domingo, 26 de fevereiro de 2012

DA SAUDADE ...

Da saudade ...
Há um Tempo que corre veloz. Para trás, como no dia em que deixei o cais de Alcântara, por entre um mar de lenços brancos, fica também o rasto do meu museu de memórias. De lembranças da minha Coimbra de outras eras. Do meu bairro. Dos meus amigos. De um turbilhão e emoções e de afetos.
Trago ainda nos ouvidos, o barulho do elétrico ronceiro, do fio de cabedal que tilintava puxado pelo revisor, no momento da partida. Também o silencioso troley, de amarelo vestido, que percorria a cidade de lés a lés. Muitas vezes o utilizei, a caminho do liceu. Na carteira, um passe com fotografia, que o Senhor Américo furava com um alicate. Eram cem viagens e assim dava para poupar alguns tostões à carteira do meu pai.
Do bairro, um cortejo de memórias. As corridas de triciclos, o jogo dos botões, o lançar de papagaios no “Cavalo Selvagem”. As gloriosas noites de verão na Rua A, ao som da música dos Beatles. Um dia, ganhei uma corrida de triciclos e à noite, no Centro, com pompa e circunstância, recebi o valioso prémio – uma bola de ping – pong.
Relembro a juventude. As correrias para o Dom João III, os corredores frios do liceu, a gritaria dos alunos no intervalo das aulas. E o silêncio sepulcral, quando passava o Guerra, a distribuir bofetadas.
Mas na balança do Deve e do Haver, o saldo foi positivo. Os jogos de bola no velhinho Campo de Santa Cruz e dos namoricos ou trocas de olhares com as meninas do Colégio Alexandre Herculano.
Um dia, fui preso. Sim, fui preso, para a esquadra ao cimo da rua que tinha o nome do escritor. Um grupo de nós, já de barba feita, estávamos a ver as meninas a entrar para o Colégio, junto à Associação Cristã da Mocidade. O Cunha, que era descarado, disse uma piada mais apimentada. Elas, indignadas, foram fazer queixa ao polícia, que estava na guarita do Posto. Dali a vir um piquete, foi um ápice. Resultado: tudo preso !!! E eu, que nada tinha a ver com a questão, lá fui a gancho com mais vinte. Era a turma quase toda. Depois, o professor de Matemática, Dr. Teles Grilo, gaseado da Grande Guerra e com a popa do cabelo amarela de tanto fumar, que mais parecia o Tim – Tim, ao ver a turma tão desfalcada e chegando ao nosso Colégio a notícia que estávamos detidos, entrou na esquadra de cana na mão, com o dedo acusador virado contra mim, a vociferar: “Eurico, ou como raio é que tu te chamas, andas sempre metido nestas merdas !!! “. Mentira. Imagine-se, eu nunca tinha entrado numa esquadra e mesmo no Bairro, nunca tinha sido filado por um polícia nas jogatanas de bola!!! Mas Deus é justo. Quando saímos da esquadra, com o pedido de desculpas do Teles Grilo ao Chefe do Posto, a sentinela estava distraída e o Cunha, autor de todo o burburinho, foi o primeiro a sair. O policia agarrou-o por um braço e o Cunha, que fervia em pouca água, deu - lhe um murro. Ficou outra vez detido. Mas nós, saímos. Era justo, porque não tínhamos provocado a situação. O meu companheiro de carteira, esse, ficou lá até ao anoitecer, tendo sido brindado com dois pratos de grão – de - bico ao almoço e ao jantar, para amolecer o péssimo feitio. Volto a achar que foi justo.
Hoje, percorridas mais de seis décadas de vida, já muita neve cai na serra, que o mesmo é dizer, que o cabelo embranqueceu. Talvez um dia, se tiver netos, os sente ao meu colo e lhes conte as histórias do meu passado. Dos tempos do liceu, dos tormentos da guerra por terras de África ou da minha detenção numa esquadra de polícia, não por ser um herói da Resistência, mas por um pouco edificante assunto de saias. Mas falarei do Bairro. Das suas gentes. Da mercearia do Senhor Alípio, do Café do Silva ou da Retrosaria da Dona Rosa, onde eu comprava os cromos coloridos dos heróis da bola, as revista do “Mandrake” ou da “Marca Amarela”.
Da saudade …
Q.P.

