinha uma rosa… e murchou. Murchou, como todas as rosas, mas a minha rosa
era diferente e não devia murchar. Mas murchou.
O cabelo branco do Frei João estava impecavelmente
puxado para trás. O seu sorriso era de circunstância. Eu sabia que ele não
tinha vontade de sorrir. Estava muito triste com a minha partida.
O Frei João é muito bom. Por detrás da voz ríspida
que ele empregava, nas aulas de matemática, está a doçura de um trinado de
rouxinol.
Com os olhos risonhos, ele ouvia as partidas que
eu fazia às freiras e a maneira como lhes pedia desculpa, humildemente,
fazendo-as gostar de novo, de mim.
E o Frei João ouvia, ouvia, sempre a sorrir. Até
que um dia… ele escutou e não sorriu. Eu já lhe tinha dito, já. Mesmo, o Frei
João era íntimo de lá de casa e conhecia-o muito bem. Mas quando eu lhe disse,
sem peias: “— Frei João, eu quero-lhe tanto!...” — o meu velhinho amigo
entristeceu-se e murmurou um “— Não
digas isso minha filha…”. Mas eu dizia, Eu dizia!
E cada vez que ele me repreendia por eu gostar do
Jorge, mais eu me apetecia repeti-lo, gritá-lo, para que todos me ouvissem… Eu
amo-o! Eu amo-o!
Eu amo-o…
Amanhã, vou-me embora, Frei João…
Havia alguns dias que não o via. A madre reitora
dizia que ele estava doente e que não poderia dar aulas. Mas, naquela tarde,
ele foi ao colégio. E corri a cumprimentá-lo, feliz, mas o Frei João perecia
mais velho, o seu rosto estava mais vincado e os olhos profundamente tristes.
— Eu amanhã vou-me embora, Frei João. Vou-me
casar, mas bem sabe que a minha casa estará sempre pronta para recebê-lo…
— Eu sei, minha filha, mas causa-me tanta tristeza
esse casamento…
E as lágrimas caíam-lhe, sem que ele as pudesse
reter.
— Não percebo, Frei João… sempre me disse que o
Jorge não era para mim. Sempre!... mas nunca me explicou porquê!... Eu
quero-lhe tanto, tanto!... Gosto muito de si, Frei João, bem o sabe. Desde
pequenina que o conheço. Mas a atracção do Jorge, é superior a tudo e nunca
conseguiria seguir o seu conselho… Oh, Frei João, tenho tanta pena de si!...
— De mim, minha filha?
— Sim, Frei João. Parece-me que o senhor sabe o
que se vai passar comigo e com o Jorge… Sinto que alguém, em quem o Frei João
acredita profundamente, lhe comunicou que eu não devia casar com ele… Mas o
Frei João não sabe como impedi-lo. E eu sou incapaz de fugir à atracção que ele
exerce sobre mim. É tão forte o sentimento que nutro por ele, que tudo o que
poderá advir daí me não aflige, desde que seja, pelo menos uns momentos, feliz…
Tinha uma rosa… e murchou. Uma rosa vermelha,
vermelha como a blusa da Olga, quando ia com o Jorge… vermelha como o lenço que
ele trazia no carro, pouco depois do nosso casamento, e … que não era dele… nem
meu.
Era uma rosa vermelha. Uma rosa vermelha da
roseira do Frei João.
— É uma rosa mágica, pequenina…
Era uma rosa mágica. A Virgem do Frei João
transmitira-lhe grandes poderes, e ele dera-ma.
— Nunca a deixes murchar. Se a vires a querer
murchar, muda o teu estado d’alma. Ela rejuvenescerá.
Mas a minha rosa, só rejuvenesceu duas vezes, à
terceira… morreu!
O Jorge não gostava de mim. O Jorge… o Jorge só
queria viver bem, ter automóvel… e ter a Olga que era empregada da papelaria e
não tinha dinheiro para carros de corrida…
A minha rosa, rejuvenesceu duas vezes abafei os
meus sentimentos. Mas à terceira, não pude. O Jorge dormiu fora e a minha rosa
começou a murchar, a murchar.
Tinha uma rosa e murchou.
Tinha uma rosa e… morremos!
17 de Abril de 1969
Um conto da Daisy?!
ResponderEliminarClaro e sem dúvidas.
Tocante e subtil como sempre.
Emocionou-me, muito.
Lembrei-me de uma Rosa tão única para mim, que também foi murchando até que...
Já me rola uma lágrima de saudade.
Também murchei mas com tristeza pela mesma razão. A rosa vermelha "vaticinada" para isso pelo Frei João conhecedor da verdade(?)...O Jorge "era" da outra mas o amor da nossa menina era enorme e não conseguia acreditar.Não podia ser.... a rosa nunca murcharia o seu amor seria para sempre! A rosa não quis fazer a magia e, à terceira foi de vez, murcharam para sempre.O Jorge fora cruel e o Frei João não quis "estragar"o sonho de uma adolescente. Também se "alimentaria" daquela fantasia?
ResponderEliminarMudam-se os tempos e ,metafóricamente,a rosa interpõe-se, vezes demais, na relação afectiva das pessoas.
E é esta a minha leitura muitas outras poderão ser feitas...
Muito bonito Daisy.... parabéns
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ResponderEliminarMais uma maravilha saída da criatividade e fluidez da escrita da Daisy.
Que bom (re)ler a Daisy.
ResponderEliminarPorque os seus contos encerram sempre uma mensagem, uma reflexão profunda que vai muito para além do enredo que lhe serve de suporte.
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A cegueira da paixão ignora os avisos, despreza os sinais, por evidentes que sejam.
Nem as palavras de Frei João, nem a blusa escarlate da Olga quando ia com o João , nem o lenço vermelho abandonado no carro pouco depois do casamento, foram suficientes para a trazer à realidade..
Tal como o amor, a rosa é frágil, tem de ser cuidada com delicadeza, alimentada com a seiva da vida.
Uma simples brisa é suficiente para lhe arrancar as pétalas, desfigurando-a.
E morrerá dolorosamente ao primeiro golpe de vento mais forte...
Por lapso, escrevi João quando queria ter escrito Jorge, como é evidente...
EliminarMais um belo texto da Daisy. Em síntese, poderei dizer o que diz a sabedoria popular: "o coração tem razões que a razão desconhece" ...
ResponderEliminarO Conto, tem a magia de nos prender de princípio ao fim. Todo ele é uma amálagama de sentimentos partilhados, um triângulo de vértices indefinidos, em que não consigo, com rigor, encontrar um personagem central .Gostei muito.
Parabéns Daisy
Reafirmo que é uma com muito gosto que vou publicando os contos da Daisy!
ResponderEliminarContos belos, simples e com muita criatividade!
Um Abraço Menina.
ResponderEliminarAssunto.
(Mais) Um conto muito bonito que a Daisy nos oferta.
ResponderEliminarApesar da mensagem que encerra, é sempre com suavidade que leio as suas palavras e gosto muito.
Um beijinho, Daisy.