A Roda Doida ...
Permitam-me uma trégua no presente. Deixem-me regressar à
minha casa Choupalina. Entrem comigo nesta pequena sala de janelas amplas, de
portadas de madeira de cor verde, abertas de par em par. Há um sol gentil, que
entra manso e acolhedor por entre a folhagem da nespereira de copa frondosa,
que derrama a sua sombra ampla pelo caminho. Tímida, uma fresta de luz espreguiça-se
pelo soalho gasto e carcomido pelo uso e pelo Tempo. Uma claridade
reconfortante, banha o baú coberto com uma capa em napa preta.
Naquele canto, uma máquina de costura “Singer” onde a idosa,
dando freneticamente ao pedal, conserta a roupa em uso, como quem une com amor,
fragmentos soltos de vida.
Naquela época, o Choupal era um rosário de paz. Ao fundo da Mata Nacional,
poucos eram os que calcorreavam aqueles caminhos. Apenas os que ali
trabalhavam, de sol a sol, indiferentes na sua labuta diária, ao aroma dos
eucaliptos, dos plátanos e dos pinheiros.
Ao sussurrar do vento nas tardes de
outono. Ao cantar do rio e do barqueiro. Ao silvo agudo do comboio a carvão, a
trespassar a ponte de ferro, no seu rodado metálico e apressado … poucaterra … poucaterra
… poucaterra …
Desculpem-me a impertinência. Tenham a paciência de me deixar
desfolhar o livro do meu passado. Daquele passado. De me abraçar ao rio e gemer
com ele nas noites de invernia. De aspirar o êxtase das manhãs de primavera. De
escutar o silêncio das tardes de verão.
De me aconchegar à lareira no patamar do outono. E sobretudo de gostar. De gostar da família. De gostar dos outros. De gostar daqueles que tinham um pacto de labor e de amor com o Choupal.
De me aconchegar à lareira no patamar do outono. E sobretudo de gostar. De gostar da família. De gostar dos outros. De gostar daqueles que tinham um pacto de labor e de amor com o Choupal.
Que o alindavam. Que conheciam as suas árvores centenárias,
uma a uma. Que cuidavam com desvelo da “Roda Doida” que, sentinela muda na
margem do rio, era generosa no seu rolar. Em cada alcatruz, um peixe.
Uma dádiva que alguns, os que se agarravam à espiritualidade
e ao Divino, viam como um milagre. Porque por ali, nas zonas limítrofes da
Mata, havia muitas bocas famintas. Gente que aparecia e desaparecia, como que por mistério. Que, nas madrugadas ou ao
anoitecer, procuravam os favores da Nora, na esperança de um estômago mais reconfortado.
O Adelino, também frequentava a Nora. Usava uns socos nos pés
desnudados, fosse verão ou inverno. Apenas inverno. Porque de inverno foi toda
a sua vida de escravidão, de assalariado
do Estado.
Ela - a “Roda Doida" - é um monumento de Coimbra. Deveria ser
tão venerada como a Igreja de Santa Cruz, o Penedo da Saudade, a Sé Velha ou a vetusta
Universidade. Ou Isabel de Aragão que, no dizer da lenda, de rosas fez pão.
A Nora do velho rio, transformou as águas Mondeguinas em
peixe, para muitas famílias pobres e sem recursos. E eu, na minha inocência de
criança, que conheci muitos desses deserdados da vida, aqui estou para, em
homenagem singela, glorificar a “Roda Doida”, património do Choupal dos mil
encantos. E recordar gente como o Adelino, um filho da margem esquerda do
Mondego, onde viveu pobremente e que há muito partiu para a Grande Viagem. Mas a
“Roda Doida” ficou, como monumento perene na minha memória.
Esculpida a escopro e cinzel, na pedra gasta de um Tempo que não volta.
Quito Pereira
Esculpida a escopro e cinzel, na pedra gasta de um Tempo que não volta.
Ora aqui está o teu regresso ao passado!
ResponderEliminarUm Choupal que te diz imenso, pois foi lá que nasceste, por lá que uma pate da tua infância jamais te sairá das tuas lembranças. Noutros textos já lembrastes esses momentos.
Desta vez partiste da RODA DOIDA para passar por lá mais uma vez!
Um Choupal que já não tem a ver muito com o actual.
Sempre em disputas a quem deve pertencer a sua manutenção e dar-lhe condicções dignas de para além de pulmão de Coimbra, ser também lugar de lazer e de atração turistica!
Mas as diversas capelinhas que dizem ter a jurisdição deste espaço, não se entendem.
Um não entendimento completamente idiota.
O natural era, em minha opinião, era que fosse a Câmara Municipal a ter essa tutela!
