Não lhe pedi que viesse. E parti. Subi o morro das minhas
angústias, envolto no frio da minha solidão. Manhã agreste. Uma humidade
viscosa, derrama-se pelo alcatrão molhado. De novo, nada nem ninguém. Apenas umas
farripas de nuvens baixas, envolvem o carro, como se de uma nave de um Novo Mundo
se tratasse. E ela - de novo a Antena Dois – a burilar-me os recantos mais
esconsos da alma, neste desassossego da partida.
Aqui e ali, numa tela mil vezes repetida, este ou aquele
povoado, semeado no declive dos montes, como que em equilíbrio instável.
Vou olhando, por entre a cortina de chuva miudinha, os telhados do casario imóvel, ancorado no Tempo. Em comum, em todos aqueles aglomerados dispersos, a torre da pequena igreja, refúgio de Crentes e daqueles que, abrigados na sombra da Proteção Divina, encontram nos caminhos do Etéreo, a força interior para a romagem terrestre, toda ela coberta de sombras, espinhos, obstáculos, desgostos e canseiras.
Vou olhando, por entre a cortina de chuva miudinha, os telhados do casario imóvel, ancorado no Tempo. Em comum, em todos aqueles aglomerados dispersos, a torre da pequena igreja, refúgio de Crentes e daqueles que, abrigados na sombra da Proteção Divina, encontram nos caminhos do Etéreo, a força interior para a romagem terrestre, toda ela coberta de sombras, espinhos, obstáculos, desgostos e canseiras.
Corro devagar. Pela minha mente, passa um turbilhão de
pensamentos. Nestes quilómetros, poucos são os que se aventuram a acompanhar-me
nesta via – sacra. De longe em longe, sou ultrapassado por um carro mais
apressado. Aparece e desaparece como que por encanto, nesta correria da vida.
Os seus faróis vermelhos da retaguarda, que assinalam a sua
presença, diluem-se no nevoeiro agora mais cerrado, dando àquele cenário
rodoviário um aspeto patético, de quem foi, como que por magia na manhã
cinzenta e escura, tragado pelas catacumbas do Purgatório.
Ali, naquela descida acentuada, vou precavido. Eles, os
jornais, percorrem todos os caminhos da vida frenética. Aqui e além -
fronteiras. São também uma espécie de arautos da desgraça, quando cheira a
tragédias e a sangue fresco. Por isso vou tenso, naquela estrada que é uma
ratoeira mortal.
Ontem, duas pessoas ali puseram ponto final nos seus dias,
num embate frontal e inexplicável, naquela longa reta. As travagens e um rail
torcido de um impacto, lá estavam, a selar aquele pacto de morte.
Tento arredar o mau presságio, como quem atira pela janela
fora, um tição que nos queima e derrete as entranhas.
O casario da urbe albicastrense, já se avista, por entre uma
névoa persistente. Tudo me parece fantasmagórico, agora que a cidade vai
deslizando sobre a tela da minha retina.
De novo os campos empapados de água. De novo os anciãos, pacientemente sentados nas suas carroças e os animais de doce olhar e orelha desperta, a caminho das courelas.
Estranho e misterioso mundo este, quando uma nave não
tripulada, já vai dando os primeiros passos titubeantes, no universo pedregoso
de Marte.
É nesta terra árida de gente, de montanhas mudas e de
palavras transviadas, que viro mais uma página de um livro turvo de pensamentos,
de desencantos e de solidão.
Quito Pereira
Ó Quito, isso não é uma viagem, é um martírio!...
ResponderEliminarDomingo lá nos encontraremos!!!... Esquece a solidão, que a Celeste leva bolo...
Por acaso...
ResponderEliminarÓ Quito, tu andas a precisar de uma barrela... com ouriços de castanhas...
Tanta nostalgia trespassa neste rol de palavras solitárias, doídas, pesadas, recheadas de fantasmas!
ResponderEliminarDesabafa Quito, os amigos servem-nos também para nos ouvirem e darem um colinho na hora em que os pensamentos nos traem, a mente teima em nos afundar. Quem nunca sentiu este sufoco?
Mas, sim há sempre o mas, os minutos, as horas, os dias não se compadecem com fracassos e preocupações que fantasiamos.
Eu desconfio... o netinho Miguel está a provocar ansiedade, é natural. Quase a chegar o "seu natal" que trará uma alegria e uma emoção única neste ano de 2014!
Desejo tuuuuuuuuuuuuuuuudo de bom e a alegria levar-te-há... às lágrimas.