44 comentários:

  1. Ó Quito, és um sentimentalão! Gostei muito da maneira simples e natural mas muito bela como nos contas as tuas vivências!
    Acho que os teus netos irão adorar!
    Parabéns

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  2. A fotografia está uma beleza. Parabéns ao autor!

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  3. Amiga Lena
    É uma bela foto do "nosso" Tonito. Mais uma ...
    Obrigado, pelas palavras amáveis ...

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  4. Mais um vez boa prosa Menino.
    Um Abraço.
    Tonito.

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  5. Tónio
    É bem melhor a foto que o texto ...
    Abraço

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  6. Uma conversa entre "génios" é sempre a mesma coisa...
    Cumprimentam-se,com o maior respeito,e nós,os simples mortais,aplaudimos.
    Obrigado aos dois.

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    1. Bom fim - de semana, Rui Lucas ...
      Sabes, eu e o Tónio somos dois gajos muito educados. Por isso é que fizemos 15 anos de catequese com o padre Aníbal ...
      Toma lá um abraço ...

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  7. O Quito recorda, o Tonito fotografa e os patitinhos...partem saudosos, coitados!

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  8. Pois, Celeste, eu o Tónio e os patos...Uma espécie de trio Odemira ...de Coimbra ...
    Um abraço

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  9. À custa dos patos diplomados do Tonito, lá fizeste uma incursão pelos tempos do Liceu!!!
    Mas gostei do que contas principalmente deste episódio na esquadra só de olhares para os soquetes das meninas do Alexandre Herculano:
    “Eurico, ou como raio é que tu te chamas, andas sempre metido nestas merdas !!!
    E as "merdas" eram as meninas do Colégio?
    O Dr Teles Grilo era um desbocado!
    Foi por isso que o meu pai não me deixou ir para o Liceu!
    O Colégio São Pedro era outra loiça!

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    1. O Teles Grilo, era ainda mais cromo que alguns alunos que passaram pelo colégio. Era bom homem.
      Um dia, disse a um aluno: " ou escreves esta equação no quadro, ou vais para a rua". O aluno, começou a arrumar os livros. Expectante, diz-lhe o Tenente: para onde é que vais ?
      Diz o aluno: vou para a rua, pois não sei resolver o enunciado ...
      O Teles Grilo: Espertinho que és ... querias ir embora não era? ... ali para a esquina do ACM .. ver as meninas a passar ... ora abre lá os livros outra vez e cale -te ...

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  10. Acompanhado de uma excelente foto, criaste um texto aonde me fizeste lembrar recordações do passado tanto no que respeita ao Bairro como a figuras que fizeram parte do nosso passado.
    Em relaçao ao teu tempo de presídio, situações dessas eram próprias do ten. Teles Grilo que recordo com muita saudade.
    Eu e o Abreu tinhamos o nosso lugar na primeira carteira junto à porta da sala de aulas. Uma vez o Ten . Teles Grilo começou a desfazê-lo no quadro e ele que estava perto da porta, abriu-a e fugiu. Estavamos no segundo andar. O Ten. velho e gaseado, apanhado de surpresa, foi a correr e apanhou o miúdo de dezaseis anos nas escadas, ainda antes do rés-do-chão. Apareceu com ele e a na sua forma de falar: "tu estaaavas a brincaar comiigo!!!! Com o Ten Teles Grilo nÃo se briinca". Com aquela idade, era fantástico.

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    1. Chico
      O Tenente Teles Grilo era bom homem.Sabia "demasiado" de Matemática.
      Mas só sabia para ele. Escrevia uma equação no quadro e quem pudesse que o acompanhasse. Depois dizia: perceberam ? ...pois se não perceberam ... percebessem !!!. Quando um aluno fazia barulho na sala, virava-se para ele e dizia: queres levar no "focinho" ... ponto de interrogação ...
      Como dizes, e bem,foi gaseado da guerra. Fumava como uma chaminé, até a pirisca lhe ficava colada aos lábios. Quando lhe dava para embirrar, era o desnorte: "Ó Pereira, Deus Pereira ou como raio é que tu te chamas, porque é que estás a olhar para mim, sou alguma gaja boa ? "
      Enfim ... recordações ...
      Quito

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    2. "Hó rapaziinho, põe-te com termoos."
      É verdade... e a explicar punha o corpo à frente do quadro pelo que não podíamos acompanhar certas passagens. Parafraseando: tempos que passaram e não esquecem.
      Se fôsse hoje lá tinham que chamar os psicólogos para a malta.
      Um abraço.