Mas vai continuar assim não sei por quanto mais tempo!!!
Vou deixar aquium vídeo sobre o Choupa. A Nora(?), ou Roda(?) que de vê ao minuto 2, 25 talvez não seja a tua RODA DOIDA...
CHOUPAL
Obrigado Fernando, pela gentileza do video . A Nora, ou "Roda Doida" como era conhecida pelos povos da zona, situava-se ou situa-se na zona poente do Choupal, a escassos duzentos metros do meu berço.
ResponderEliminarEntenderei o enfado de alguns - outra vez o Choupal ? Sim, novamente o Choupal. Vou protestar até que a voz me doa. Vou escrever, enquanto a mão não me tremer de velhice dolorosa ...
Um dia, de camisola branca e mãos dadas, num gesto de cidadania, homens e mulheres, abraçámos o Choupal, contra a prepotência de alguns. Mas a memória é curta e as intenções foram rio abaixo, como as cheias do Mondego. Eu e tu, Fernando Rafael, também lá estávamos a marcar presença.
Percebo quem lê o texto na diagonal, como quer despachar-se à pressa de algo enfadonho. Um texto - um texto de um blog de amigos - não é um Decreto. É, apenas e só, uma simples partilha de amizade . E a amizade - a verdadeira - tem uma significativa margem de condescendência.
As palavras escritas, são a forma do sentir de alguém, a quem o Choupal foi um marco na infância. Como um dia vos confidenciei, em cada árvore, em cada pedra, em cada caminho ... uma história.
Sob a responsabilidade e orientação de José António Pereira, foram construídas as pontes de madeira do Choupal. As pontes, lá continuam. Coimbra e o Choupal agradecem. E eu também.
Abraço, Rafael ...
Ulalá! Homens de muitas histórias... de vidas.
EliminarQuisera, algum dia, sentar-me à frente de uma casa aí com vocês, a conversar noite afora, ouvindo essas lembranças.
Nascer nessa maravilha do Choupal, deve ter sido um previlégio de muitos poucos.
EliminarSó o ar puro das árvores te deu folgo para tão bem escreveres sem cansares.
Votos de que nunca te canses de falar do Choupal.
Um abraço com amizade.
Todos os comentários, me merecem a maior estima. O teu Chico, tem o sabor especial do teu reaparecimento junto dos amigos. É bom, ter-te de novo com a tertúlia. Só por isso, ainda bem que publiquei o texto.
EliminarGrande abraço para ti e Família
Se alguém se enfada, não deve ter problema...passa à frente!
EliminarAbraço Quito!
"Coimbra do choupal... ainda és Portugal, ainda".
ResponderEliminarChoupal, retificando.
Eliminar:-)
Ainda...
EliminarCoimbra onde uma vez
com lágrimas se fez
a história dessa Inês!
Tão Linda!
Choupal é a nossa piquininininininininninininhinha amazónica.Práí um pires de uma chavenezita de chá!
Ó Quito, só se for o enFado de Coimbra :O)
EliminarObrigado, pela sua colaboração, Mamãe. O video do Fernando Rafael, contém algumas informações sobre a Mata Nacional do Choupal, em Coimbra ..
ResponderEliminarAbraço
Por mim comi lá uns arrozes de frango embrulhados em papel de jornal para não arrefecerem como era norma na altura.
ResponderEliminarEra normal com os meus pais ir pelo menos 2 ou 3 vezes por ano ao Choupal.
Mas como os meus pais eram pessoas de posses também íamos ao Rebolim, e a feira popular do melão a Santa Clara.
Outros tempos do antigamente.
E bem que te soube....
EliminarNem precisava de caril à Azurva!
Tonito, nunca foste a Vale de Canas? O arroz de frango de lá também era muito bom...
EliminarTemos que ir ao Choupal fazer um pic - nic lá para a primavera, com o nosso grupo domingueiro. Um tacho de arroz de frango tipo quartel, ovos verdes e pasteis de bacalhau. E tinto. Muito de preferência ...
ResponderEliminarE uma panela com canja de borrego, a teu pedido ...
Um abraço, Tonito
Pic-nic? Tacho de arroz de frango (embrulhado no "Expresso")?
EliminarEh pá! Chamaram?
AH! Já me esquecia... Quem é que precisa de boleia? Eu vou a pé...para abrir o apetite.
EliminarEmbrulhado no Expresso?! Eh, pá, nunca mais chegamos ao tacho!
EliminarOlha que é um tacho (sem ser desses, sem ser desses, pá, que aqui não há política) dos grandes, tipo quartel! Querias embrulhá-lo no "Calinas", era?
