segunda-feira, 2 de dezembro de 2013

DE QUINTAL A QUINTAL

Empregada numa panificadora ali para os lados da Achada, perto de Mafra, a Sónia tem os horários trocados. Trabalha de noite, dorme de dia.
Por isso, raramente a vejo, excepto nalgumas tardes de fim de semana quando fico em casa. Quando calha, trocamos palavras de circunstância de quintal a quintal...
Simpática, bonita, boa conversadora, vive sozinha com a mãe e um filho pequeno, desde que se separou do marido.
O quintal dela confina com o meu, separados apenas por uma fiada de arbustos baixos que se podem galgar facilmente com um simples alçar da perna.
Naquele sábado frio e soalheiro, ela chamou-me e ofereceu-me uma caixa de bolos que trouxera da fábrica, como já o fizera de outras vezes. Agradeci-lhe e fiquei a observá-la, tentando afastar maus pensamentos, enquanto ela cirandava por entre as plantas e as flores, cortando aqui, regando ali, ajeitando acolá. Por vezes debruçava-se e a roupa colava-se-lhe mais ao corpo, deixando antever as curvas bem desenhadas das pernas, das ancas.
Quando se agachava para apanhar alguma coisa, a saia curta subia e destapava-lhe as coxas um pouco acima dos joelhos, As pernas assim descuidadamente entreabertas, faziam-me imaginar o tesouro quente ainda oculto, daquela mulher apetitosa.
Para afastar as tentações, eu fingia concentrar-me nas nuvens pesadas que se começavam a acantonar do lado do mar, e comentei: - Vamos ter chuva, Sónia!
- Pois vamos, concordou ela, tentando adivinhar quando começariam a cair os primeiros pingos.
De súbito, sem aviso, ela tirou o gorro e a bata branca. Esticou os braços para cima, como quem se espreguiça, deixando-me adivinhar os contornos dos seus seios firmes debaixo da blusa justa.
Sem parar e olhando-me de soslaio, tirou a saia, depois a blusa, logo a seguir o soutien, as meias e, por fim, o par de cuecas.

Durante esse tempo todo, não falei, não sabia o que dizer, a garganta secava-se-me...

Sorrindo, ela aproximou-se de mim, com aquelas peças de roupa, todas debaixo do braço, estranhando eu estar tão calado.
- É sempre tão falador e está há tanto tempo aí parado, sem dizer nada, atirou-me ela...
Arrepiei-me quando aquela bela mulher, a seguir, me agarrou suavemente no braço e me perguntou:
- Está frio não é? Podia ter aquecido um pouco se, como é alto, me tivesse ajudado a tirar toda esta roupa que secava no estendal...Rui Felicio

11 comentários:

  1. O rigor com que a moça tirou a roupa do estendal é sinal de que era metódica, seguindo a ordem das diversas peças do vestuário, não permitindo baldas ou confusões de pensamentos!

    Bravo Rui, outro texto delicioso.

    ResponderEliminar
  2. Eu já devia estar precavido. Sentei-me a ver um filme no defunto "Sousa Bastos". Daqueles filmes fora de horas. Pois, sabem ao que me refiro. Sim, os tais enredos profundos para uma multidão culta, que se viam da plateia enquanto descacávamos umas pevides com aquele barulho irritante trrac trrac ....

    Então, enquanto se sumia roupa e sobrava corpo de mulher, a plateia remexia-se no chiar das cadeira, gulosa de um final apoteótico que sempre acontecia.

    Quando o autor do texto começou a discriminar toda aquela congestão de roupa intima feminina, preparei-me para pagar outro bilhete para a sessão das 3 da manhã. Grossa desilusão !!! A roupa secava na corda e eu saí do Sousa Bastos com o Diário Popular amarfanhado debaixo do braço e um palito ao canto dos lábios. Talvez naquela hora tardia, ainda o Zé Manel estivesse aberto para comer umas iscas e beber um branquinho tirado à pressão, para arrefecer o motor de arranque.

    Mas porque é que eu, me ponho a ler aquilo que a caneta irrequieta do Dr. Felício escreve? É puro masoquismo. Mas é sempre uma delícia ...

    ResponderEliminar
  3. Mas que giro!!!E desta vez fui mesmo seguindo a par e passo o texto, esperando pelo momento mais desejado!!! Ainda deixei que te pegasse no braço e recusasses...Afinal bastava que a ajudasses a apanhar as peças de roupa do estendal! Estendi-me ao comprido!! Já devia estar habituado ao fim destes teus "contos reais", mas desta vez o entusiasmo, traiu-me!!

    ResponderEliminar
  4. Texto atravessado de uma sensualidade enorme que me "deixou pregada" na cadeira...Pensando é hoje!
    Não nos vai enganar ....
    E imaginando um final feliz e "pumba" lá sai um feliciano "end"!!! Fartei-me de rir......Mas a coisa ainda se vai "compor" quando o muro for cortado para que a longa perna não se esforce demasiado.

    ResponderEliminar
  5. Uma pessoa começa a ler os textos do Rui Felício e está sempre à espera do volte face final. Assim foi desta vez e de tal maneira está tudo bem explícito que a um dado momento me escqueci da sua particularida. Admirado do seu avanço no assunto tão bem descrito, já só esperava a apoteose final. Fartei-me de rir pois além da reviravolta, caí que nem um patinho como pelo menos se dizia no nosso tempo. Obrigado por este alegre momento.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Caíste tu e eu e mais alguns, melhor todos!!!!
      Fiquei estarrecido com a reviravolta!
      Foi um estendal do caraças!!

      Eliminar
  6. Valem os bolos que a Sonia de vez em quando me oferece...

    ResponderEliminar