Era uma rua de Lisboa. Uma rua como tantas outras ruas. Ao
fundo, ao fundo da rua, havia um jardim. E lá, nesse jardim, os rapazes jogavam
como uma bola de trapos e lançavam o pião. Alguns idosos, sentados nos bancos
de madeira de ripas deteriorados pelo tempo e pelo uso, olhavam absortos os
meninos ladinos, como se a vida se lhes escapulisse por um ralo.
Pé ante pé, a noite tombou sobre a grande urbe e sobre o
jardim. Os candeeiros projetaram o seu clarão sobre o asfalto e as estrelas
tomaram conta do céu da cidade. Como bandos de pardais, os miúdos partiram. Os
mais velhos, levantaram-se pesadamente dos bancos e rumaram aos seus lares. E,
entre eles, o Bernardino, no seu casaco de sarja azul, com que moirejou anos a
fio na sua profissão, naquele início da década de sessenta do século passado.
O velho Bernardino, tinha mais de oito décadas de vida. Vivia
da magra reforma a que lhe deram direito, por carregar e descarregar navios uma
vida inteira no Cais de Alcântara. Caminhava dobrado, como se trouxesse às
costas o peso do seu triste Destino. Ali, junto ao número trinta e oito daquela
rua pobre de Lisboa onde vivia, havia uma venda. Entrou e, do fundo do bolso
escuro, o ancião tirou o relógio que trazia seguro a uma presilha das calças por
uma corrente.
Cofiou o bigode branco e espesso com os dedos grossos e olhou
as horas. Então pediu um copo de vinho. Ato contínuo, de um frasco de vidro de
boca larga pousado em cima do balcão, comprou uma dúzia de rebuçados.
Depois, de novo rumou à rua escura e fria. Por uma porta
entrou e, com o auxílio do corrimão, guindou-se com esforço até junto das águas – furtadas
onde habitava. Meteu a pesada chave na fechadura e empurrou a porta devagar. Então, uns
braços abertos, tenros e frágeis, correram para ele.
Era a pequena filha dos hóspedes, que partilhavam com ele
aquele espaço e o ajudavam a pagar a renda. Lurdes e José eram duas boas almas.
Lurdes trabalhava de costureira numa loja junto à Praça de Martim Moniz e José consertava
móveis numa sombria carpintaria do Barreiro.
Felismina, mulher de Bernardino, fritava filhós na cozinha,
enquanto numa travessa de alumínio, repousava uma pilha de rabanadas. De rosto duro
e enrugado de mulher da Beira, Felismina de olhos postos no fogo, relembrada a
sua infância nas faldas da Serra da Estrela.
Era noite de Natal. Naquela casa, modesta casa, a Consoada
era pobre. O parco dinheiro disponível, apenas dava para o essencial.
Mas, naquele anoitecer tão especial, a pequena Helena sonhava, esperançada que o Pai Natal não se esquecesse dela. Criança que era, vivia ainda no reino inocente da fantasia, alheia às realidades agrestes da vida.
Mas, naquele anoitecer tão especial, a pequena Helena sonhava, esperançada que o Pai Natal não se esquecesse dela. Criança que era, vivia ainda no reino inocente da fantasia, alheia às realidades agrestes da vida.
Naquele serão lisboeta, depois da frugal refeição do fiel
amigo, José subiu ao telhado e, de forma engenhosa, fez descer pela chaminé um
pequeno cesto, perante o olhar expectante da pequena Helena.
No cabaz, vinha um divertido boneco de madeira articulado, feito pelo José na carpintaria, nas horas subtraídas à sua refeição do almoço. Era o Pinóquio, de nariz comprido e chapéu apelativo na cabeça, que fez as delícias da pequenita.
No cabaz, vinha um divertido boneco de madeira articulado, feito pelo José na carpintaria, nas horas subtraídas à sua refeição do almoço. Era o Pinóquio, de nariz comprido e chapéu apelativo na cabeça, que fez as delícias da pequenita.
