sábado, 23 de outubro de 2010

Elogio das Memórias Partilhadas

Todos os que me conhecem, sabem que sou o mais novo de cinco irmãos. Com tudo o que isso acarreta. Na realidade, embora muitos não saibam, ser o mano caçula numa família numerosa é o mesmo que ser filho único. É mesmo mais forte: todos os mimos, todos os cuidados, estão-nos reservados, não apenas os dos Pais mas também os de todos os Irmãos e Irmãs. Qualquer pessoa é a resultante de um complexo relacionamento entre ela e a sua circunstância, e sermos o último na cadeia do tempo transforma-nos, por vezes sem o sabermos, no primeiro de uma cadeia afectiva, converte-nos no ser único por quem tudo existe e para quem tudo remete. Assim foi comigo. Assim construí, no tempo das minhas ilusões, o meu eu voltado para dentro, egoísta e egocêntrico!


Hoje quero falar-vos como, terminada uma longa hibernação, o reencontrar dos passados colectivos me ajudou a ser outro. Quero falar-vos das mudanças que estes dois últimos anos de encontros vários me trouxeram. Essa transformação tem uma causa. O seu nome: Memória!

A Memória é o rasto deixado pelo tempo que passa.

A Memória é como uma criança: ri, chora, sonha.

A Memória gosta de jogar às escondidas: fecha os olhos, encosta a cabeça àquela árvore na Praça dos Baloiços e conta: 1,2,3,..., aqui vou eu! Corre à procura das outras memórias, antecipando o prazer da apanhada! Nem sempre é bem sucedida. 1,2,3,... casa!

A Memória nasce e cresce livre, como um Cavalo Selvagem. Mas precisa de um corpo, de um habitat, de um território. Cada um de nós é tudo isso para a sua Memória!

O corpo das Memórias Partilhadas chama-se Bairro. O Bairro, com as suas Memória Partilhadas, é o novo filho e irmão mais novo, para quem guardamos todos os afectos. É o novo ser único por quem tudo existe e para quem tudo remete. É o local de encontro de todas as contradições, de todos os egoismos, de todos os egocentrismos, que ao serem de todos perdem o sentido individual, libertando-nos para a partilha.


Não tem um, mas diferentes habitats: os blogues, todos os blogues sobre o este corpo comum.

O seu território são os múltiplos Encontros de Gerações. Os Encontros de Gerações são o tempo e o nosso modo de renovar do Jogo das Escondidas. Fechamos os olhos, encostamo-nos uns aos outros e contamos, 1,2,3, ..., 270, ..., 400, ...

As Memórias Partilhadas são um outro eu, um novo ser único por quem tudo existe e para quem tudo remete. Graças ao Bairro aos seus blogues, aos seus Encontro de Gerações, às nossas Memórias Partilhadas, me transformei num eu outro. Agora sou também Pai, Mãe, Irmão e Irmã, deste ente mais novo. Por isso agora também (me) dou. Por isso lhes estou imensamente grato. Grato a todos e a todas que contribuíram com o seu riso, o seu choro, os seus sonhos, as suas inscrições no rasto do tempo, para a minha libertação!


Este é o tempo de celebrar. Celebrar tudo! Todos os momentos, passados, presentes e futuros. Todos nós. Proponho um brinde. Um brinde à Memória e às Memórias Partilhadas. Para que todos nós contribuímos. Todos! Os que aqui estão. Os que aqui queriam estar hoje mas não podem. Os que aqui, simplesmente, não podem mais estar!Qualquer que seja o caso, todos estamos unidos num modo único de ser. Ser Bairro!

É esta Memória, são estas Memórias Partilhadas, que nos permitiram renovar-mo-nos, e, sobretudo, fugir ao Esquecimento. Essa certeza só nos pode alegrar. Os que aqui estão. Os que aqui queriam estar hoje mas não podem. Os que aqui, simplesmente, não podem mais estar!

As memórias são como tatuagens no corpo Bairro. Através da sua partilha, ganhámos a Imortalidade, libertá-mo-nos da Lei da Morte, ascendendo assim a um destino maior. Todos, porque ninguém será nunca esquecido! Os que aqui estão, os que aqui queriam estar mas não podem, e, sobretudo hoje, com o Mário Pinheiro de Almeida, o Fernando Malhão, o Pombalinho e a Gina no lado esquerdo do peito, os que aqui não podem mais estar.

Recordemos pois brindando com alegria.

À Memória e às Memórias Partilhadas!

Viva o Bairro!!

Jó-Jó

8 comentários:

  1. Eu também ouvi! Também "estive" aí! Brilhante! JóJó inclui-me nessa "tatuagem" p.f.
    Abraço

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  2. JóJó:
    Uma falha , apenas, no teu texto... esqueceste-te de falar daqueles que não vieram "por equívoco". Mas, mesmo esses, eu sei que eles um dia voltarão.

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  3. Eterno sentimental, nao escondo a verdade, dizendo que ao ler este belissimo "poema às memorias do nosso Bairro", uma làgrima furtiva veio deslizar pelo meu rosto!!

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  4. Eu, estive lá.
    Eu, disse presente.
    Eu, ouvi as palavras.
    Eu, partilhei os sentimentos.

    Leio e medito...
    Afinal pouco tinha assimilado!

    Vou reler.
    Brilhante!

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  5. Tive ocasião de ter manifestado pessoalmente ao Jo_Jo o meu aplauso pela forma brilhante como traduziu aquilo que todos sentem.
    Evitando óbvio...
    Quando se usam as palvras certas,como só ele sabe, há sentimentos que não precisam nem devem ser demasiadamente explícitos.
    Basta apreender o significado intrínseco das palavras...
    Parabéns Jo_Jo
    Obrigado pelo que nos disseste.

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  6. Escrevi "evitando óbvio" mas queria ter escrito "evitando o óbvio"

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