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  11. Chico
    Um dia, o padre Bento, teve a ideia peregrina de que o que a malta precisava era de aulas de moral. Arranjou um padre velho e coxo, que, no primeiro dia, disse que estava ali para tirar todas as dúvidas que tivessemos. Estás a imaginar uma sala cheia de galfarros espigadotes, que fizeram tantas perguntas obscenas, que à segunda aula o padre desistiu ...

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  12. Quito
    Hoje em dia o padre jamais desistia mas tinha entrado em depressão...
    Eramos uns santinhos...

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  13. Meu querido amigo Tenente Teles Grilo! Conheci-o num ambiente muito diferente daquele que vocês referem. Passei horas e horas com ele. Tinha uma grande amizade e respeito por ele, pelo que, quando outros o começavam a enervar, o que fazia com que o seu cabelo se levantasse verticalmente (como acontecia com o Dr. Elísio de Moura), eu me aproximasse e me oferecesse para jogar com ele. Iniciávamos, então, uma série de partidas em que ele ganhava sistematicamente, até me interpelar com desconfiança para saber se eu jogava ou o deixava ganhar. Nessa altura, as partidas equilibravam-se, eu ganhava algumas e ele outras, o que lhe dava muito prazer e tranquilidade, rematando, no final: "pintus est mortem in cascam, aleluia, aleluia". Uma noite estava tão entusiasmado que, quando o Sr. Lima nos despejou do 2º andar da Brasileira, me levou para casa dele, de onde saí cerca das 8 horas da manhã, quando a esposa se levantou e foi dar connosco na jogatana.
    Tudo valeu a pena, mais a mais porque eu pensava que, se não fosse assim, aqueles malandrões acabariam por matar o Sr. Tenente - como eu lhe chamava - mesmo ali na Brasileira.
    Paz à sua alma!.
    Rui Barreiros.

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    1. Com que então na jogatana até às oito da matina?!
      Ao menos podias explicar qual era o jogo que tanto tempo te absorvia, a ti e ao professor Tenente.
      Deixa-me tentar adivinhar: xadrez.
      Parece que sou bruxo!

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    2. Ao meu querido amigo e vizinho da Rua "D", Dr.Rui Barreiros, o meu agradecimento pelos comentários. Afinal,o que trouxe aqui, foi a outra vertente do nosso amigo comum, o Senhor Tenente Teles Grilo.
      Já agora, dizer que foi também professor do meu pai. Ensinou duas gerações lá em casa...
      Grande abraço

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  14. É um turbilhão de emoções mas também de afectos, de boas e outras não tão boas recordações de vida, que o Quito aqui nos traz hoje.
    Na sua escrita que brilha pela simplicidade, faz desfilar aos nossos olhos recordações da sua juventude para connosco as partilhar.
    E que bem que o faz! E que bom saborear com ele essas recordações, algumas delas perfeitamente coincidentes com muitas das nossas!
    Um grande abraço.

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    1. Obrigado, Viana por dares o teu contributo nesta roda de amigos.
      E agora noutro registo: quem é que é amigo do fêquêpê ... quem é ???
      Toma lá um abraço

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  15. Este texto, acabou por resvalar para uma saudosa memória ao Tenente Teles Grilo.
    Muito me satisfaz este registo. Era um bom matemático, um grande cidadão.
    Amante da vida e fumador compulsivo. Uma ironia jocosa,a forma como se dirigia aos alunos. Apesar dos seus "repentes" de mau -humor, era muito estimado.
    Foi um combatente da guerra e da vida.
    Como aluno dele que fui, obrigado a todos pelo tributo que lhe prestaram.
    Bem -Hajam.

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    1. Já agora e por mera curiosidade, "Tenente" era nome ou posto militar?

      Há professores que ficam no nosso registo de memórias para toda a vida.
      No S.Pedro tive um excelente professor de matemática, o Dr Reis Torgal, que ninguém "gramava" por ser muito exigente. Pelo contrário, eu gostava dele porque me "servia" dele. Convém explicar: não me lembro de me sentar a estudar mais que meia hora mas nas aulas era atento e, desde que o professor fosse bom, ia chegando para as encomendas.
      A matemática era a minha melhor disciplina, graças a Reis Torgal.
      Ironia do destino, apanhei no exame a "fera" da Laura Mano que me chumbou sem dó nem piedade apesar de eu levar 15 valores da escrita e foi assim que passei "coxo" à minha melhor disciplina.
      A Laura Mano era conhecida por não passar ninguém que "viesse dos colégios"...
      Recordo-o a ele por boas razões e a ela por péssimas. A senhora bem necessitava de fazer uma lavagem ao seu doentio preconceito.
      Fiquei-lhe com uma raiva que ainda hoje se nota...

