O 61º Festival de Cannes exibiu o filme Sétimo Céu, do alemão Andreas Dresen que me fez reflectir sobre o amor.
De que tanto falamos, sem porém nunca o conseguirmos entender completamente. Ninguém se pode gabar de nunca ter amado. As paixões da adolescência que brotaram de nós, sem explicação, explodindo como verdadeiros vulcões, cortando-nos a vontade de comer, de estudar, de pensar noutras coisas para além daquele intenso desejo que nos despertou os sentidos, que nos fez bater descompassadamente o coração.
Quantas dessas paixões nos levaram a fazer sinceras juras de eterno amor, de antes desejar a morte à perda do ente amado? Quem de nós nunca disse que aquele era o amor para toda a vida? Mas depois, quantas dessas juras não quebrámos quando o entusiasmo inicial arrefeceu? Com a mesma convicção e facilidade com que antes as fizéramos? Ainda jovens, mas mais maduros, estabelecemos uma relação conjugal e convencemo-nos igualmente que ela, essa sim, seria para o resto da vida. Os frutos dessa relação, os nossos filhos, eram a prova da estabilidade, a prova do verdadeiro e tranquilo amor. Julgámos então ter apreendido o verdadeiro significado desse complexo sentimento. O tempo ia correndo, a idade avançando, a beleza física que proporcionava a atracção ia desaparecendo. A vida vivida em comum durante décadas provava-nos, aparentemente, que o amor é muito mais que o fogacho irreprimível da paixão.
Não! Não havia dúvidas! Na nossa sobranceira e sábia maturidade, achámos que finalmente tínhamos percebido que o amor era a interacção de sensibilidades, de compromissos, de estabilidade, de sedimentação de rotinas de vida. É certo que uma ou outra vez sentimos a tentação, a atracção por outra pessoa, mas racional e pragmaticamente achávamos que isso não passava de mero e condenável desejo carnal, que rapidamente se desvaneceria no conforto e na intimidade do lar onde, aí sim, pairava o verdadeiro amor. E afastávamos a tentação, dizendo para nós próprios que essas coisas são próprias dos jovens. Não acontecem aos mais velhos e experientes, calejados pela vida. E com idade para terem juízo...
Este filme mostra que não é assim... Só a nossa presunção nos leva a pensar que o amor não está sempre latente, que a qualquer momento pode romper a crosta protectora que construímos à nossa volta em obediência às convenções que nos regem. Este filme mostra como uma mulher quase sexagenária, mãe de família, sem qualquer razão para questionar o seu casamento de mais de 30 anos, subitamente, sem que nada o fizesse prever, se apaixonou por um homem de mais de 70 anos. Vivendo com ele momentos de intensa felicidade, de verdadeira paixão, ambos fazendo amor como se fossem adolescentes, sem vergonha dos seus corpos já velhos. Antes descobrindo neles a beleza e o fulgor da juventude. O amor é realmente eterno.
E não é apanágio da juventude. Mas continuo sem o saber explicar. E sem compreender porque está tanto tempo adormecido e, num ápice, se pode revelar em toda a sua pujança.
Rui Felício
Uma pérola, este teu texto.
ResponderEliminarE combina muito bem com os cortinados do nosso blog porcalhoto, não combina?
E, até, com a etiqueta "causas", que o assunto é bem sério.
O blog pode ser porcalhoto ( agora que o conheço melhor, permito-me discordar dessa designação, porque o acho bem sério... ), mas os cortinados são verdadeiros brocados do mais puro veludo.
ResponderEliminarLá estás tu a deixar-me toda molhadinha, Felicinho...
ResponderEliminarPois, uma pérola. Ainda bem que o Paulo Moura o disse. Fico assim liberto de ser acusado de um jogo de salamaleques e cortesias sem sentido, com o Rui Felício. O texto é uma sábia reflexão.
ResponderEliminarO amor, é uma espécie de tabu, numa sociedade hipócrita, que vive à mesa do "simplesmente correcto". O amor é transversal ao Tempo. Foi, e é, glosado pelos nossos maiores na Arte de escrever. Alguns,muitos, já lá estão, sentados algures num cadeirão de oiro por terem deidificado o amor. Camões, Camilo, Tolentino e tantos outros.O tal "fogo que arde sem se ver".A afirmação "amor serôdio", que o mesmo é dizer, amor tardio, é uma deslocada afirmação no arco - iris dos afectos. Quem pensa que é dono do seu coração, engana-se. Pode, é calar os sentimentos à solta, com uma mordaça. Amor pode ser bálsamo. Paixão pode ser tragédia...
Para o Rui Felício, vai a minha saudação. Sempre apreciei quem, corajosamente, dá o peito às balas.
Abraço
De repente, pareceu-me qu eo texto acabava com o gosto por "quem dá os peitos às bolas".
ResponderEliminarNão liguem... é a tara...
Um reparo ao Quito:
ResponderEliminarQuem fez a apreciação, que aliás agradeço, não foi o Paulo Moura, mas sim a São Rosas...
Rui, não compreendes porque certamente ainda não te aconteceu!
