- Sombra que
me persegues, qual o teu nome ?
- Eu?! … sou a tua companhia de todas as horas, projetando - me
no rasto do teu corpo no sol ardente de verão, sou a sombra simétrica dos teus
gestos, na parede lisa e branca do teu
lar, no doce e ameno aconchego da primavera ou no rigor da luz coada do
inverno. Sou muda e envergonhada. Sou confidente e cúmplice dos amores
arrebatados ou escondidos dos amantes de todo o planeta terrestre, mesmo sem o
querer. Sou a alma visível e imaterial, da sombra opaca e escura que emana e se
derrama de cada ser. Não sou apenas propriedade de ricos ou de afortunados. Sou
também legado de pobres e dos excluídos da vida ...
- Sim sombra, entendo a tua missão conciliadora. Por vezes,
na nossa soberba, nem olhamos para trás, meditando na imagem turva do nosso
estro, que partirá um dia desfeito em vento, no versejar do poeta …
- É verdade o que dizes, simples mortal. Hoje vive-se ao
ritmo alucinante da verdade e da mentira. Da mentira institucionalizada, como
verdade absoluta. Alguns, que fazem do lodo o modo de singrar na sua existência
efémera, embriagados de opulência e de ambições pessoais, até duvidam de mim …
- De ti ?!
- Sim … de mim … da sua própria sombra …
- Sabes sombra, eu sou um ser humano e como tal imperfeito. Nunca
procurarei a perfeição. Jamais terei a ambição de alcançar o impossível …
- Sim, humano. Mas tu és a razão da minha sombra. Desde que
nasceste que moro em ti, que vivo em ti, até ao fim dos teus dias, que serão
também os meus. Quando partires, parto contigo. Eu pertenço-te e tu
pertences-me. Não há decreto que derrube este pacto de aço entre dois seres,
fundidos num só. Poderás ser abandonado por tudo e por todos. Poderás a vir a
ser um simples farrapo de gente, vilipêndiado por quem te rodeia. Mas, quando
olhares para trás ou para uma parede, eu lá estarei projetada, companheira fiel
dos teus dias felizes ou infelizes …
- Obrigado sombra … nunca tinha pensado nisso … procurarei
separar o trigo do joio, os frutos bons dos frutos maus e, de vez em quando,
olharei o céu e, pedindo licença à lua mensageira dos amantes, conversarei
contigo, ciente que no teu mutismo, encontrarei muitas respostas às minhas
dúvidas e angústias …
- Sim, amigo, questiona-me sempre que quiseres. Sou fácil de
encontrar. Como te afirmei, sou património escondido mas presente nas paixões
arrebatadas de uns, nos amores desencontrados de outros, e na sombra da veia
poética dos mais desalinhados com as coisas mais terrenas da vida. Presto vassalagem,
a cada homem e a cada mulher deste nosso planeta onde, como sombra indissolúvel,
habito em cada ser. Todos os que vagueiam pela Terra, são os meus senhores
feudais. Pertenço-lhes, a todos e a cada um, como pertenço a ti...
- Obrigado, sombra. Agora vou sair e percorrer estes campos
sem fim. Não vou só. Sei que te levo comigo. Para perto ou para longe. E, um
dia, nesta simbiose de afetos, brindaremos à Eternidade e voaremos nas asas
alvas da nossa cumplicidade e no sublime Altar da concórdia...
Quito Pereira
Amigo Quito! Entendo o teu poético texto. Lamento, no entanto, discordar num ponto: o que dá vida à sombra é a luz, sem luz não existe sombra!... Quero dizer que ela, a sombra, não morre só contigo, morre primeiro, com a falta de luz!!!...
ResponderEliminarNa escuridão, como é que tu sabes que a sombra não está lá?
EliminarEssa está muito boa!