      Já percebi que andas pelo Talasnal. Aguardamos notícias...
      Estou a preparar-me para ir almoçar aos Casais que não é tão bonito como o Talasnal mas tem o aliciante da reunião familiar.
      Olha, cá continuamos à conversa, nesta roda de amigos...
      Toma lá mais um abraço.

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    2. Grande Viana
      Não fui ao Talasnal.Vou estando por aqui e ontem estive a dar assistência ao meu pai, acamado com gripe. Nestas idades, é sempre preocupante.
      O Tenente Teles Grilo, era mesmo Tenente, e andou na Grande Guerra, ao que sei.
      Recordo-me perfeitamente da Laura Mano e de outros. A Laura Mano não tinha a simpatia dos alunos, porque era "mázinha". Nunca vi aquela mulher, ao menos, sorrir.Já o mesmo se não pode dizer de outro professor de Matemática, O Silveirina, recentemente falecido num lar de Braga, que era muito boa pessoa ...
      Olha, espero que o almoço tenha corrido bem, pois já vai para lá das 4 da tarde ...
      Abraço

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  16. Depois de quase tudo dito neste roteiro da saudade, quero destacar a alusão feita pelo Quito ao Dr. Silveirinha que foi meu professor.
    Exigente, sabia ensinar e despertar nos alunos o gosto pela matemática.
    E quando se gosta, aprende-se...

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  17. Caro Rui
    Este texto teve o "mérito" de fazer lembrar alguns professores, começando pelo Tenente Telas Grilo,uma figura incontornável da nossa cidade, mas que não terás conhecido. E por arrasto lá apareceu a Laura Mano, o Silveirinha e outros de que ainda me vou lembrando ... Dora, Galvão, Silvio Pélico, Balbino, Laura Torres, Cortesão, Padre Eugénio, Berta Rosa, Lúcia Ganilho, Ferreira da Costa, que dizia: " há cães mais espertos que o dono ...e eu tenho um ... "
    Muitas recordações ...
    Um abraço

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  18. Amigo Quito,

    Havia um professor de matemática no Colégo D. João de Castro que era tratado por "Tenente". Será o mesmo? Não que ele tivesse sido meu professor porque só andei naquele colégio nos 6º e 7º anos, altura em que já não tinha aulas de matemática.
    Mas lembro-me bem de todos os outros de quem falaste, do D. João III.
    No D. João de Castro, no primeiro dia de aulas, o Dr. Boaventura Sousa Santos, pai do conhecido sociólogo com o mesmo nome,ia fazendo as perguntas do costume aos novos alunos que ele ainda não conhecia. Donde vinha, o que faziam os pais, onde morava, a idade, etc,etc.
    Quando chegou a minha vez, de chofre e apanhando-me desprevenido disparou:
    - Se te dissessem que ias ficar paralisado de todo o teu lado esquerdo, o que é que fazias imediatamente?

    Tartamudeei, sem saber o que dizer...

    - Vi logo que não deves nada à esperteza, pá! - disse o professor.
    Então não mudavas logo os testiculos para o lado direito?!!

    Habituado à férrea disciplina do D. João III,fiquei assim a conhecer o estilo do Colégio D. João de Castro para o qual já me tinham avisado o Abílio e o Chico Duarte, que já o frequentavam há mais tempo.

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  19. Grande Rui
    Confirmo em absoluto. O Tenente Teles Grilo, foi professor no D.João de Castro, pois foi meu professor lá. O D. João de Castro, era na Rua de Tomar, frente às muralhas da penitenciária, certo ?
    O Colégio, de facto, tinha alguns professores muito disciplinadores. Lembro-me do Queiroz, por exemplo, que não era para graças.
    Outros havia, mais brandos, caso do padre Bento, que foi diretor do Colégio e que passava um "calvário" com alguns, por causa das mensalidades.
    No meio do universo de alunos, alguns eram completamente "loucos" e faziam coisa do arco-da-velha. Ainda me lembro do "Zé Ladrão", do "Zé Homem", do "Toni Porta Larga" do Veiga, filho do alfaiate do mesmo nome e do Valera, que era africano.
    De vitimas, recordo a contínua, a Dona Sara, que tocava frenéticamente a sineta para o começo das aulas até ao dia em que o sino emudeceu. Puseram-lhe um trapo no lugar do badalo...

