quinta-feira, 23 de agosto de 2012

" O DESEJADO " ...


Dom Sebastião
 Da praia de Mira e da cidade de Lagos, já só oiço o eco das minhas memórias. Mais uma vez e pela segunda vez este ano, rumei ao sul de Portugal. Sempre Lagos na rota dos meus afectos. Aqui, sinto-me em casa. Estou em casa. Desço a Rua Infante de Sagres, da mesma forma que em Coimbra, percorro a rua Bartolomeu Dias, da minha meninice. Sempre um Navegador, a confundir-se com a rota da minha existência. Como repetidamente Vos tenho afirmado, é um mar de lembranças, neste meu Portugal português. E hoje, ao descer o empedrado gasto e vidrado da estreita rua do Infante, deparei com a estátua de Dom Sebastião. Ali, na “sala – de – estar” da cidade, é o Rei – Menino que ocupa aquele espaço, concitando a atenção dos turistas. Não posso afirmar-vos, com verdade, que o meu primeiro encontro com o monarca foi pacífico. À primeira vista, a estátua ofereceu-me uma sensação desconfortável. A cara imberbe de Dom Sebastião, aprisionado dentro de uma armadura de contornos quase irreais, fazia-me desconfiar da inspiração de João Cutileiro. Porém, no rodar dos anos, habituei-me à ideia e hoje, percebo toda a dimensão da mensagem que Cutileiro imprimiu à sua obra. Afinal, toda a ambição e toda a tragédia de Alcácer - Quibir, estão ali espelhadas no talento do artista. Um menino que nem conseguia ter corpo que lhe permitisse ajustar a armadura e um rosto assustadoramente jovem, para uma empresa daquela envergadura.
Dom Sebastião, pelas piores razões, é transversal ao Tempo. Foi-lhe dado, pelo povo, o cognome de “O Desejado”, que um dia voltaria a aparecer numa manhã de nevoeiro. Mas não. O monarca, nunca regressou da sua tresloucada campanha. Mas, para mim e para muitos mais, que todos os anos rumam a esta cidade que é um baú de evocações náuticas, Dom Sebastião será sempre “O Desejado”, porque o seu cognome mais não é, nos dias que correm, que o desejo de todos de voltarem ao Seu encontro, ano após ano, para uns dias de descanso, na fuga à rotina de  preocupações e canseiras. Hoje como ontem, Dom Sebastião, da velha cidade de Lagos, é venerado pelos turistas nacionais e estrangeiros, que se apressam a fotografá-lo, perpetuando a Sua memória. A memória de um menino que um dia foi rei e sonhou com uma página dourada de glória.
Quito Pereira      


13 comentários:

  1. Dom Sebastião, um Rei tão falado e tão mal conhecido!...
    Sobre o Dom Sebastião do J. Cutileiro, de início foi muito contestada, mas eu achei-a extraordinária desde o primeiro dia em que a vi!

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  2. Este comentário foi removido pelo autor.

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  3. O Quito, com o seu espirito de observação que lhe conhecemos, traz-nos um tema que me permite uma abordagem que considero interessante e que muito poucas vezes tem sido feita. Por isso lhe agradeço.
    A estátua de Dom Sebastião é ao mesmo tempo um monumento e um anti-monumento.
    É um monumento porque evoca a figura mítica e lendária do Rei quase imberbe, quase criança, que na fogosidade da sua juventude, procurou a glória sem talvez se ter rodeado das precauções pessoais, como é próprio dos jovens, que a sua posição e estatuto aconselhavam.
    Perecendo e abrindo as portas, com a sua morte, à crise dinástica que culminou dois anos depois no domínio da Espanha em Portugal através dos Filipes.
    É um monumento, porque está colocado junto ao povo, o mesmo povo que durante muito tempo o desejava e acreditava no seu regresso para recuperar a nossa independência.
    Na verdade, ao contrário da tradicional estatuária monumental, esta não está num pedestal mas sim ao rés do chão.
    É ao mesmo tempo, um anti-monumento porque rompeu com o classicismo dominante que até então os escultores preferiam, ou por convicção e gosto próprios, ou por imposição do regime que privilegiava a grandiosidade monumental em desfavor da modernidade.
    Foi por isso que a estátua de Cutileiro gerou a polémica que gerou.
    Mas, em minha opinião, ela apresenta um simbolismo que, no caso específico de Dom Sebastião, uma estátua de moldes clássicos não teria.

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  4. Desde que o Cutileiro fez a escultura ao cimo do Parque Eduardo VII, sou fã dele. Acho-o um escultor do [CENSURADO PELO GINECOLOGISTA]

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  5. Quantas noites de férias em Lagos,junto à estátua do rei Sebastião brincá- vamos com ele...desde o cigarro na boca com legendas "adolescentadas" até outras mais bizarras!
    Enfim com todo o respeito pelo artista Cutileiro de quem sou fã como a minha amiga São Rosas.
    E a lenda sobre este rei é outro"monumento"...Se um Sebastião aparecesse com um bom projecto e mais não digo.
    Quito,boas férias.

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  6. Parece-me que este é o segundo texto do Quito em que é abordada a triste figura dum Rei que um dia ao querer ser heroi arruinou a sua Pátria. Como sempre, o Quito, apresenta-nos um texto belo e fotográfico ao relatar-nos com rigor as belezas de Lagos descrevendo-nos o que vê de forma única.
    O Rui Felício fez o enquadramento do porquê deste D.Sebastião, colocando Cutileiro como o artista que interpretou o seu tempo iluminando com a sua arte um País cinzento, muita das vezes de costas voltadas à modernidade, criticando e vilipendiando tudo o que foge aos padrões mais comuns.
    Sempre gostei deste D. Sebastião.
    D. Sebastião foi durante muitos anos o depositário da esperança dos portugueses em melhores dias. Ainda hoje haverá os que anseiam por um D.Sebastião qualquer, sem terem compreendido que o futuro está na força dum D.Sebastião que cada um contém em si...

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  7. Boas prosas.
    Eu só DESEJAVA um país mais solidário.
    Tonito.

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  8. Uma obra a que ninguém fica indiferente, isso define um artista ...

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  9. Pois eu não conhecia esta estátua do Rei menino e que pelo leio ainda é muito desejado...
    Sim, talvez.Somos mesmo um Portugal dos Pequenitos!
    Mas já fomos um Portugal dos GRANDES!
    Mas voltaremos a sê-lo!(deformação profissional...)
    Aproveito o sêlo e envio um abraço pelo correio ao Quito, pois deu-me a conhecer uma estátua que não conhecia!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!!

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  10. Em jeito de brincadeira passo a contar uma estória velha para quem a conhece.
    Como sabem dizem que D. Sebastião viria numa manhã de nevoeiro.
    Sabem porque nunca veio?
    Porque não tinha farois de nevoeiro!!! ah ah ah

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  11. Andei distraído durante uns dias e quase me escapava este texto do Quito.
    Mas não escapou, porque não escapa ao Quito todos os pretextos para nos encantar com o seu extraordinário poder de observação e com a sua capacidade de nos transmitir os seus encantos e desencantos.
    Desta vez, fala-nos da História, da nossa História, da História de um Povo ao qual tudo tem acontecido...
    Até aconteceu que esse Povo, um dia, teve um Rei que, sendo menino, quis ser herói. E com a sua inconsciente febre de notoriedade abriu as portas a que outros Reis, que não eram Reis deste Povo, tomassem conta do Reino.

    Mas, claro, tudo isto vem a propósito de Lagos...
    Aquele abraço, Quito.

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