quarta-feira, 18 de setembro de 2013

Anjo sem nariz na baixa de Coimbra

Na Rua Ferreira Borges, quase em frente ao Arco de Almedina, está a «Zunita», uma loja de artigos em cabedal e em cortiça de um colega de curso e amigo meu, o Mário Cardoso (há pouco tempo, estudei com ele um projecto de instalação da minha colecção no rés do chão deste prédio mas o espaço era demasiado pequeno).
Há dias, a porta do prédio estava aberta e reparei que, ao fundo do corrimão das escadas, em madeira, estava uma figura curiosa...


... uma criança (um anjo?) esculpida em madeira:


Na falta do nariz da criança, o Quito trouxe-nos um poema do Bocage:

"Nariz, nariz e nariz,
Nariz, que nunca se acaba;
Nariz, que se ele desaba,
Fará o mundo infeliz;
Nariz, que Newton não quis,
Descrever-lhe a diagonal;
Nariz, de massa infernal,
Que, se o cálculo não erra,
Posto entre o Sol e a Terra,
Faria eclipse total!"

Barbosa du Bocage

O Rui Felício não gosta de ver poemas sem companhia e trouxe este, de Bernardo Guimarães (o poema completo, escrito em 1858 no Rio de Janeiro, é bem longo e está aqui):

"Cantem outros os olhos, os cabelos
E mil coisas gentis
Das belas suas: eu de minha amada
Cantar quero o nariz

Não sei que fado mísero e mesquinho
É este do nariz
Que poeta nenhum em prosa ou verso
Cantá-lo jamais quis."

Bernardo Guimarães

O Alfredo Moreirinhas pegou no nariz e escreveu (assim de repente) um poema:

"ODE AO NARIZ
daquela menina

Mas que nariz tão bonito
Que tem aquela menina
Se assim for o seu pito
Amá-la é a minha sina

Não deixo de me lembrar
Quão belo é seu nariz
E dou por mim a pensar
Naquilo que seu corpo me diz

E sempre que olho p’ra ela
Bela como a flor-de-lis
Eu gosto é do corpo dela
Quero lá saber do nariz!"

Alfredo Moreirinhas
Aveiro, 18 Set 2013

A Celeste Maria puxa dos seus galões de professora e põe o Alfredo a um canto:

"Alfredo

Pito com nariz?
Não condiz!

Pia o pito,
Pinga o nariz.

Assoa o nariz,
Meu petiz.
Ainda és aprendiz..."

Celeste Maria

Como o Alfredo não é homem para ficar encostado a um canto...

"No que diz respeito ao nariz
Concordo, sou aprendiz.
Mas se o tema for o pito
Não sei se falo ou se grito
Mas não posso ficar calado
Pois nesse tema sou doutorado"

Alfredo Moreirinhas

O Carlos Viana ode-o (isto é, faz-lhe uma ode):

"Se no pito és doutorado,
Tens de rever a «sebenta»
Engenheiro bem humorado
A caminho dos setenta..."

Carlos Viana

O Rui Barreiros foi buscar à Roma antiga um poema de Caio Valério Catulo, que o Carlos Viana não entende por não conhecer a Lésbia:

"Salve, ó jovem, que não tens um nariz muito pequeno
nem uns lindos pés, nem uns negros olhinhos,
nem uns dedos afinalados, nem uma boca delicada,
nem sequer uma linguagem bem aprimorada,
ó amiga do falido de Fórmias.
será que a província afirma que tu és bela?
contigo a nossa Lésbia é comparada?
ó geração de mau gosto e grossa."

Caio Valério Catulo

Poderíamos continuar quase sem fim à vista (por exemplo, com o poema «A um nariz», do brasileiro Luiz Gama). Mas não quero que vos chegue a mostarda ao nariz.
Para vos dar música, deixo-vos o poema «A una nariz» de Francisco de Quevedo, musicado e interpretado por Crispín d'Olot:


Para a Olinda conseguir dormir, teve que escrever isto (e ainda bem):

"Eu gosto de catar o mínimo e o escondido.
Onde ninguém mete o nariz, aí entra o meu,
com curiosidade estreita e aguda
que descobre o encoberto."

Machado Assis

O Carlos Viana, muito senhor do seu nariz, fez um poema-acta desta reunião de amigos:

"Foi assim que tudo começou:
Ao fundo do corrimão da vetusta escadaria
Estava uma curiosa figura.
Seria anjo ou criança, esculpida em madeira.
Coisa simples que alguém observou,
Percebendo-lhe a tristeza e a melancolia.
Corroída pelo tempo, via-se-lhe a amargura,
Julgava-se abandonada, e destinada à lixeira.
Mas eis que mão sensível a salvou,
Devolvendo-lhe a vida e a alegria
E que por este meio a eternizou.

A minha dúvida: Será que esta "coisa" da net é eterna?"

Carlos Viana

28 comentários:

  1. Não seria Nariz de Pau Santo atacado por caruncho ateu?

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  2. Uma bela figura, mas por esse corrimão não podemos escorregar!...

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  3. Meteu o nariz onde não devia...Pumba,castigo de Deus!

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    1. Mas é uma pena não ser restaurado!

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    2. Podiam por-lhe um nariz de Pinóquio e servia de cancela para vedar a passagem a mentirosos.

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  4. Nariz, nariz e nariz,
    Nariz, que nunca se acaba;
    Nariz, que se ele desaba,
    Fará o mundo infeliz;
    Nariz, que Newton não quis,
    Descrever-lhe a diagonal;
    Nariz, de massa infernal,
    Que, se o cálculo não erra,
    Posto entre o Sol e a Terra,
    Faria eclipse total !