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    1. Menino, o Valera que falas será o mesmo com quem estive há pouco tempo?
      Tonito.

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  20. Bem me parecia! Pela descrição que fizeste dele, só podia ser o mesmo.
    Lembro-me de ( contaram-me, porque, como disse, não fui aluno dele...), num carnaval, terem colocado debaixo de cada um dos pés da cadeira onde ele se sentava, quatro "garrafinhas de mau cheiro". O Tenente Teles Grilo ao sentar-se partiu as ditas garrafinhas, como se esperava, e inundou a sala de um cheiro nauseabundo.
    Os alunos exigiram que a aula acabasse por que o Sr. Tenente estava a empestar a sala.
    Parece que o bom homem ainda se desculpou por andar mal dos intestinos...


    Essa do badalo da sineta não conhecia. Fartei-me de rir! Faz lembrar o célebre roubo da cabra da velha torre.

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  21. Os carros de instrução do exército, iam para lá fazer a manobra de recuar e meter o carro entre duas árvores. O Valera, com aquelas suas mãos grandes e dedos esguios, orientava de fora a manobra, dizendo: "pode vir...pode vir ... pode vir à confiança e ... pumba ... o soldado dava uma cacetada na árvore. O Valera, não se desconsertava: sempre com a mesma cara, dizia .."agora chegue o carro à frente, porque já bateu" ...

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  22. Não falaste no Beterraba, professor de Ciências Naturais, com o seu proeminente abdómen sobre o qual andava sempre com a mão poisada. Era pai de quatro filhas e ia nascer a quinta. Estava na Maternidade à espera de saber o resultado do parto da mulher, quando foi abordado por uma enfermeira:
    - O Sr. Dr. está à espera de bébé?
    - Não, a minha mulher é que está. Eu tenho esta barriga mas há anos que sou assim...

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  23. E do "Massa Específica", lembras-te ?
    Esta que foi recordada pelo meu pai, aluno do Silvio Pélico. O professor tinha por hábito, ler o jornal no elétrico. Devorava as notícias. Apanhava um elétrico que fazia a carreia Igreja de Santa Cruz - Casa do Sal. Um dia faltou a elétricidade e o elétrico ficou em Santa Cruz. Como a luz nunca mais vinha, os passageiros foram saindo. O professor ficou, embrenhado no jornal, nem se apercebeu da avaria. O condutor e guarda-freio sairam também para um pequeno tasco que havia junto ao Olimpio Medina. Só que não desligaram o eletrico. Um lapso comprometedor. De repente veio a eletricidade e o veículo começou a andar. Com o solavanco, o professor "acordou e ao não ver ninguém, foi ele para o comando do eletrico, com os 2 funcionários a correr atrás do amarelo. O Silvio Pélico esbracejava e gritava ...fujam ... fujam ... que aqueles dois abandonaram o elétrico ...
    Delicioso ...

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  24. Tenho-me deliciado com os vossos comentários e pelo avivar da memória do Colégio D. João de Castro.
    O Tenente Grilo também foi meu professor no 5º ano e ainda me recordo da sua figura corcovada escrevendo no quadro de olhos semi-cerrados, enquanto cá atrás poucos ligavam ao que ia escrevendo e, então quando se virava perguntava "perceberam?" como ninguém respondia apagava tudo e dizia "estudem seus burros".
    Por tudo e por nada falava na Cavalaria Rusticana e dizia "eu andei na Primeira Grande Guerra, com os gazes ou se morria ou se ficava apanhado, eu safei-me..."

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  25. O "Massa Específica" colocava aos alunos todos os anos um problema que ficou célebre:

    Imaginem os senhores uma esfera de ferro de 10 Kgs dividida em três metades:
    Uma metade de cobre, outra metade de chumbo e outra metade de ouro.
    sabendo-se que a densidade do cobre é 8.920 Kg/m3, a do chumbo de 11.340 e a do ouro de 19.300, qual a massa específica daquela esfera de ferro?
    -----
    Quanto ao Silvio Pélico:

    Em Roma, quando passeava perto da casa que a minha filha lá tem, relativamente perto do Vaticano, dei por mim a olhar uma placa identificativa de uma rua com a designação "Silvio Pellico".
    Veio-me à memória o nome do professor do D. João III. Podia ser mera coincidência, mas resolvi investigar.

