(1917 - 195O )
Confesso-vos um embaraço. Não sei como começar este texto. Tenho o coração divido entre falar de um compositor e músico romeno, ou da nossa amiga Romicas, e de um blogue sua pertença. Assim, como num tabuleiro de xadrez, tenho, frente a frente, Dinu Lipatti e a nossa querida Romicas. Percebo a vossa perplexidade. E também um coro de perguntas. Mas o que é que a Romicas tem a ver com Dinu Lipatti ? Eu respondo: não tem nada e tem tudo. Vou então explicar: a amiga Romicas, tem um blogue que se chama “Grãos de Areia”. Sou assíduo frequentador. Logo que o visitei pela primeira vez, criei uma empatia com ele. É uma simbiose de cultura, sensibilidade e humor. Bom, percebo pela vossa cara, que ficaram na mesma. Não perceberam nada. Vou então continuar: há dias, ao visitá-lo, deparei-me com umas fotografias da Romicas e acompanhantes, num sítio que me era familiar: Bucareste e o Palácio de Nicolae Ceausesco. E foi aí que recuei ao ano de dois mil. Por ali andei com o Choral Poliphónico de Coimbra, em digressão. Do enorme Palácio, que se vê de quase toda a cidade de Bucareste, apenas a referência à sua grandiosidade. Aos trezentos comboios de Mármore de Carrara, que foram necessários para lhe dar uma sumptuosidade deslocada, num país paupérrimo. De referir, os tectos de algumas salas folheados a ouro. E, por este motivo, dou à megalómana bisarma, a importância a que a minha sensibilidade me obriga, ou seja, nenhuma. Já o mesmo não direi de Dinu Lipatti. Veio por arrasto, com as fotografias da Romicas, na Roménia. Dinu Lipatti foi um músico de créditos firmados. Compositor e pianista. Pelas teclas e pelos seus dedos esguios, passaram, com a genialidade que é o orgulho daquele povo, obras de Mozart, Chopin, Bach, Grieg, Shubert e outros. Afinal, os que continuam a ser lembrados todos os dias, nos palcos mais carismáticos de todo o mundo. De Dinu Lipatti, recordar que nasceu em Bucareste em 1917. E que faleceu, prematuramente, em Genebra em 195O, quando muito ainda tinha a dar ao mundo da Arte. Mas, o seu nome, ficou para sempre perpetuado em Bucareste: O Liceu de Música, Dinu Lipatti. É um edifício austero, de aspecto sombrio. Ali passei uma tarde e noite, na véspera de regressar a Portugal. O edifício é desconfortável, com vários andares e camaratas frias. Os alunos estavam ausentes, de férias. Na hora do jantar, o grupo foi chamado ao refeitório. Todos em fila, com um prato de alumínio gasto na mão e uma colher, fomos servidos por um pequeno postigo. Porém, vislumbrava-se lá dentro, uma cozinha escura. A cada membro do grupo, foi dada uma ração de arroz espapaçado e uma linguiça. Também a quarta parte de um guardanapo de papel, ou seja, cada guardanapo era dividido por quatro pessoas. Depois, sentámo-nos em mesas de ferro, a jantar. E o barulho das colheres a rapar nos pratos gastos, fez-me lembrar os campos polacos de Auschwitz. Esse monumento à perfídia e à ignomínia. Uma vergonha para os algozes. Uma nódoa para a Humanidade. Mas, a verdade, é que aquele Liceu estava a dar-nos o melhor que tinha, e crescente era o respeito de todos nós por aquele povo pobre, mas cordato. Tenho a consciência que este texto está carregado de tintas demasiado escuras. A amiga Romicas, que tão gentilmente me deu autorização para invocar o seu nome e o “Grãos de Areia”, não merece um final assim. Por isso, aqui Vos dou a beber um pequeno cálice de humor. Uma das coralistas, senhora muito simpática, mas muito distraída, quando de madrugada assistia ao motorista a meter as malas no autocarro que nos levaria ao aeroporto, para a extensa viagem Bucareste – Zurique - Porto – Coimbra, disse ao atarantado funcionário que nem conseguia descodificar a diferença linguística: “… o senhor, se não se importa, ponha as minhas malas “ à mão - de – semear”, que eu não vou para Coimbra … fico na Mealhada…”
Quito Pereira
Quito Pereira
Á minha gentil amiga Romicas, ao seu marido Rafael, aos seus dois filhotes que já não dormem com o barulho da barba a crescer, dedico este texto.
ResponderEliminarTambém desejo um bom fim-de-semana. Igualmente aos outroa amigos ...
Quito Pereira
Crónica curiosa para mim, pois para além de ficar a saber que és um assíduo frequentador do blog da Romicas,e fazes muito bem porque também o considero um blog de muita qualidade(mas confesso que só de vez em quando consigo passar por lá), também fiquei a saber(só agora) que foste um excelente cantor(excelente é uma conclusão minha depois da tua actuação no CORO DOS MATULÕES, pois vi perfeitamento que já tinhas escola de gargarejo para aquecer a voz...)!
ResponderEliminarTambém já estive na Roménia durante uns dias com o grupo de Danças e Cantares dos CTT- onde também tivemos alguns problemas com as dormidas!
Tivemos melhor sorte com os pratos...nem comemos mal!
Visitámos provavelmente os mesmos locais á excepção
Do compositor que citas e que dá o título á "tua crónica", não ouvi falar...mas não admira pois sou mais vocacionado para o folclore!
A tua preferência por este tipo de música como agora passamos a saber foi bem continuada(com valor acrescentada) pelo teu filho André...
Estamos sempre a aprender...
Também elogio o Blog da Romicas que espreito
ResponderEliminaralgumas vezes e,indelicadamente,nem sempre comento...mas ela sabe!
