quarta-feira, 11 de dezembro de 2013

APONTAMENTOS DE VIAGEM ...



A estação dos comboios é singela. Lá dentro, lá dentro da estação, há um balcão envidraçado. E, atrás do balcão, um homem de cabelo grisalho e camisa azul que se cinge ao seu porte atarracado, olha o viajante suspeito.

O viajante sou eu. Mira-me na desconfiança se irei ficar ou partir, mas a pequena mala que levo na mão, denuncia-me. Distraidamente, vou olhando para a banca dos jornais. Leio os cabeçalhos, na esperança de encontrar um motivo de interesse que me preencha as cerca de três horas de viagem. Da senhora que vende todo o tipo de verdades, mentiras e utopias, apenas vejo a cabeça, que emerge por entre uma montanha de revistas de capas apelativas e cautelas de lotaria presas por uma mola, a tentar vender a sorte ou a ilusão. Sentada numa cadeira de madeira, a idosa ignora-me. 

Sabe, pela experiência de muitos anos, que a sua pequena banca é apenas uma montra para aqueles que, de bagagem na mão cruzando destinos, lançam um olhar vagabundo pelas letras gordas dos matutinos, de cabeça pendente sobre o ombro para não perderem pitada da glória dos ases da bola ou de um qualquer artista em dificuldades, que vendeu retalhos da sua vida a um manipulador de palavras cinzentas e de sonhos desfeitos. Ela, a senhora que vende jornais, continua sentada. Vai fazendo a sua malha, com duas agulhas que esgrime com destreza, enquanto vai puxando o fio de lã amarelo que tem preso por um alfinete vistoso à gola do vestido florido que veste, com aroma a primavera.

Não a desiludo. Compro um jornal, enquanto vou dando uma vista de olhos pela lotaria. Aposto na terminação cinco por cinco euros. É o preço da minha ilusão. Depois, dirijo-me ao postigo da venda de bilhetes. Um vidro separa-me do funcionário que, com uma voz que parece vinda do além, me pergunta o destino. Peço uma passagem para a capital, que me é servida numa placa giratória em alumínio. Dinheiro para lá, bilhete para cá, para precaver qualquer eventual assalto. Uma sociedade barricada nos seus medos e angústias, como antigamente, quando se ostracizava os doentes com lepra.

Lá fora, o cais de embarque. Está vazio. Apenas vejo uma mulher pequenina, vestida de negro, sentada num banco de ripas. Veste por fora, o que a forra por dentro – o luto da alma. Vagueio pela plataforma, aguardando o comboio. Fixo as linhas paralelas e um emaranhado de carris que se cruzam sem se perceber o destino. 

Olho para Norte e a linha parece diluir-se no infinito. Olho para sul e a linha é engolida já ali, no meio do casario da cidade. Apenas o enorme depósito da água pintado de branco, parece ser a sentinela fiel dos dias que correm ao sabor de um Tempo que amarra o viajante ao ferrete dos ponteiros do relógio cruel, que lhe conta impiedosamente as horas os minutos e os segundos do palco efémero da Vida.

Na bruma da manhã acolhedora, olho o dorso do comboio que se avoluma, à medida que se aproxima da estação. Vem sinistro, no seu rodado metálico, apitando na procura de qualquer transeunte distraído. O altifalante da gare, vai anunciando a chegada na sua voz roufenha. Depois a composição imobiliza-se e, em curto espaço de tempo, o silvo agudo da partida. Sento-me só, num compartimento confortável, mas sombrio.

Castelo Branco ficou agora para trás e já só vislumbro a plácida melancolia dos olivais. Lá mais à frente, irei encontrar as Portas do Rodão e até o Castelo de Almourol me saudará, sitiado pelas águas mansas do Tejo. Lá longe, na capital, acordarei da minha letargia, com o estrondo da grande cidade. Da gente que se cruza comigo de semblante fechado, gladiadores de um tempo que lhes foge, na arena diária do nascer e renascer.

Mas voltarei. O comboio que me levou ao encontro da urbe dos mil encantos e desencantos, rumará de novo à Beira - Baixa. E ali, ao anoitecer, o relógio da Estação de Castelo Branco, com os seus ponteiros negros, lá estará à minha espera, indiferente à minha saga de caminhante do Tempo. Porque ele – o Relógio – apenas tem o compromisso de contabilizar os dias perpétuos. Mas olho - o com simpatia. Porque é ele que orienta os meus passos perdidos, neste meu tímido caminhar pelos labirintos da vida.
Quito Pereira     


26 comentários:

  1. Quantas vezes andei nesse comboio, da linha da Beira Baixa... quando estudava no liceu da Covilhã... e, quando vim estudar para Coimbra, linha da Beira Baixa até à Guarda e depois linha da Beira Alta. Quantas vezes perdi a ligação na Guarda, por atraso do comboio...

