sexta-feira, 13 de agosto de 2010

A PRAIA DA MINHA SAUDADE

A Barrinha em 1954. Memória dos meus tenros anos ...
Vivo acorrentado a memórias. E à saudade. E se a bela cidade da Figueira da Foz é o ponto de referência de muitos, é na Praia de Mira que me sento no regaço de minha mãe. Para ali fomos de férias muitos anos. E nem sequer preciso de olhar a praia, para desfiar o meu rosário de recordações. Na entrada da povoação, quem vem pela avenida principal, passando um pequeno pontão, encontra, ao seu lado direito, uma singela casa. E foi aí, que passei alguns dos melhores momentos da minha vida. Ainda recordo o meu pai, de calções brancos, a remar tranquilamente nas águas calmas da Barrinha, enquanto nos cruzávamos com os barcos da apanha do moliço. Carregados, deslizavam em silêncio, com o seu timoneiro à ré, que, com uma longa vara, impulsionava a embarcação na sua rota. Depois, lembro aquele mar revolto. E as barracas, de listagem colorida, perfiladas no areal. Quantos conhecimentos ali fiz, de gentes de outras regiões do nosso Portugal!!! Recordo, com saudade, aqueles que zelavam pela mata. Não posso deixar de falar deles, pelo menos, dos que a memória ainda me consente: o Páscoa, o Bastos, o Arrais, o Heitor, o Clemente, o Miranda e alguns outros. E ao lembrar aquele mar, detenho o meu olhar na arte xávega. E da preocupação que era para os familiares dos pescadores, a partida dos barcos, para a faina. E nós ali, a comungar daquela aflição partilhada. À proa, o mestre comandava a remada. No meio, dispostos dois a dois, os remadores, em número de doze. E à ré, o pescador que ia lançando a corda e tinha a função de deitar as redes. A luta era dura. De proa empinada ao céu , como pedindo a protecção Divina, o barco galgava a primeira onda, para depois quase submergir no mar cavado. Depois, o segundo e terceiro assalto, até deslizar agora num mar mais sereno e se afastar em remada larga e compassada. Depois, por lá ficava umas horas, esfumado no horizonte, que mal dava para se distinguir o seu dorso robusto e amarelado. A chegada era outra correria. Os bois, que até ali esperavam pacientemente o regresso da embarcação, corriam agora num “vai-vem”pelo areal, por forma a não deixar escapar o peixe do emalhado da arte. A rede, logo que chegava, era cercada pelos banhistas, enquanto alguns miúdos, de gatas, apanhavam este ou aquele exemplar fugido das redes. Depois era a lota. E o Balseiro, com a pala do boné descaída sobre os olhos e a sua prodigiosa barriga, a licitar os cabazes. E as varinas de anca cheia, no dizer de Cesário, maioritariamente vestidas de negro, a colocarem os cestos à cabeça em cima de uma rodilha, e a abandonarem a praia em passo curto e apressado, levando o pescado para a praça. Mais tarde, muito mais tarde, foram as passagens pelo parque de campismo. Do aspirar o aroma dos pinheiros, ao entardecer. Do acender o “petromax”, e de ouvir o murmurar dos outros campistas na penumbra. O cheiro do frango assado, das sardinhas e dos pimentos. E a voz coada do mar, para lá das dunas. E é aqui, nesta minha solidão campesina, que por vezes cerro os olhos e caminho pelo deserto dos sentidos, remando - tal como o meu pai na Barrinha - pelo Tempo pretérito, resvalando nas minhas deliciosas e infindáveis memórias.
Quito Pereira

1 comentário:

  1. Em Julho deste ano houve um gajo que regressou lá e fez esta reportagem:

    http://tunameliches.blogspot.com/2010/07/passeio-com-luisa-e-minha-mae-pela.html

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