sexta-feira, 21 de novembro de 2014

NOITE AMARELA ...




Um luar que inunda tudo ...

Amarela é a noite. Uma noite com rosto, salpicada de estrelas. Estrelas dispersas, no palco imenso. Silenciosas, parecem vigiar a planície campesina. Também a lua, majestosa no seu lento navegar, ilumina os caminhos e as estradas desertas, como se a Vida se escoasse para lá das montanhas. Um luar desmaiado, de cor amarela, que inunda tudo, envolto em silêncio. Um silêncio absoluto, quase intimidante. De longe, olho a curva da estrada. Que mistérios me reserva, o que a vista não alcança?.

Nada. Do lado de lá da curva, de novo e apenas o silêncio. Diluiu-se a vida na luz de um candeeiro mortiço, como uma vela pálida de finados, a anunciar o ancoradouro da Vida.

Percorro, de carro, a noite amarela. Vagueio o meu pensamento pela cidade distante – Coimbra. Lembro a Torre da Sabedoria. A Ponte de nome Isabel. O Pinhal de Marrocos, do meu passado. Uma Rua, com nome de Navegador, que foi a minha. Um Bairro que é o meu.

Num sobressalto, vislumbro uma silhueta. Parido debaixo das saias da noite, vejo emergir um homem. Um ser alto e magro. Caminha devagar, curvado, olhos postos no chão, meditabundo, como se caminhar fosse uma penitência. Num esforço, adivinho-lhe os traços da face magra e rosto sombrio. É o Jerónimo.

Seguíamos a mesma rota. Rápido deixei de o ver, tragado pelas sombras angustiantes da noite amarela. Por minutos, em velocidade lenta, relembrei a sua cara cansada e sem alma.

Num impulso, inverti a marcha para o resgatar da noite. Parei e dei-lhe boleia, numa curva apertada destes caminhos de Cristo. Freixial do Campo, vários quilómetros à frente, era o seu porto de abrigo. Era também o meu destino.

Vinha sujo, o semblante marcado pelo esforço da jornada. Um rosto sem emoções. Mas, naquela noite, para minha perplexidade, sorriu. 

O Senhor Doutor Juiz, homem generoso, deu – lhe trabalho numas propriedades suas, lá para os lados da Esteveira. 

Afinal, a oportunidade de ganhar algum dinheiro e afagar os apelos de um estômago vazio.

De novo, recordo aquela noite -  a noite amarela. Para alguns, aquele será, apenas e só, um indigente. Para outros, o ferrete acre de um excluído. Um vagabundo.

Para mim, que um dia lhe pressenti na alma e no olhar triunfante, a satisfação de uma ocupação, que lhe permitia ir vivendo com alguma dignidade, aquele homem jamais será um indigente ou um vagabundo. 

Prefiro chamar-lhe um caminheiro da noite.
Quito Pereira    

             

15 comentários:

  1. Só tenho a dizer, sob o impacto da Lua Amarela: Caramba, que linda!

    Quito, ainda ontem à noite conversávamos, filhota e eu, sobre aparências. Um amigo dela, também presente ao Concerto da Consciência Negra, no Teatro Amazonas, aparentemente ninguém "daria nada" por ele, mas é um rapaz muito especial: cavalheiro... um gentleman. Super tranquilo, trabalhador... e de uma simplicidade que me encanta. Se passássemos a olhar o outro com os olhos d´alma, encontraríamos a essência que o indivíduo carrega, mas muitas vezes suplantada pela indiferença daqules que por ele passam, e nem o percebem.

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  2. aqule AQUI ali em cima vai ter ao Concerto da Consciência Negra, no Teatro Amazonas

    Será Chama a Mamãe?

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    1. Sim. Até fiz a matéria para sair no blog "Chama a Mamãe", com umas fotos e vídeos, mas na hora de transportar o vídeo diz lá um alerta que o tamanho é maior do que o permitido. Aí, confesso, esperando a filhota chegar para "quebrar esse galho". Bem que sou curiosa e persistente,mas ... nessa... apanhei feio. Porém, aguardem! (e bem que o Dom já deu a "dica", acima).

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  3. Quito desculpa lá este "intermeso informativo", depois quando mais tarde me vier um pouco de desanuviamento cerebral vou comentar a tua NOITE AMARELA!
    Não posso abusar...da minha fraca veia comunicativa!
    Agora ponho o letreiro "VOLTO JÁ"!

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  4. S.O:S. capitão Quito pede ajuda!
    Havia um lapso numa palavra do texto ( vagueio) e no tablet não conseguia corrigi-lo, mas está salvo e escorreito.
    Quantas vezes tomamos as aparências e julgamos sem refletir nas dores do próximo.
    A lua estava amarela, porém tornou-se dourada!

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    1. Não sabia que o Quito "andava" de tablet e que não conseguia vaguear o pensamento! Modernices, como diria alguém...

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  5. Olha lá, Quito, tu deixaste de enviar estes teus textos para o JF, mesmo sem compromisso de regularidade?...

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  6. José Régio não desdenharia desta crónica ao mesmo tempo bela e angustiante.
    A beleza dos raios amarelados que projectam sombras fantasmagóricas que escondem a dureza da vida de um caminheiro da noite que há-de labutar até ao fim dos seus dias para sobreviver.
    Labuta injusta que angustia.
    Beleza de caracter de quem transfigura essa angustia numa ajuda simples que faz sorrir o caminheiro.
    Enquanto houver quem assim faça, não haverá vagabundos.
    Nem que seja por uns momentos...

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    1. José Régio!
      Há quanto tempo não leio nada dele. Bem lembrado. Obrigado.
      Aquele abraço.

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  7. Mais um , desta vez foi o Jerónimo, que sai do anonimato da multidão sem rosto, que sofre as agruras da vida para, pela mão do Quito, se tornar em personagem viva aos nossos olhos.
    Ao poupar-lhe uns quilómetros a pé, foi recompensado com o sorriso raro do homem que, naquele dia, por generosidade de alguém que precisava do seu trabalho, via assegurada a possibilidade de afagar os apelos de um estômago vazio...
    E...alguns afagos sobraram para o coração do Quito.

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  8. Magnifico texto, Quito! Quando os pobres iam trabalhar para casa dos Senhores abastados!!! Aqui, isso jà nao existe!! Ou quando existe, os pobres sao explorados! A SOLIDARIEDADE vai-se tornando rara! Mas, amanha, aqui na 5a potência mundial, abrem os "RESTOS DU COEUR" !!!Refeiçoes distribuidas a todas as pessoas em situaçao precària. E so Deus sabe, o quanto têm vindo a aumentar!!!!Serao milhares de refeiçoes, distribuidas diariamente e durante vàrios meses!!

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  9. E outra informaçao: até Março 2015, nenhum Senhorio poderà impôr uma acçao de despejo, por falta de pagamento duma renda da casa!!!!!Pais de Direitos Humanos, obriga!!!

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  10. Um texto cheio de ternura, generosidade e compreensão. Enfim, um texto do Quito!...
    Quem como nós conhece o Quito, pode ver sem esforço a situação!

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