    Informei-me e fiquei a saber que é o topónimo do pai do "nosso" Silvio Pélico", que colaborou com Mazzinni na tentativa da unificação do mosaico de Estados italianos para constituição de uma República, no fim do séc. XIX e que que se refugiou com a família em Portugal, quando a revolta foi dominada e extinta a efémera República de Roma, com as consequentes perseguições dos monárquicos aos republicanos.

    É curioso como, quando fui aluno dele no liceu, nunca ter sabido das origens que o seu arrevesado nome denunciava e tê-lo vindo a saber, por mero acaso, tantos anos depois.

    Vê lá tu, Quito, como o teu texto deu para falarmos de tanta coisa.
    É esse o grande mérito daquilo que escreves!

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  26. Por lapso disse que era o pai do Silvio Pélico, mas na realidade era o do avô.

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  27. Acabo de voltar a este cantinho e relembrar-me nomes do passado, alguns cujo o nome não me esqueceu mas já não os estou a ver. Também andei no D. João de Castro no tempo em que o director era o Dr. Queiroz que se notava alguma brincadeira na sala, aumentava imensamente a voz e continuava sem ter saído do assunto. Como assim estava sempre em cima do acontecimento, nós tinhas-mos-lhe um respeito muito grande. Era bom professor.
    O ten. Teles Grilo, pelo que se dizia andou na guerra, foi feito prisioneiro dos alemães e conseguiu com um outro fugir para as linhas francesas. A única vez que me lembro dele ter falado de guerra foi quando um colega disse que estava gente a morrer na Europa com o frio e ele respondeu: "Rapaziiinho, com esse frio, neve e cheio de fome, andei eu só com a farda em cima e não morri". Nunca mais falou no assunto. Sei que muito mais tarde ao visitar uma casa em Coimbra, aonde havia uma porta no primeiro andar para o exterior a que ainda não tinham feito as escadas, abriu-a e caiu. Pois só partiu uma perna. Gostava do velhote.
    Boa Ventura de Sousa Santos é um homem que jamais esqueço. Deu-nos uma vez uma aula de geografia, penso que a substituir outro colega, já não estou certo pois era nosso professor noutra matéria. Explicou-nos como pela localização geográfica, altitude e mais uns aconchegos como estar perto do mar, polos, etc, podíamos saber o que se daria nesse local se fôsse explorado. No meio disso, falou do Canada e disse que aqui se via a vegetação crescer. Já estão a ver, a malta a gozar: olha a vermos a vegetação a crescer :):):), e durante uns dias foi a conversa. Pois é, não se vê mas nota-se. O inverno, com a neve e o gelo mata a bicharada toda que anda à superfície. As minhocas vão em profundidade à procura do calor e fazem autênticas galerias que permitem uma oxigenação excelente da terra. Assim, quando começam a plantar ou a semear após o degelo, desenvolve-se tudo muito depressa. Fiz uma experiência com beterraba e em duas semanas o grêlo tinham crescido 17 cms. Nada de gozos. Quanto à localização dos produtos agrícolas, é verdade: em plenos locais de neve e gelo na época fria, apanham-se boas uvas!!! A Da. Sara, se ainda era a mesma pessoa de quem o Quito fala, magra e sempre de bata preta, com paciência para nos ouvir, penso que era tia do Manito.
    Lembram-se de quando roubaram o badalo da sineta e os ponteiros do relógio do D. João III? O reitor piquinino andou de sala em sala a dizer que se apanhava os responsáveis por tal acto, iriam em tribunal. Saímos do liceu e subímos até à ladeira dos loios para irmos para o bairro. Antes de chegar à Av. Dias da Silva, à esquerda ficava a Real República Boa-Bay-Ela e tinha um anúncio na porta aonde se podia ler :
    "Aluga-se
    Ponteiros do relógio em bom estado.
    Badalo de sineta com bom som."