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  2. Nenhuma vez andei neste combóio!
    Mas agora até fiz o percurso até Lisboa...Na compra do bilhete, na compra do jornal e passando pelas Portas do Ródão, Castelo de Almourol e vendo as águas correndo pelo Tejo.
    Mais um texto com o "cunho" literário do Quito!
    Será um percurso que actualmente já não fazes...pois a alternativa por estrada presentemente até será melhor! Digo Eu!
    Como ainda não percebi porque se chama Castelo BRANCO...fui ver, mas não fiquei muito ilucidado da brancura do Castelo(?).
    Castelo Branco recebe o seu nome a partir da existência prévia de um luso-romano castrum ou povoado fortificado chamado Castra Leuca, no cume da colina de Colina da Cardosa.

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  3. Mas tens teorias, como esta, que nem me parece descabida: "A origem desta designação é, ainda hoje, desconhecida; formulam-se, no entanto, explicações para a mesma: o facto de o castelo da ter sido construído com quartzito faz com que apresente uma cor esbranquiçada. É uma hipótese algo simplista, mas ainda assim aceitável"

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  4. Mas estas parecem-me as melhores opiniões sobre a origem do nome:
    «Xavier Fernandes em Topónimos e Gentílicos (1944)»: “Dando crédito a uma versão mais ou menos corrente, a expressão com que se designa a capital da moderníssima província da Beira Baixa, teria resultado da tradução para a nossa língua duma antiquíssima povoação romana, segundo a mesma versão, existiu nos sítios onde hoje está Castelo Branco, isto é, Castraleuca traduziu-se para o português e deu o nome actual.
    Entretanto, ou até provas em contrário, para nós, continua duvidosa a origem do topónimo Castelo Branco, a antiga vila que d. José l, elevou à categoria de cidade e que é presentemente capital distrital e provincial”.
    «Prof. Vasco Botelho de Amaral em “O Povo e a Língua” (1949)»: “ Em Castelo Branco vemos a utilização toponímica dos Castelos altaneiros, o que se compreende, dado que um castelo era nos tempos das lutas o símbolo das povoações. Lembrem-se tantíssimos casos, como: Castelo Rodrigo, Castelo de Vide, Castelo Bom, Castelo Melhor, Castelo Mendo, Castelo do Neiva, Castelo de Paiva, Castelo de Penalva, etc. Lembrem-se os Castelões, e Castelães, Casteleiro, Castelejo, … etc., não falando já em Castro, do latim castrum, em Castro Daire, Castro Laboreiro, Castro Marim, Castro Verde, Castro Vicente.
    O processo da utilização toponímica dos castelos vê-se em muitas outras línguas. Por exemplo, o árabe legou-nos Alcácer, pois Kaçar, em árabe, era castelo. O espanhol Alcalá vem do árabe algalá, que quer dizer castelo.
    Quando a adopção do adjectivo Branco em Castelo Branco é uma adopção vulgaríssima pela utilização das cores. Lembre-se Castro Verde, lembre-se Álbum Promontórium na África. Lembre-se o velho nome de Inglaterra, Albion”.

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    1. Imperdoável a não citação do Castelo de Penela!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!
      Nem do Castelão te lembraste!!!!

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    2. Castelo de Penela??? Qual Castelo ??? Não me lembro de Castelo nenhum !!! Só umas pobres ameias, propriedade de um castelão ....

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  5. Viaja-se hoje do Porto a Faro, num comboio rápido, na correria que os homens impuseram a si próprios. Mal dá tempo para ver a paisagem alentejana, de refrescarmos o nosso olhar por um montado onde, ao longe, plasmado no horizonte, vislumbramos o porte austero de um velho sobreiro. Já não descortinamos as rugas fundas da mulher da cancela que, de bandeira verde enrolada e em punho, dá sinal de continuidade de viagem à composição. Nem tempo temos de ver o homem e o burrito paciente que, do lado da cancela, aguardam ordem de passagem, no chiar do rodado da carroça pelas planícies sem fim.

    Mas há outros comboios. Aqueles que se arrastam por um outro Portugal menos moderno - dizem.

    Um Portugal das paisagens silenciosas, onde a água se vê cantar nas fontes, quando numa pequena estação de comboios algures na Beira Baixa, o revisor da composição com o boné da farda numa mão e com a outra em concha, bebe da água cristalina enquanto a composição descansa do seu penar. É deste comboio que eu gosto. Do comboio que me permite olhar as águas do Tejo. De me sentir esmagado pelas Portas do Rodão e a sua grandeza. De observar o pequeno e bem singelo Castelo de Almourol, encarrapitado no cimo de um pequeno morro, altivo na sua Torre de Menagem, qual postal ilustrado que enche a alma do viajante. ´

    Há, neste comboio que une a Beira Baixa a Lisboa, algo de romântico, numa pequena parte do seu percurso. É quando a composição se passeia lentamente pelas margens do Tejo. Quase apetece abrir a porta da carruagem e beber das águas mansas do rio.

    É neste Portugal terno, de um Romantismo Camiliano que ainda persiste, que me revejo. Do pachorrento caudal de um rio. Da sinfonia do vento por entre as folhas dos olivais. Dos sobreirais que, timidamente, começam a aparecer na paisagem.

