O CACHIMBO E A BOLA QUADRADA ...

Decididamente, eu tinha um diferendo com o esférico ...

Já vos contei o episódio do dia em que o Pedro Fonseca, me levou para o Campo de Santa Cruz. Foi um dia de glória. De glória e de preocupação.

Preocupação do roupeiro, que não conseguia arranjar umas chuteiras que me servissem nos pés. Calcei umas meias de enchimento, e lá entrei no pelado da Avenida Lourenço de Almeida Azevedo, com os cacilheiros arrebitados na ponta.

Mesmo assim, eram demasiado grandes. Não desconfortáveis o suficiente, para que não fizesse o gosto ao pé. Ainda dei dois “nós” num tipo grande como a Torre de Belém, o que me valeu de vingança, levar uma cacetada certeira que me estendeu ao comprido. Alguma discussão, o Pedro colega de carteira, a apontar o dedo indicador ao infrator, como se o dedo fosse um bacamarte.

Decididamente, eu tinha um diferendo com o esférico. Para mim, a bola era geometricamente quadrada. Porém, surpresa das surpresas, no fim do treino, não fui despedido. Despedido fui depois, quando debaixo das bancadas do Estádio Universitário, fiz um teste à minha robustez física.

Cheguei lá e dei de caras com o Guilherme Luís, equipado de bata branca. Meio desconfiado, recebi das mãos do massagista, uma espécie de cachimbo que tinha um êmbolo na ponta. Aquilo era linear. Eu soprava, e conforme a minha capacidade de fôlego, o êmbolo subia. Dizia o Guilherme:

- Vais soprar, para eu medir a tua capacidade pulmonar…

Tinha pouco por onde medir. Roxo e vesgo de esforço, de tanto bufar a olhar para a ponta do cachimbo, eu bem tentava agradar ao Guilherme, que ia rapando na cabeça, com um semblante grave de preocupação. Mas a minha sina estava traçada. Chumbei, sem apelo nem agravo. Mas ganhei um amigo: o Guilherme Luís, estimado nas hostes academistas e que mais tarde viria a ser meu vizinho, na zona nascente do Bairro. Muitas vezes lhe dei boleia, quando o encontrava apeado na paragem do trolley, junto ao Jardim Botânico.

Ao Pedro - ao Pedro Fonseca – disse ao portão de entrada do Externato Dom João de Castro e logo pela manhã seguinte, que a minha carreira futebolística tinha acabado ingloriamente na ponta de um cachimbo. Ele sorriu, deu-me uma palmada nas costas e, de consolação, ofereceu-me mais uma mão - cheia de pevides …
Quito Pereira