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  28. Os comentários a esta postagem "DA SAUDADE" têm sido uma delícia!!!
    Como não tive o prazer de cabular no D.João III /filho de pai pobre deve estudar em Colégio!)...não tenho granders episódios Silviópélicos ou outros para contar!
    De comum tinha apenas as jogatanas no Santa Cruz, e os matrecos no "monstro " na praça da Républica!
    Já em tempos anteriores expliquei qual a razão porque tive de estudar em colégio e não no LIceu!
    Primeiro no São Paulo, que ficava no Bairro Sousa Pinto e no terceiro ano passei para o São Pedro.
    Fiz a 4ª classe com "aprovação" em Penela "Aprovação" era para a generalidade dos alunos da 4ª classe e "Distinção" para os crakes!
    A minha sapiência na aritmética e muito por causa dos problemas das torneiras e dos combóios, não deu para mais!
    Chegado o fim de ano, meu pai perguntou ao professor se eu estava em condições de fazer a admissão ao Liceu!
    O professor-ex seminarista - a quem eu fazia o almoço, setenciou:
    Não senhor Manuel, o seu filho é melhor fazer particularmente mais um ano comigo, para ir bem preparado!!!(o gajo estava a lembrar-se do almoço...!)
    E assim foi.
    Andei lá mais um ano a levar na cabeça por causa dos problemas e...lá fiz a amissão ao Liceu!!Comeu um bruto cabrito de Sicó no final do ano, mais o que escorria todos os meses!
    Mas o meu pai bem se "lixou", porque já não tinha idade para ir para o Liceu.Tinha que ter entrado no ano anterior! E como era magro e raquítico e não podia ficar a semear e sachar batatas( por conselho médico), lá vim para Coimbra para casa dos meus tios na rua H e estudar no São Paulo que era mais baratinho!!! Resultado: meu pai teve que emigrar para Moçambique...
    Ainda fiz umas cadeiras do 7º ano(ou por outra , tentei!Acho que só passei a "Organização Politica"!!!
    No campo de Santa Cruz algumas vezes aconteceu-me chegar a casa sem o casaco e ter que lá voltar(sempre a pé pelos Lois ou Cidral buscar o casaco...

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  29. Isto de andar a meter cunhas ao médico e dizer que está doente para a apanha da azeitona...
    Franzino... e eu que o via como um homem muito alto.
    O respeitinho era muito lindo.

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  30. Por casualidade, voltei aqui. Julguei que já se tinha fechado a torneira das memórias ...
    Conforme já disse, o Dr.Queiroz não era para brincadeiras. Foi muito perseguido politicamente pelo antigo regime e teve que trabalhar até muito tarde, para ter uma pensão de reforma um pouco melhor. Mas era muito duro para com os alunos. Andava no Jardim da Sereia, à nossa procura, e nós sentados nos bancos do dito a "confraternizar" com as meninas do Alexandre Herculano. Mas tinhamos o nosso instinto de defesa. Um de nós, ficava de sentinela à entrada sul do Jardim e nesse dia não "jogava" por solidariedade para com os outros ...
    Chico
    Essa da beterraba e dos 17 centimetros(nada de gozos) até me deixou vesgo ...
    Até fui buscar uma régua para medir.
    Vou começar a importar paletes de frascos de beterraba do Canadá. Sabes, aqui a população está a ficar cada vez mais idosa ...

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    1. Não sei porque é que o Dr. Queiróz deixou de ser o director. No que respeita ao Jardim da Sereia, o Dr. Queiroz não teria ele medo que os amigos da onça se aproveitassem disso para lhe fechar o colégio? Nesse colégio um grande número de professores tinham ideias opostas ao regime como a Da. Judite Abreu, que é de quem me lembro o nome. Penso mesmo que uma vez os levaram a tribunal mas já me faltam os nomes. Foram todos meus professores. O colégio estava muito vigiado pois eu também ia até à sereia e quem lá andava ao meio dia no braço que vinha até à rua do colégio em frente da penitenciária, era o Saquete com um cãozinho branco muito bonito e uma namorada que comparada com ele, era uma garota. Muita gente não o conhecia mas o Abreu, filho da Da. Judite, avisou-me quem ele era e para eu ter cuidado.
      Bem... aqui os médicos dizem-nos para comermos muitos legumes...

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    2. Quito

      Esqueci-me de te dar os parabéns por este artigo. Deu pano para mangas.
      Um abraço.

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  31. Bem Chico, está na hora de fechar este caudal de saudade.
    Parabéns mereces tu, que tens uma memória de elefante ...
    Fizeste-me lembrar coisas, que já andavam perdidas para sempre, nos labirintos da minha memória ...
    Toma lá um abraço

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