    Barbosa du Bocage

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  5. Bernardo Guimarães não conheceu certamente Barbosa du Bocage que em boa hora o Quito aqui nos trouxe.
    Senão não teria escrito esta poesia que aqui trago:


    Cantem outros os olhos, os cabelos
    E mil coisas gentis
    Das belas suas: eu de minha amada
    Cantar quero o nariz

    Não sei que fado mísero e mesquinho
    É este do nariz
    Que poeta nenhum em prosa ou verso
    Cantá-lo jamais quis.

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  6. Por causa de um nariz (ou da falta dele) se traz para o blog um recanto de poesia. Esta de Bernardo Guimarães eu não conhecia. Mas é belo. Uma feliz escolha do Rui Felício.

    Nunca a criança de madeira da "Zunita", de nariz roído pelo tempo ou pelo caruncho, pensou ser tão mimada, por tão ilustres poetas. Merece. E, já agora, o autor da fotografia também ...

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  7. Bem bonito sem dúvida!!!
    Se por acaso pudesse ficar com ele, ou se já estivesse em minha posse, eu bem sei aonde o metia....não o nariz, mas esta admirável peça em madeira!
    Para mim é francamente bonita!

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  8. ODE AO NARIZ
    daquela menina

    Mas que nariz tão bonito
    Que tem aquela menina
    Se assim for o seu pito
    Amá-la é a minha sina

    Não deixo de me lembrar
    Quão belo é seu nariz
    E dou por mim a pensar
    Que é o corpo que sempre quis

    Sempre que olho p’ra ela
    Bela como a flor-de-lis
    Eu gosto é do corpo dela
    Quero lá saber do nariz!

    Alfredo Moreirinhas
    Aveiro, 18 Set 2013

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    1. Genial!
      Alfredo, um beijo de parabéns por tão original e sensual poema...
      Manda o ginecologista dar uma volta ao bilhar grande.

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  9. Qual Guimaraes, qual Bocage?
    O Alfredo deixa os a um canto, com licença do Sr. Ginecologista, claro...

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  10. Alfredo

    Pito com nariz?
    Não condiz!

    Pia o pito,
    Pinga o nariz.

    Assoa o nariz,
    Meu petiz.
    Ainda és aprendiz...



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    1. No que diz respeito ao nariz
      Concordo, sou aprendiz.
      Mas se o tema for o pito
      Não sei se falo ou se grito
      Mas não posso ficar calado
      Pois nesse tema sou doutorado

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    2. Se no pito és doutorado,
      Tens de rever a "sebenta"
      Engenheiro bem humorado
      A caminho dos setenta...

      Ehehehehehehehe....

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    3. Boa malha, Celeste Maria.
      O nosso menino Alfredinho devia estar a pensar em pito de caril. Aí sim, é doutorado!

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  11. Poema de Caio Valério Catulo:


    Salve, ó jovem, que não tens um nariz muito pequeno
    nem uns lindos pés, nem uns negros olhinhos,
    nem uns dedos afinalados, nem uma boca delicada,
    nem sequer uma linguagem bem aprimorada,
    ó amiga do falido de Fórmias.
    será que a província afirma que tu és bela?
    contigo a nossa Lésbia é comparada?
    ó geração de mau gosto e grossa.


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    1. Chiça!
      Tens de me explicar isto mais pormenorizadamente!
      Sabes que eu sou lento...

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  12. "Eu gosto de catar o mínimo e o escondido.Onde ninguém mete o nariz,aí entra o meu,com curiosidade estreita e aguda que descobre o encoberto."
    de Machado Assis

    Retrato-me lindamente nesta frase.
    Se não escrevesse isto nem dormia!!!

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    1. Linda Olinda, será que eu ainda não consegui dormir porque não escrevi isso?
      Ou será que não consigo dormir porque não comi uns carapaus fritos ao jantar?!...
      Um beijo, querida amiga.

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    2. Foste para o "pica-pau"...agora os carapaus cairam que nem ginjas!
      Beijo,Carlos.

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  13. Foi assim que tudo começou:
    Ao fundo do corrimão da vetusta escadaria
    Estava uma curiosa figura.
    Seria anjo ou criança, esculpida em madeira.
    Coisa simples que alguém observou,
    Percebendo-lhe a tristeza e a melancolia.
    Corroída pelo tempo, via-se-lhe a amargura,
    Julgava-se abandonada, e destinada à lixeira.
    Mas eis que mão sensível a salvou,
    Devolvendo-lhe a vida e a alegria
    E que por este meio a eternizou.

    A minha dúvida: Será que esta "coisa" da net é eterna?

    Meus bons amigos, desculpem-me mas apeteceu-me interagir convosco. Só isso.
    Para todos o meu abraço.

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  14. Bem hajam todos.
    Espero que tenhas dormido bem, Olinda.
    Carlos Viana, criaste um poema-acta.
    Para quem ainda não reparou, acrescentei os vossos poemas ao post... com mais algumas coisinhas (inclusivamente uma música).

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    1. Bem hajas São Rosas pela tua criatividade e a capacidade enorme de nos pôr a interagir.
      É mais um motivo para te amar mais e mais!

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    2. Chiça, Olinda, que sabes deixar uma gaja toda molhadinha!

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    3. Modinha para Olinda
      Se Dorival Caymmi fosse do Bairro

      "Quando eu vim pra esse Bairro
      Eu nao atinava em nada
      Hoje eu sou a Olinda
      Olinda he! meus camaradas
      Eu nasci assim, eu cresci assim
      Eu sou mesmo assim
      Vou ser sempre assim
      Olinda, sempre Olinda
      Quem me baptizou, quem me iluminou
      Pouco me importou, é assim que eu sou
      Olinda, sempre Olinda
      Eu sou sempre igual, não desejo mal
      Amo o natural, etecetera e tal
      Olinda, sempre Olinda"

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