ResponderEliminarEste filme é fantástico e é uma lição de vida para todos aqueles, que pensam que o acto de amar e fazer amor, é só para os mais novos. Não, não é! Antes pelo contrário, quando se é mais novo, aquilo que pensamos ser amor, é apenas um desejo intenso, que depois do acto carnal consumado, pouco mais resta. À medida que o tempo vai passando e quando pensamos e julgamos que a nossa vida íntima já passou, é quando nos apercebemos que mais do que nunca temos necessidade dela e não só, que para complementar essa necessidade é preciso carinho, compreensão, uns braços que nos apertem contra o coração, muito amor e muito querer! Mas isto, nem todos percebem....
Os que pensam que aos sessenta anos, morreu o desejo, morreu o amor, morreu a paixão, que se desiludam...é quando a entrega é mais bonita, é mais sã, é mais perfeita...porque ali está o desejo, está o amor na sua pureza total, sem preconceitos estéticos, com a suave segurança, que os "longos" anos passados lhes foram ensinando!
Para mim, isto é que é o amor! É caminhando a passos largos para o fim da vida, duas pessoas que se amam aceitarem-se e respeitarem-se, tal e qual, como são!
Excelente artigo sobre a principal preocupação que muitas vezes até vem primeiro que a saúde pois queira uma pessoa esteja a estudar, no trabalho, de férias ou doente, lá vai tendo o seu pensamento ou preocupação por quem ama.
ResponderEliminarPor aqui o amor é livre e há quem chame amor às mais diversas situações. No entanto há quem sentindo o amor no nosso termo, diz que teve quatro ou cinco amores verdadeiros e que os viveram profundamente. Penso que uma tentação ou outra aparece a todos na vida mas eu que até posso ver o que vai ao lado e "arredores", pergunto-me: e as crianças? – Pobres crianças com pais em part-time. Tive uma época em que lidei muito com pessoas de idade, das quais algumas se tinham casado novamente. Se bem que hoje haja produto para manter a longevidade sexual do homem, os que conheci casaram para evitar a solidão que tem levado ao suícido de muitos idosos além de tudo o que o próprio amor envolve próprio da idade em que se encontrarem. Só que o contexto americano de momento é outro, pois chegará a todo o mundo. De pequeninos os pais põem as crianças nos infantários, pensam acima de tudo nas suas carreiras proficionais, nos seus amores e as crianças que vivem em par-time, falam com os pais muitas vezes de passagem e por vezes nem os vêm. Quando chegam a velhos, as crianças fazem o mesmo: põem-nos nos lares e passam-se tempos que nem os vão ver, nem lhes levam os netos para passarem uns momentos alegres e assim, voltam aos tempos de solteiros: sem família mas com uma mágoa muito profunda e uma solidão imensa. Os filhos estão com os problemas próprios da sua altura como os pais tiveram: refazer família, o trabalho que lhes leva o tempo todo; tais pais, tais filhos.
Minha querida Teresa,
ResponderEliminarO que eu dise que não compreendo, não é, como interpretaste, o amor em qualquer idade.
O que eu disse é que não compreendi nunca porque razão o amor está por vezes tanto tempo adormecido ( e que julgamos acabado... ) para "num ápice", quando menos se espera, ele explodir com todo o seu fulgor...
Meu querido Rui,
ResponderEliminarAo contrário do que tu pensas, compreendi perfeitamente e foi precisamente ao teu 2ºparágrafo que eu respondi. Certamente, exprimi-me mal( a falta de treino e o meu português corriqueiro), deve ter sido a causa e tu também não me entendeste. Então vou tentar explicar, com conhecimento de causa....
Quando o amor está em nós adormecido, seja porque razão for, por solidão, por incompatibilidades, por opção e quando na nossa cabeça se programa o afastamento de alguém, que idealizámos durante toda a vida, mas que nunca apareceu, o amor fica em "banho maria",adormecido descrente de uma nova emoção!
Mas...... se ao virar da esquina, nos aparece a alma gémea com que tanto sonhámos e esperámos, então é nesse ápice, que tu mencionas, que aquele amor desiludido, envelhecido, já quase moribundo,explode qual corbeille de fogo de artifício, cheio de vida, cheio de cor,cheio de paixão, pronto para se entregar e amar perdidamente, aquela alma gémea, porque tanto esperou...e da qual já tinha desistido!!!!!
E aqui é que está, meu querido.....para se compreender.....é preciso ter-se passado por isto!!!!!!
Será que agora estamos na mesma onda?????
Um beijo
Que boa onda!
ResponderEliminarTeresinha,
ResponderEliminarAtrás de uma onda, outra virá...
Por isso não é necessário estar na mesma onda, basta estarmos no mesmo mar, para eu poder dizer-te que estamos na mesma onda...
Excelente filme;
ResponderEliminarExcelente texto;
Excelente debate entre os comentadores.
Continuem a "surfar" num mar de amor, ou de amores.Gosto de ouvir os entendidos e experientes na matéria.Que bem dissertam!
ResponderEliminarSou jovem.Estarei apaixonada ou será mesmo o verdadeiro amor?