    Já mais perceberá este SENTIR, quem faz da vida um simples exercício geométrico. Ou um mero calculo contabilistico, pesado na balança do deve e haver. Tudo seria mais simples e mais cândido, se a Roda da Vida tivesse o doce balanço de um comboio beirão, serpenteando pelas margens silenciosas de um rio que corre a abraçar o mar ...

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  6. Este comentário foi removido pelo autor.

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  7. http://encontrogeracoesbnm.blogspot.pt/search?q=Linha+do+Tua

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  8. Pois Quito mas tudo isso que vês nos combóios românticos(mas não trôpegos) é TURISMO!
    E a vida frenética de hoje não se compadece com esse romantismo!
    Isso fica para as linhas turisticas, como o a linha do Tua e mesmo estas, em nome do progresso, já praticamente está desactivada!Os interesses económicos não olham a meios!
    E eu que tão boas recordações tenho da Linha do Tua.Eu e não só, conforme podem recordar, clicando aqui http://encontrogeracoesbnm.blogspot.pt/search?q=Linha+do+Tua

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  9. Várias vezes fiz este percurso quando fiz tropa em Penamacor...
    Ao sábado saía de Penamacor ao meio dia, apanhava a carreira para tomar o "Beira Baixa" no apeadeiro de Fatela e chegava a Entroncamento por volta das cinco da tarde.
    Embarcava ali em direcção a Coimbra e chegava ao Bairro por volta das oito da noite.
    No dia seguinte, domingo, tomava às 9 da noite o comboio para o Entroncamento e à meia noite subia para o "Beira Baixa" que procedia de Lisboa.
    Escolhia uma daquelas carruagens com gabinetes fechados de seis passageiros. A partir de Abrantes onde desembarcava a maior parte dos passageiros e ficava sozinho no compartimento, deitava-me e pedia ao revisor que me acordasse antes de chegarmos a Fatela, o que, acontecia por volta das seis e meia da manhã.
    Era um fim de semana quase totalmente em viagem. Outros tempos...

    O que o tempo não mudou e ainda bem, foi a paisagem romântica, calma, excelente para a meditação, como, com grande maestria, nos revela e descreve o Quito...

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    1. Rui será que conseguiste chegar à linha do Tua com a hiperligação para ver o romantismo dos Tuna Meliches?

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    2. Eu sabia Rui, que esta viagem te traria memórias ...

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  10. Dificil mas consegui a hiperligação à linha do Tua!
    Nabo, SOFRE!

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  11. A Linha da Beira Baixa foi inaugurada a 6 de Setembro de 1891 pelo rei D. Carlos, embora o comboio só chegasse até à Covilhã visto que o restante troço até à Guarda só viria a ser concluído em meados de 1893. Nos últimos anos, tem sido alvo de inúmeras obras de modernização.

    Por ser paralela ao rio Tejo até Vila Velha de Ródão e à Serra da Estrela junto à Covilhã, a viagem pela linha da Beira Baixa torna-se bastante interessante e bonita fazendo dela uma das linhas mais belas de Portugal, a par com o Douro e Tua. Neste site não só vai encontrar informação das suas estações, ramais, comboios e troço mas também uma vasta colecção de fotos de toda a linha e paisagem envolvente desde o Entroncamento até à Guarda, bem como alguns vídeos. Espero que seja do seu agrado!

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    1. Correcção: entre a Covilhã e a Guarda, a linha da Beira Baixa está desactivada. Como diria a namorada dos tempos modernos descrita pelo Rui Felício, "à bué!"

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    2. Agora está. Há época da viagem ainda não estava . Entretanto a Estação de Castelo Branco foi remodelada ..

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  12. Assim esta bem.
    Uma pergunta,quanto custa o bilhete de comboio,de castelo branco a lisboa?

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    1. António, não faço ideia. Esta viagem foi feita já há tempos, quando necessitei de ir à capital ...

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  13. Lá acabo de fazer mais uma viagem na companhia do Quito. Gostei de voltar a tempos passados e ver a senhora sentada no banco a vender esperanças, assim como a dona da banca a fazer malha enquanto vai vendo os mirones passarem. Além disso houve todos os locais por onde passámos em que não podia ter tido melhor cicerone de um país tão bonito.
    Estive durante uns tempos a fazer um retiro que não tem nada a ver com relegião ou saúde e podes crer que me vinha à cabeça este pensamento: " o que é que o Quito está a pensar de eu não aparecer". Vão haver mais situações idênticas por isso... calma. Preocupações de velhotes.

    Um abraço.

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    1. Chico, já tinhas avisado das tuas ausências. Por isso estava apenas "mais ou menos" preocupado ...
      Abraço

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  14. Quito, tens mesmo o condão de nos tirar do sofá e partirmos contigo nessa viagem até à capital e... regressarmos!
    Tem graça. Nem me cansei e nem gastei dinheiro!

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    1. Ainda bem que te sentiste confortável, Celeste. Até breve ...

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  15. Este está mesmo inspirado paizão.

    "Pintaste um quadro" de forma fenomenal ...

    Bjo grande

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