Quanto à tua narrativa sobre a tua estada em
Bucareste gostei dela e encontrei similitude com
o que se passou,em Sofia, em 1975... precisamente,com a alimentação na cantina da Universidade...o cenário igual ao que descreves...desolador em tudo!
Mas o grupo "reagiu" e "passámos"um mal bocado!
Foi o meu grande embate de desilusão num período tão apaixonante, em Portugal e que eu vivia com utopia mas crente...Achava inpossível
encontrar "coisas" que observei e que não esta...Mas quiz continuar a acreditar...Agora
só tenho dúvidas, "quase" certezas!
Quito, também tu nos deixas tudo à-mão-de-semear!
ResponderEliminarO blog da Romicas, lindo e que também vejo e admiro, tua descrição sempre oportuna e o humor de uma mulher sem-papas-na-língua!
Estou a imaginar o Quito, rapando o prato, com saudades das suas feijoadas Salgueirenses...
ResponderEliminarQue o nosso Escritor é também Viajante, já o sabíamos. A novidade, para mim, é o facto de também ser Cantor. A única vez que o ouvi cantar foi no "Coiro dos Matulões" e garanto-vos que é quase tão desafinado como eu!
Deixemos a brincadeira para lhe dar os parabéns por este magnifico apontamento.
A referência elogiosa ao "Grãos de Areia" é muito justa. Também eu, por vezes, vou lá espreitar e tenho encontrado textos de muito mérito.
É um blogue onde se respira cordialidade, simplicidade e amizade.
Parabéns à Romicas e a todos que por lá vão deixando os seus Grãosinhos.
Bonito texto!
ResponderEliminarTambém costumo passar pelos Grãos de Areia da Romicas. Também gosto!
Caros Amigos
ResponderEliminarO seu a seu dono. Eu tenho uma rica voz para escrever à máquina. Por amabilidade do grupo, fomos convidados a ir. Na altura, o grupo integrava canções de Zeca Afonso, para coro e piano. Os arranjos e adaptações foram do maestro José Firmino. Fome(?) passei em Macau. Breve Vos conto.
Já tinha lido esta história no interessante blog da Romicas.
ResponderEliminarMas contado agora e aqui pelo Quito, obriga-me a comentar:
Primeiro que fiquei a saber que o Quito tem uma bela voz para escrever no teclado do computador.
Não podes querer tudo amigo Quito! E a escrita, ela só por si, feita com a tua maestria, já é uma qualidade que muito poucos têm..
Segundo, que se fosse comigo eu teria pedido para lançarem pelo ar a minha bagagem quando o avião sobrevoasse a Ericeira, porque aqui nem combóio há...
Rui
ResponderEliminarSe não há comboio na Ericeira, imagina no Salgueiral...até me apetece chorar ....
Um artigo fazendo referência a uma parte inicial muito triste, outra menos triste, uma agradável e outra de humor. Tem para todos os gostos, só que a sua escrita é a base de tudo e pode-se tirar uma lição: ainda nos queixamos.
ResponderEliminarTambém tenho ido aos blogues Grãos de Areia e My Eyes da Romicas. Gosto de lá ir passando.
Não conhecia o Lipatti, mas o mesmo não digo do interessante blog da Romicas que espelha bem a sensibilidade da sua autora.
ResponderEliminarReparei, agora, que não referi o excelente texto do Quito que nos surpreendeu com as suas andanças atrás do Polifónico.
ResponderEliminarTambém das nossas saídas com o Coro de Professores de Coimbra, numa digressão pela Alemanha, fomos surpreendidos em ULM, terra natal de Einstein e que tem a segunda maior catedral da Alemanha, com uma recepção "brilhante" na Pousada de Juventude onde iriamos pernoitar. Como chegámos um pouco atrasados relactivamente à hora prevista, fomos recebidos com um alemão enorme que com o seu enorme molho de chaves ía batendo na porta de ferro da entrada e assistindo à nossa passagem com as malas. Depois de instalados, quando nos preparavamos para ir jantar a Ulm, verificámos que a Pousada estava fechada a sete chaves e nós lá dentro sem podermos sair.
O que nos valeu foram umas máquinas automáticas com coca-cola e alguns chocolates que recebiam o nossso velhinho escudo e ainda nos davam o troco em marcos.
De facto, a realidade muito bem relatada pelo Quito e a que nós vivemos, com 10 anos de diferença, não têm nada de comum. Quem vai hoje a Bucareste encontra uma cidade cheia de jovens que percorrem as ruas e se sentam em esplanadas ou no interior de bares com música ao vivo; restaurantes com comida típica do país; centros comerciais, um dos quais apenas para quem tem poder de compra e gosta de vestir com um certo requinte (ainda que não segundo o meu gosto)... Enfim, todas as pequenas diferenças que mostram que a Roménia quer mesmo sentir-se parte da Europa e tenta reconstruir o que foi deixado em cacos em 1989. Na cidade onde estivemos, Galatia, a trabalhar numa escola tradicional, fomos muito bem recebidos, quer por professores, quer por alunos e pudemos sentir a realidade daquela comunidade estudantil que sabe que, apenas pelo triunfo do saber é que consegue ter a gratificação de vencer, principalmente no exterior.
ResponderEliminarResta-me agradecer a todos pelas visitas que fazem aos meus blogues e pelas palavras amáveis que aqui deixaram. Um beijinho para todos e o meu obrigada ao Quito.
Fico satisfeito pelas palavras da Romicas. No tempo em que lá estive grassava a pobreza e os assaltos. Fomos avisados do perigo de Bucareste. Mas de nada valeu. Um grupo de nós foi cercado em pleno dia por um bando de marginais e roubados todos os haveres.
ResponderEliminarCongratulo-me por a face da Roménia estar a mudar ...