Abraço e, como diz o Alfredo, vem comer bolo connosco e beber uma taça em nome da nossa amizade.
Tenham calma ! Por vezes, é preciso soltar as manifestações do espírito, como quem solta um canídeo da trela. A manhã chuvosa, inclemente e grossa, que hoje de manhã quase me fez parar junto ao "Tabuínhas", foi pretexto para falar com aqueles que vão tendo a paciência de dialogar comigo. O longe se faz perto. Domingo, aí estarei, caso não haja qualquer imprevisto. Sei que vou ter à minha espera, aquilo a que eu dou o nome de "Bolo da Amizade". Será sempre um bom bolo, até pelo significado que encerra. Mas o será também em qualidade, pois a doceira tem fama e proveito. Agradeço as vossas palavras e mobilização, quando acharam que algo estava mal, atrás destas montanhas. Mas não.Até umas castanhas bem quentinhas, marchavam !A vida prossegue devagar. Por vezes, as palavras são simples e acolhedoras, mas grandes como as montanhas do Nepal.
ResponderEliminarObrigado.
Quanto ao bolo vais poder comer o meu quinhão...
EliminarPois como ! É para me vingar dos carapaus que me papaste na Nazaré !!!
EliminarÓ Quito, o Dom Rafa comeu-te os carapaus porque sendo tu tão esquisito à mesa, gostasses de uma comida tão pobre!...
EliminarE não nigues, deixa ná que ene agora até te dá o quinhão dele...
Uma catársis psicanalítica ao volante de um automóvel mas que poderia ter sido no divã de um psicanalista ( neste caso, todos o fomos...).Essa caminhada semanalmente faz-te bem ou faz-te mal?( "a vestir a pele" do Prof Elyseo de Moura mas da consulta dele virias a contar histórias engraçadissimas daquelas que a São Rosas gosta....) Ai os euromilhões!!!!
ResponderEliminarPara lá cismático te acho mas para cá felizardo....Ah, caraças está quase a vinda definitiva e nós queremos-te cá.....Aí 2 anitos passam num instante acredita porque a passagem do tempo não se compadece connosco!!!!
Con-ta! Con-ta!
EliminarAté domingo Quito.
ResponderEliminarO texto saiu torcido....Os 2 últimos períodos seguem-se a (.......) Depois está correcto. Termina nos euromilhões....
ResponderEliminarFosca-se tenho de ir ao psicanalista...
De facto, isto é uma espécie de blog!
Abraços, Olinda linda e Tonito ...
ResponderEliminarTens cá uma "solidez" na solidão!
ResponderEliminarBem faz o Paulo Moura que em vez de ler Séneca...dorme uma soneca! É fácil trocas o e pelo o!
Sabes de quem é esta citação?
"As coisas que nos assustam são em maior número do que as que efectivamente fazem mal, e afligimo-nos mais pelas aparências do que pelos factos reais."
Andas cá com uma filosofia !!!!
EliminarQuem te disse, Rafaelito, que o Séneca não podia escrever destas coisas e dormir a sesta?!
Eliminarporque há um ditado que diz:
Eliminar"quem muito dorme, pouco aprende"....
E não sabes que, para cada ditado popular num dado sentido, tens sempre outro que diz o contrário?
Eliminar"Dormir é meia mantença"
"O dormir é meio sustento"
"Dormirei, boas novas acharei"
"Arranja boa fama e deita-te a dormir"
"Quem não pode dormir, acha a cama malfeita" (TOMAAAAAA!)
"A abundância não deixa dormir o rico" (CHUPAAAAAAAAA!)
Queres mais?
Fia-te na virgem e não corras...
EliminarDás-te bem com "sesta"!?
Albarda-se o burro à vontade do dono
Olha, como se diz na minha terra:
EliminarE vai daí òsdespois quem matou o cão foi o Baetas!
O Quito com a sua amiga inseparável que se dá pelo nome de Antena Dois pois não liga nenhuma à São Rosas, não nos deixa de falar na humidade viscosa para nos projectar a sua solidão. Depois fala-nos de uma realidade bem da nossa terra, que são as casas construídas na encostas das montanhas, da crença dessas pessoas e da dureza das suas vidas. Expõe-nos os problenmas da condução e os resultado nefastos que são transmitidos pelos médias, mesmo uma fatalidade. Depois vagueia com uma ida de uma nave a Marte e quando volta à cidade que tanto ama, vira "mais uma página de um livro turvo de pensamentos, de desencantos e de solidão". Não vires Quito, aproveita e faz um livro de todos os teus textos. Tenho aqui vários de Gentes de Coimbra, incluindo o que é tão falado neste blogue, Curado. Publica que eu compro-o logo, pois tinha com que me deleitar.