EliminarE por que não?! Até pode ser só com a página de contactos dos Classificados, que posso guardar todos os dias até ao pic-nic. Vais ver se o tacho não fica a ferver!
EliminarVão brincando...
EliminarJá nos estou a ver a picnicar no Choupal.
Eu levo o garrafito.
Isso. Tudo tem que ir em cestos... de palha... e vime...
EliminarChico.Bom regresso! Um abraço e beijinhos para as tuas jóinhas!
ResponderEliminarQuito tou contigo na preparação do Pic-nic no Choupal.
ResponderEliminarOs picniqueiros têm que levar um cesto das romarias com o farnel.
Todos a pé. Só podem ser dispensados com atestado médico!.
O modelo do cesto é este:
PICNIC
Eh pá! Eu não posso ir assim tão carregado porque já levo o apetite!
EliminarAh! Não se esqueçam do vinho (o d'Arzuva bebe água!) que deverá ser acondicionado num clássico "palhinhas"...
Assim sendo, o garrafito vai mas só para a Sãozita matar saudades dele. Ao lado dele, tipo pai que acompanha o filho, vai mesmo um garrafão.
EliminarTá prometido.
Todos a pé? Estás-te a passar! Trata mas é do aluguer da caminheta.
EliminarSaída do Samambaia 12 :00
Passagem pela Pedro Alvares Cabral.12 :05
Chegada prevista ao Choupal 12:30
Já estou a trabalhar para que tudo corra bem. Isto não vai ser nenhuma organização do Tó Ferrão. (daquele cagão! - o que vale é que ele não lê estas coisas)
"Jiiiiiisuuuuuiiiiiiss"
EliminarE eu?! Vou a pé até à Escola Agrária e depois atravesso a nado o Mondego até ao Choupal, é?
EliminarFica a ideia do pic - nic Choupalino. Vamos lá malta amiga ...
ResponderEliminarVamoooooos!
Eliminar(até parece que já sou da malta!) rssss
Lindo o teu monumento esculpido na tua memória, Quito!
ResponderEliminarVoltei ao Choupal com os meus avós, meus pais, meus tios e meus primos..
Voltei a comer os peixitos fritos, na máquina de petróleo , que o meu avô Carvalho pescava...
Voltei às brincadeiras com toda a família reunida...
Uma imagem, também ela esculpida na minha memória!
Quito regressas tu e nós!
ResponderEliminarDesde sempre usufrui do Choupal do nosso "pulmão maior"....
Até na profissão, um dia por mês, lá iam os doentes e equipa técnica fazer um piquenique.
Além de jogos e actividades terapêuticas faziamos com eles o percurso a pé com os respectivos exercícios.
Mais uma boa recordação mas que tanto gostaria ainda lá ir com eles.
Sinal que não era ainda uma reformada velhota.
Estamos vivos e "ainda" escorreitos......vá lá,vá lá!!!
"Escorreitos"? Olha-me para esta menina! Não me digas que também queres ir a pé!
EliminarVais tu e o Mano que o resto da malta vai de caminheta.
Quito, se a roda ainda lá estivesse, nem precisávamos de levar farnel. O menu seria peixe grelhado. Então não era " em cada alcatruz, um peixe." ? ...
ResponderEliminarSei que não me levas a mal a brincadeira.
Esta tua expressão reflecte a recordação idílica que tens pelo teu querido Choupal.
Aquele abraço.
Quito tou para ver quem é que vai inventar desculpa para não ir ao pic-nic ao choupal.
EliminarIr como se fosse um pic-nic medieval, nos trajes e no farnel!!!
Vai ser lindo!
Boa ideia. Aproveito para pedir emprestado às traças o meu traje do Coiso.
EliminarEu preciso de arranjar também um, género campónio dos arrozais...calças tipo ceroulas!
ResponderEliminarOu então cá de casa vamos assim pic-nicar
ResponderEliminartrajes
Ó Quito, isto está mesmo uma roda doida!
ResponderEliminarÓ pá, mas este pessoal só pensa em comer? E caminhar, hein? Não querem contratar a Bota Cansada? Apesar de aquilo ser tudo plano, eu conseguirei descortinar por ali umas subidas e descidas de tirar o fôlego. Também alinho com um coelhinho estufado!
ResponderEliminarJá tinhamos combinado com o Quito fazer o recohecimento...para tirar dúvidas.
ResponderEliminarMas o Quito andar a pé não é com ele!
Mas o teu staf não tem esta ementa!!!
Eu estou a falar da organização da rota..eheheheh!
ResponderEliminarPois é... lá se foi o pic-nic.
ResponderEliminarVamos ver se refazemos a ideia no próximo verão?