Chamemos-lhe Manuela. Quando a Doutora Manuela subiu a escada, engoliu em seco e entrou na sala. Inspirou, espirou, suspirou, pendurou a carteira num cabide, colocou o compêndio de História no tampo da mesa e sentou-se de lado na secretária, como uma donzela desprotegida, a defender-se dos olhares de cão perdigueiro dos galfarros. Ela, a Manuela, professora de rosto suave, teve dois azares na vida: o primeiro, foi ter ficado viúva muito cedo; o segundo, foi ter sido escalada para dar aulas naquele antro de matulões.
Ela, a docente, já tinha sido avisada na sala dos
professores, da qualidade dos alunos. De alguns alunos. Também na sala de aula, havia
lugares marcados, conforme as expectativas dos discentes.
Nas carteiras da primeira fila, os graxas, que lambuzavam os professores, com sorrisos e perguntas por vezes a roçar o untuoso. Depois, quatro ou cinco filas de carteiras de indiferenciados, que davam atenção às aulas conforme estavam de boa ou má catadura. No fundo, as galerias, que até dava para ler jornais desportivos, almanaques do Tim - Tim e comer pevides do Pianinho.
Nas carteiras da primeira fila, os graxas, que lambuzavam os professores, com sorrisos e perguntas por vezes a roçar o untuoso. Depois, quatro ou cinco filas de carteiras de indiferenciados, que davam atenção às aulas conforme estavam de boa ou má catadura. No fundo, as galerias, que até dava para ler jornais desportivos, almanaques do Tim - Tim e comer pevides do Pianinho.
Ela, a docente, trazia a lição bem estudada e que assentava
em dois pilares fundamentais:
Primeiro: não mostrar os dentes aos matulões, não dando
qualquer confiança ao maralhal ;
Segundo: mostrar distanciamento perante a turma, tratando os
alunos por “Senhores”;
Por exemplo:
- O Senhor aí atrás, diga-me quem é Robespierre?
Mas que pergunta mais escusada, lá para o fundo da galeria!
Só se for o novo ponta de lança do Bordéus, do Lille ou do Marselha …
Na fila da frente, os escovas, roçavam o traseiro nas
carteiras, desejosos de brilhar. O André, o mais velho da turma, ajeitava os
óculos na esperança de poder vomitar a resposta:
- Ó Senhora Professora, Robespierre foi uma figura muito
importante da Revolução Francesa, foi membro do Clube dos Jacobinos, da ala
mais radical dos revolucionários …
Bingo ! Acertou !!!!!!!
Ela a professora, mantinha um ar distante, apesar de lhe ter
agradado a resposta.
Três longos dias, durou o braço de ferro. O deslize foi no
dia em que, desastradamente, a Dona Manuela se esqueceu do compêndio de
História em casa.
Pediu um emprestado e o livro do Mendes rapidamente passou de
mão em mão lá do fundo da sala, até que aterrou em cima da secretária dela. A Dona
Maria Pia com a cara da Pata Margarida colada em cima e recortada de uma
revista do Tio Patinhas não cabia na cabeça de ninguém. Camões com a cara de um
dos irmãos Metralha … francamente … só tudo corrido a vara de marmeleiro !!!
Ela, a professora, surpreendida, desatou às gargalhadas e o
caldo entornou-se. Nunca mais teve mão na turma.
Mas a maior surpresa, veio um dia da fila da frente.
Exatamente aquela dos politicamente corretos. Dois irmãos gémeos, lá dos lados
de Arganil, ocupavam as carteiras, mesmo em frente da secretária da professora.
Um dia, um dos irmãos teve positivo num teste, e o outro
negativo. Um drama ! A Dona Manuela, então, debruçou-se da secretária e deu o teste
negativo ao aluno e disse com voz imperativa:
- O Senhor leve o ponto ao seu encarregado de educação, para
ele tomar conhecimento e assinar …
Ato contínuo, o aluno passou o ponto ao seu gémeo que,
puxando da caneta, rubricou o exercício …
Ele, perplexa, perguntou de uma forma agreste:
- Que está a fazer ?! ... é para o encarregado de educação
assinar …
A resposta foi imediata:
- Senhora professora, nós somos o encarregado de educação um
do outro...
E o caldo entornou-se outra vez. Tinha acabado o reinado
breve da Doutora Manuela, queimada na pira fumegante dos mais extravagantes
alunos …
Quito Pereira
A Doutora Manuela devia pedir ajuda ao Pulga que ele metia os galfarros na linha!...
ResponderEliminarCom o Pulga, ia tudo varrido à estalada, Alfredo ...
EliminarEu conheci alguns,Amílcar, Balhau Pinheiro ,etc.
ResponderEliminarTudo bons rapazes.
Tudo malta da catequese, Tonito !
EliminarNo 1º ano só andei até ao Natal, sendo trans ferido para o Liceu Camões/Lisboa mas ainda levei um estouro do PULGA, "só" três meses no D. João III e vim embora com o "selo"!!!
ResponderEliminarFernando AZENHA
No meu tempo e em colégio, quando nos iam matricular os pais-encarregados de educação- delegavam logo no director do Colégio essa responsabilidade!
ResponderEliminarE assim, quando havia problema, de cábula ou de mau de mau comportamento, eram chamados ao gabinete do director, que fechava a porta e tratava do assunto, sem ser necessário incomodar o encarregado de educação!!!
Mas a tua abordagem ao comportamento dos alunos "reguilas", que sempre houve em qualquer turma fosse do liceu ou colégio, deixa perceber que a relação aluno/professor era muitas vezes complexa, sobretudo se o professor/a não se impunha logo de inicio.
Enfim "estórias" que são sempre saborosas de relembrar por quem por elas passou, algumas delas têm em comum episódios com gémeos!
E do nooso tempo também mete pevides, seja com o pianinho ou com o calmeirão
E como lhe sabes dar um cunho pessoal de escrita ainda mais "saborosas" ficam
Gosto!
Eles deviam ter passado pela minha avó, Professora Claudina...
ResponderEliminarEssa da responsbilidade mutua, não lembraria a ninguém. Fartei-me de rir. Bem começado, melhor acabado.
ResponderEliminarBoa estória e, como sempre, bem contada. Essa da responsabilidade mutua, como diz o Chico Torreira, está muito "bem apanhada" e também me fez rir.
ResponderEliminarCoisa que, nestes tempos difíceis, é o único luxo que não paga imposto.
Toma lá aquele abraço.
Nunca tal desfecho me passaria pela cabeça!
ResponderEliminarO Quito lembra-se de estórias que esqueceram ao diabo!