ResponderEliminarAbraço.
Ó "stôr" ginecologista! Eu fiz de conta que não vi ali a referência mais que malandreca do Quito à "humidade viscosa"... e o Chico ainda me associa a este conceito do demo?! Aqui há dois pesos e duas medidas?! E a tarada sou eu?!
EliminarEu de humidades, só sei que me constipei por causa da humidade que apanhei nos pés...e ainda ando rouco! Mas cantei na Música Activa, até que a garganta aguentou!!!Salvou-me o lavacolhos!
EliminarMas sempre te digo minha flor de cardos...és uma taradona!!!!
AH e o Quito só percebe das humidades do parabrisas no carro quando vai de manhã para exilio doirado...que nasce no campo sem ser semeado!
São Rosas, da fama não te safas.
EliminarRafael, areia quente nos pés tira toda a humidade. Não há constipação que resista.
EliminarBoa noite deste fuso.
"Subi o morro das minhas angústias"...
ResponderEliminar"envolto no frio da minha solidão"...
"manhã agreste"...
"uma humidade viscosa, derrama-se pelo alcatrão molhado"...
" nada nem ninguém. Apenas umas farripas de nuvens baixas"...
"e ela a burilar-me os recantos mais esconsos da alma"...
"neste desassossego da partida"....
Tudo este desespero é vertido logo, somente e apenas, no primeiro parágrafo, criando à sua volta um quadro que de forma circunstancial quase nos aponta para o abismo...para as profundezas do inferno e cria, assim, com este despudor, um desespero desesperado de um homem solitário com a tragédia grega em pano de fundo.
Para, logo de seguida, a abrir o seu comentário, nos aconselhar,de sorriso aberto, que tenhamos calma! Que por vezes é preciso "soltar as manifestações do espírito, como quem solta um canídeo da trela"
Só lhe falta mandar-nos correr atrás do canídeo, agarrar o animal e acarinhá-lo ...
Granda Quito!
Numa coisa estás cheio de razão, o ginecologista anda armado em filósofo. Não é para admirar, com colaboradores como tu...
Aquele abraço.
.Compreendo bem o que escreve...
ResponderEliminarmas toma lá mais uma do Soneca...
O homem que sofre antes de ser necessário, sofre mais que o necessário.!
Agora aqui chegado, agradeço as palavras dos amigos com quem ainda não dialoguei: Torreira da Silva e Carlos Viana. Também as vossa reflexões, me deixam a pensar. Sobretudo, porque não leram o texto na diagonal, e interiorizaram aquele meu momentâneo solitário. Uma leitura atenta e escalpelizada, muito bem redigida por ambos, no meu entender, o que demonstra, em última análise, este respeito recíproco, entre autor e leitor. Muitos vos agradeço, como de resto já agradeci a todos quantos o quiseram igualmente fazer.
ResponderEliminarUm abraço a todos
Quito, após te ler, lá no "Chama a Mamãe", agora entendo essas "viagens". Guardadas as proporções, o meu "viajar" diário tem um pouco do teu. Para não desviar a atenção da direção, claro, quase não posso vislumbrar o cenário que se apresenta, todos os dias, à minha volta. E, como tu, vejo carros que me ultrapassam, velozes... Às vezes rio, sozinha, porque ao me ultrapassarem, numa rodovia não bem compactada, me parece estarem a 120km/h. Quase voam sobre o meu carro, caso eu não saia da frente. Rio, porque alguns desses carros têm frases escritas no vidro traseiro do veículo, como "Dirigido por mim, guiado por Deus", e aí fico pensando, naquele momento: "Pô, imagine se fosse guiado pelo Coisa Ruim!" rsss
EliminarEm outros, "Propriedade de Jesus", mas o veículo está caindo aos pedaços (nem sei como a fiscalização não impede de circular, podendo causar algum acidente ao condutor e a terceiros). Então, concluo, sorrindo, nas minhas elucubrações, que se a frota de Jesus está daquele jeito, sucateada, imagine a do Estado!, ou, ainda, que a coisa deve estar difícil até lá em cima. E aí vou chegando ao destino. Mas "enxergo", tal como tu, tudo à volta.