Grande Alfredo ! É pertinente a tua observação, mas a luz já está implícita neste fenómeno da sombra perene. Mesmo na noite, a luz aparece mesmo que projetada por um candeeiro de rua ou da habitação, que nos traz as sombras, seja de pessoas ou de qualquer obstáculo. Permite-me discordar noutro ponto. A sombra não morre e está sempre latente. De noite, sorrateira, até em noites de lua nova, vemos a sombra indefinida dos obstáculos. Por vezes sinistros, como o arvoredo dos cemitérios. A sombra morre comigo, como património do meu ser. E aí, não entra o fenómeno da luz. Apenas o desaparecimento físico e imaterial do binómio homem/sombra. BRRRRRRRR, isto está ficar muito tétrico !!!!
ResponderEliminarBoas Entradas. Um abraço para ti e Daisy. Talvez domingo, possamos aparecer para almoçar e dar um abraço aos que se juntarem à volta de uma mesa. Mas não posso prometer . Vontade de estar com os amigos não nos falta, mas temos andado numa correria ...por motivos conhecidos ...
Abraço
Concordo contigo, mas só por respeito, porque tu és avô!!!...
ResponderEliminarAquele abraço! Boas entradas!
Isto de ser avô é chato, Alfredo. Já me caíram os dentes todos, só como farinha "Amparo" e ando atrelado a uma bengala .As longas barbas brancas já me chegam ao peito ...
ResponderEliminarNo dia 31, ao badalar da meia - noite , vou beber uma taça de champanhe pelos êxitos dos amigos. BOAS ENTRADAS igualmente ...
Eu uma vês por outra falo com a luz do Sol, mas por vezes corre mal.
ResponderEliminarPois é Quito neste teu texto que li e reli sinto que uma sombra tomou conta do meu cérebero e o que pretendia comentar não consigo que saia dessa sombra.
ResponderEliminarEu diria mesmo que é talvez o que ao entrar naquela idade em que alguma penumbra vai sorrateiramente apoderando-se de nós e nós como que com alguma bondade chamamos de "brancas"!! É irónico mas é verdade! Chamar às sombras provocadas pelas "cãs" "de brancas"
Gostei deste teu primeiro texto escrito como "avô".Tem um pouco desse sabor....
Um diálogo profundo entre o " eu" e a sua sombra, que já suscitou troca de opiniões, umas mais sombrias, outras mais iluminadas, mas todas com as suas razões.
ResponderEliminarUm texto que até se torna fantasmagórico!
Atirem com as sombras para trás e vamos olhar para a luz, embora haja quem se dê mal..
.
Enfim, somos muito complicados!
Este não é um texto sombrio. Longe disso. Estou num momento exaltante da minha vida. De contrário, não seria o elogio da sombra. Relembro uma passagem do que escrevi para os amigos:
ResponderEliminar" poderás vir a ser um simples farrapo de gente, vilipêndiado por quem te rodeia. Mas quando olhares para trás ou para uma parede,eu lá estarei projetada, companheira dos teus dias felizes e infelizes"
Afinal, a sombra companheira. Por vezes tão difícil de encontrar, nos tempos competitivos de hoje...
Flor Bela Espanca....
ResponderEliminarEspera... espera... ó minha sombra amada... Vê que para além de mim já não há nada e nunca mais me encontras neste mundo!...
Parabéns pelo bonito texto!
ResponderEliminarA sombra só existe em função da luz e na sua medida.
ResponderEliminarJá aqui foi dito e bem.
Exactamente por isso é legitimo o seu elogio.
Porque uma pressupõe a outra.
E quando feito de tal forma, como é apanágio do Quito, chegamos a preferir a beleza da sombra nas suas variadas tonalidades.
Um texto lindo. Se não conhecesse outros diria que foi inspirado pelo neto. (Não sei se o comentário vai ser publicado. Vou experimentar)
ResponderEliminarLó
BINGO, Ló!
EliminarBeijinho.
Este comentário foi removido pelo autor.