E, perante a alegria esfuziante da criança, no fundo do cesto
vinha também, embrulhados um a um em papel colorido, uma dúzia de rebuçados …
Quito Pereira
Com este conto de ficção natalício, desejo ao Administrador do blog Fernando Rafael e sua família, aos colaboradores, aos amigos ou simples leitores deste espaço de convívio, um Feliz Natal e um Ano Novo que nos possa fazer sonhar, tal como à pequena Helena, com um futuro mais risonho para nós e nossas famílias, apesar de todas as dificuldades conhecidas.
ResponderEliminarO Vosso Amigo
Quito Pereira
A parte que me cabe no teu desejo de um Bom Natal e de Ano Novo que nos possa fazer sonhar vou ter esperança que se possa cumprir!
EliminarO Teu conto de Natal também me parece que não é ficção...mas é lindo e comevedor.
Obrigado!
Quito, que pena não teres enviado este teu conto para o suplemento de Natal do JF. P'ró ano tens que enviar, OK?
EliminarUm no' na garganta sinto ao ler este conto...
ResponderEliminarNao e' ficçao por muito que o Autor o afirme.
Cada vez mais sera' realidade.
Valha-nos a fantasia das crianças...
Festas Felizes meu amigo Quito!
Mais um conto do Quito que sendo ficção ou realidade nos mostra a sua forma humana de estar na vida. Só o ter lido fiquei mais rico.
ResponderEliminarQuanto à vida do Bernardino que foi sem dúvidas nenhuma muito dura mas teve o condão de em relação às pessoas desse tempo não lhe faltar práticamente nada pois abriam uns caixotes, os seguros pagavam e as alfândegas desse tempo não lhes diziam nada.
Para não pensarem que é galga, eu próprio na minha juventude, sempre que se me avariava o relógio de pulso, entrava nos barcos sem relógio, comprava lá um novinho em folha de boa marca e vinha todo contente pois saía com um no pulso mais barato que o concerto.
Enfim... outros tempos, outras virtudes.
Boas Festas
A ficção com a realidade que temos, deixa de ser ficção e passa a ser uma REALIDADE camuflada na incerteza que temos, no jardim na beira mar, mál plantado.
ResponderEliminarOlha mais um conto de Natal abrangente,vivido por muita gente e inclusivé por nós,em crianças...
ResponderEliminarNatal adulterado aquele que hoje ,em dia,comemoramos...
Eu sei porquê mas não me apetece nada,nada esta quadra.
Vou cumpri-la como é tradicional na família mas "alheada" do verdadeiro espírito pois a boa família que tenho, assim mo pede....e já agora não vou ser "ovelha ranhosa". Bom Natal!
Um bonito e bem escrito conte de Natal, que infelizmente me fez lembrar as milhares de crianças por esse mundo fora, para quem uma dúzia de rebuçados e um boneco de madeira, são as coisas mais valiosas do mundo!
ResponderEliminarObrigada, Quito, por este miminho que me ofereces!
ResponderEliminarTal como as crianças, não é preciso gastar dinheiro para sentirmos uns momentos de felicidade.
Gosto desta quadra, sempre me encantou e até as luzes duma árvore ou um tosco presépio me alegram.
A reunião da família, o riso das crianças, os doces natalícios, a bagunça duma casa desarrumada, um chega para lá, todos temos de caber... e por fim a lembrança dos que partiram mas que estarão felizes!
BOM NATAL.
Apesar de tudo, esta criança tem motivos para se sentir feliz. Um e Pinóquio artesanal e um pequeno punhado de rebuçados foram prendas valiosas porque bem demonstrativa do amor e carinho que a rodeava.
ResponderEliminarE o amor é a melhor prenda do mundo, quando distribuído e prolongado por todo o ano, desde este Natal até à véspera do próximo e que essa corrente se perpetue por toda a vida da criança.
Quito e São, um ano muito bom, para ambos e para toda a vossa família.
Grande abraço.
Lindo!Ler isto às 5 menos um quarto desta manha de Natal é o grande privilégio que te ofereço Quito!!!A maioria dos Josés sao carpinteiros!Por causa dos bichos? Boi e Vaca?
ResponderEliminarEvidentemente e jà o fiz mais acima, envio os meus votos dum BOM NATAL e FELIZ 2014 para todos os Amigos desse territorio (e nao so) abençoado por Deus e bonito por Natureza, que é o nosso Bairo!!!!
ResponderEliminar