Sinto-me baralhada com tanta filosofia...
Logo terei de fazer um plenário para discutir o assunto!
A conclusão: "Ficará tudo tratado e nada resolvido",invocando o Tonito.
Boa reflexão!!!
Disse-te que estava por ti apaixonado,
ResponderEliminarQue daria a minha vida por essa paixão,
Que não haveria outra fogueira tão ardente
Capaz de preencher o meu coração.
Num sentir mais profundo e mais pensado,
Trago-te a minha confissão.
Menti-te
Apenas te amo profundamente.
Autor desconhecido do Séc. XX
Olha pró que mavia de dar!
Estou na tua praia.
ResponderEliminarMas,para não ficar ché-ché,limito-me a amar e mais nada.
Não há qualquer explicação racional,biológica ou científica para o AMOR.
Ama-se,sem mais.
O coração parece um cavalo à solta,mas aguenta-se!
E bate,bate ao ritmo que escolhe,tanto no amor carnal,como no amor espiritual.
Não há idade para AMAR.
Ainda bem, meu querido amigo! Que peso me tiraste de cima!
ResponderEliminarComo dizes e bem, basta estar no mesmo mar, não é que concorde muito...o mar é tão grande!!!!, mas está bem, o que eu não queria é que cada um em sua onda, pudéssemos "naufragar", levados pelos terríveis e perigosos "remoinhos"!!!!!!
Um beijo
Minha querida amiga, por mim podes marcar o plenário, quando quiseres, embora ache que já não será preciso!
ResponderEliminarComo dizes e bem, és jovem e dúvidas se o que sentes é paixão ou o verdadeiro amor! Pois eu, a vidente TéTé, li nas cartas que acabei de deitar, que são as duas coisas, porque tiveste a sorte de teres encontrado a tua outra metade da maçã, que encaixam na perfeição e que irão "apodrecer" juntos!!!! Vejo aqui mais umas coisitas que talvez gostasses de saber, mas para isso terás que marcar uma outra consulta para a vidente Tété, que por ser tua amiga, te faz o módico preço de 75 Euros!
Consultas; Terças e Quintas de dia
Sábados e Domingos `noite
Beijos
Bom texto
ResponderEliminarBoa reflexão.
Mas Felício na praia, na serra, ou em qualquer outro lugar quando o amor acontece não tem idade... Quantas vezes refreamos os sentimentos porque somos seres racionais com montes de amarras que se não soltam nem nós podemos/queremos cortar.
Abílio
O amor está sempre latente a ponto de se manifestar a qualquer momento...todos vivenciamos esse sentir! E o fogacho da paixão
ResponderEliminaré um "rastilho" necessário para manter vivo esse amor eterno ou não... a manifestação de
amar "passa"por momentos tão semelhantes ao de adolecentes e jovens...senti-me uma jovem de 20 anos a amar de novo,aos 60anos!
Impossível esquecer essa etapa da minha vida tal como não esqueço os amores"vividos"nas idades anteriores... Recordo sem estar "enquistada" nesses momentos...
Amarei mais...não sei!
Capacidade existe... mas,mas...
Este filme é belíssimo e foi uma ideia genial
ResponderEliminartrazê-lo à ribalta...para pensarmos sobre este belo tema.
"Abençoada" educação católica apostólica romana que nós temos, nos espartilha e condiciona de uma forma tão enraizada que até pensamos que é natural e a norma, fazendo-nos ver a sexualidade como "obra do demo".
ResponderEliminarVós sois excepção. Fazeis muito bem!
A evocação de sentimentalismo e da sexualidade da "Malta" da nossa idade é uma realidade. Não podemos evitar-la. Mas... mas... cada um é que sabe.
ResponderEliminarRenunciar ao Amor ? Abandonar o que vivemos "sem razão de queixa" para partir com outra ???... Entre felicidade e tragédia a escolha muito difícil.
Amantes ? ...Sempre. Haja saúde.
C.Falcão
É um texto que tendo a assinatura do Rui Felício é desde logo garantia de êxito...e então com este tema, é ler e apreciar os comentários...ninguém fica mal na fotografia!!!!!
ResponderEliminarEu também não ficava...mas os seguidores já são muitos e já disseram tudo!
Estás enganado Rafael!
ResponderEliminarEste tema sobre o amor é inesgotável! Tem pano para mangas para ser debatido até à exaustão. É um dos meus temas preferidos!!!!!
Os seguidores podem ser muitos, mas nunca suficientes, para um debate sobre este tema....
Beijinhos
E, se chegarmos até à exaustão, é bom sinal. Há, até, quem fume um cigarrito.
ResponderEliminarRui Felício,
ResponderEliminarTem paciência. Escreve o "Oitavo Céu".
O Sétimo foi levado até à exaustão...
Toma boa nota:
A minha Sãozita está-se a "meter" contigo e não comigo.
Ingrata!
Ou será que se está a "meter" com a Teresinha?
Nunca mais ganha juízo, uma desilusão!
Não tenho culpa de ser lésbica. Como a Gabriela-uma-no-cravo-outra-na-canela, "eu nasci assim".
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