ResponderEliminarAfinal, sombras são lembranças. Carregamos nossas "sombras" por onde formos, seja dia, ou noite.
ResponderEliminarQueridos! 2014 (quase) acabando. O que escrevemos neste Livro de 2014 nada poderemos apagar. Não valerá rasgar as páginas do que escrevemos de ruim. Serão as nossas "sombras". Irão nos acompanhar no Livro Novo que 2015 nos proporciona. Mas elas servirão de aprendizado, como relendo uma lição ainda não aprendida por completo..
Desejo que nós todos, todos... indistintamente... só escrevam experiências maravilhosas nesse Livro Novo, porque serão as nossas sombras... que nos acompanharão num futuro bem melhor.
Que na Amazônia seja reduzido o desmatamento. Que a fauna e flora sejam preservadas. Que os animais possam descansar à sombra de uma árvore, e que o Homem possa, à sombra, repensar seu papel no Planeta Terra.
Beijo carinhoso em todos vocês!
O Homem tem muito que repensar, tens toda a razão.
EliminarMas, também aí, já não poderá rasgar paginas do passado, já não poderá reconstruir o que destruiu.Poderá parar com a destruição mas... não quer!
Um BOM ANO para ti e Família, dentro da medida dos possíveis.
Adorei este texto do Quito, pois a sombra é uma realidade. Se para uns não há sombra sem um foco de luz seja de que tipo fôr, também há os que pensam que temos sempre uma sombra e que só não se vê por falta de luz. Para haver uma sombra é preciso haver um objecto ou ser vivo mais alto do que a horizontal ou do que lhe está ao lado. É uma questão de materialismo físico para uns e mental para outros. Nessas questões eu não me meto.
ResponderEliminarÉ certo que o nosso Natal nem foi Natal, pois estivemos debaixo de um autêntico verão de cinco graus positivos e nem sombra de neve tivemos. Terá sido falta de luz, de neve ou simplesmente um problema de temperatura? Se a neve existe, existe sombra mas se não houver luz...? a sombra está lá, a luz é que não se vê. Ai que grande confusão!!!!
BOM 2015 SEM SOMBRAS PARA DÚVIDAS.
Um abraço.
ResponderEliminar<- É verdade o que dizes, simples mortal. Hoje vive-se ao ritmo alucinante da verdade e da mentira. Da mentira institucionalizada, como verdade absoluta. Alguns, que fazem do lodo o modo de singrar na sua existência efémera, embriagados de opulência e de ambições pessoais, até duvidam de mim …
- De ti ?!
- Sim … de mim … da sua própria sombra …>
Quito, parei aqui a reflectir, julgando que o texto tinha aí terminado.
Eu não hesitaria em considerar um dos teus melhores textos. se por aí tivesses ficado.
Ora lê, relê, pára aí e vê o que eu "vi".
Que maravilha!
O encanto até esse momento alcançado, vai-se esbatendo pela complexidade de elementos que lhe vais juntando.
Já tinha lido durante a tarde e tinha ficado com essa sensação que se repetiu agora.
De qualquer das formas, acabas o ano em grande forma. Parabéns, sei que não me levarás a mal o atrevimento da crítica que não é mais do que um aplauso e incentivo.
Toma lá um abraço.
Claro que não levo a mal, meu caro Viana. Como repetidamente tenho dito, isto mais não é que uma forma de convívio. Os "reparos", quando feitos de boa fé - como é o teu caso - são sempre um alento a quem dá a cara. Entendo a tua observação, o texto ficaria mais incisivo e até mais propenso à meditação.
ResponderEliminarO Alfredo, retirou também as suas ilações e disse o seu ponto de vista. E assim se criou um diálogo entre amigos. Uma conversa salutar, a juntar a todos os outros comentários que apareceram. E esse convívio entre nós, é bem melhor que o texto.
Toma lá um abraço e BOM ANO mais uma vez ...