Companheira da noite ...
Apenas a luz pálida da aldeia, derramada pela encosta,
orienta o meu caminhar. Por uma estrada estreita, vou circulando por entre
terrenos de cultivo, enquanto ao longe, o relógio da torre do povoado, vai
batendo espaçadamente as horas. São sete da tarde, deste dia invernoso. Há
muito, que a escuridão embrulhou Juncal do Campo num manto de silêncio. E de solidão.
Entrado pelo lado sul, deparo ao meu lado direito com uma sóbria capela, de traça
simples e paredes alvas. Lá dentro, um pequeno altar em talha dourada e uma
imagem de Nossa Senhora de Fátima. Também de São Simão, padroeiro da aldeia. O
chão, é atapetado de lajes escuras. Por uma pequena escada, em cimento, sobe-se
para um balcão. É o local onde os homens assistem à missa. De chapéu colado ao
peito, amontoam-se em espaço exíguo, cumprimentando-se em surdina ou com uma
vénia. Lá em baixo, as mulheres cantam em Louvor Do Senhor, de garganta
esganiçada e o sotaque bem vincado da Beira – Baixa.
Estrategicamente colocadas, duas jarras de flores vistosas. No
meio do altar, de braços abertos e olhos cerrados em oração, o padre. Os seus
paramentos avantajados, dão-lhe uma dimensão quase irreal, naquele corpo
pequeno e atarracado. São as idosas da aldeia, que compõe o altar.
Todos os dias, em passos de sombra, entram na capela e a
alindam para a cerimónia religiosa. A chamada para a celebração, faz-se pelo
som metálico do pequeno sino da singela torre. É um toque curto e frenético, de
quem, com devoção e anos a fio, dedilha o entrelaçado da corda atada a um
pequeno badalo, que é a voz dos crentes.
Nestas noites agrestes, algumas mulheres comparecem, nos dias de semana, embrulhadas nos seus xailes negros, com que ocultam o rosto do frio intenso. Vêm em grupo, cosidas contra os muros da aldeia, em passo apressado. Do lado esquerdo da rua, uma fila de casas modestas, mas bem cuidadas. Também enormes portões, que dão acesso a largos pátios, onde se guardam as alfaias agrícolas. E cães, presos a correntes de ferro, ladrando sempre que algum transeunte se aproxima.
Nestas noites agrestes, algumas mulheres comparecem, nos dias de semana, embrulhadas nos seus xailes negros, com que ocultam o rosto do frio intenso. Vêm em grupo, cosidas contra os muros da aldeia, em passo apressado. Do lado esquerdo da rua, uma fila de casas modestas, mas bem cuidadas. Também enormes portões, que dão acesso a largos pátios, onde se guardam as alfaias agrícolas. E cães, presos a correntes de ferro, ladrando sempre que algum transeunte se aproxima.
Trepo agora o morro, por uma estrada sinuosa e empedrada. Do
alto da povoação, da minha janela privilegiada, alargo a vista sobre as montanhas
e, naquele palco negro, apenas diviso as cerca duas dezenas de luzes vermelhas
das turbinas eólicas, semeadas pela Serra da Gardunha. Dali ao Freixial do
Campo, é um passo. A rua principal, acanhada e escura, confunde-se com o casario.
Não se vê vivalma. Somente o clarão da taberna do João, debita para a rua uma
luz desmaiada. Lá dentro, o taberneiro, na sua escuridão permanente de
invisual, herói anónimo das infelicidades da vida.
Depois, o regresso ao Salgueiro do Campo. A luz fraca do
carro, faz-me circular em cadência lenta. Não estou sozinho. Apuro a vista e
uns olhos brilhantes observam-me do meio da estrada. É um animal bravio. Em
passo estugado, desaparece por entre as silvas de uma barroca. É uma raposa.
Reconheço-a pela cauda majestosa. Sorri-o e, mentalmente, saúdo a minha
companheira da noite, que, tal como eu, percorre e habita os caminhos do
silêncio e da solidão.
Quito Pereira
Ainda não li por causa do almoço.....
ResponderEliminarMas vou deliciar-me a ler depois de vir do cabeleireiro!
Tempo houve que calcorreámos juntos estes caminhos ... e com muitas histórias para contar ...
ResponderEliminarDá para seguir todos os passos e até "vi" a cauda farfalhuda da companheira de tais caminhos.
ResponderEliminarGostei muito!!
Fiz o mesmo percurso contigo como em Penela estivesse...A similitude entre o que nos dás a conhecer e o que vivenciei na minha terra,ainda criança, é grande do princípio ao fim!
ResponderEliminarApenas a minha companheira era a minha Mãe.
A memória afectiva despertou em mim e foi bom,Quito.
Quito, se estivesses a estudar, terias alergia às raposas.
ResponderEliminar1, 2, 3 experiência...
ResponderEliminarHá Salgueiros inspiradores!
ResponderEliminarCalcorreei os caminhos, muito teus, Quito, e nem a raposa me assustou... apesar de a imaginar grande e feroz.
Na minha terra as raposas, como diz o Paulo, só nos exames!
A Teresa ficou aprovada na experiência!
Fotografia e tudo como manda a lei.
Bem vinda amiga "Tekas".
Mais um passeio com o Quito aonde tudo nos salta aos olhos. Acho curioso a situação de os homens irem para o balcão e as mulheres em baixo. Conheçia a divisão física no local de culto entre homens e mulheres nas relegiões Mulçumana e Judia mas não na nossa. Aprender até ao fim.
ResponderEliminarRealmente é assim, meu caro Chico. Um balcão, para onde se sobe por uma escada de degraus em cimento, que dá acesso a um pequeno compartimento no fundo da igreja. Aí se juntam os homens. Cá em baixo, ficam as mulheres que cantam e seguem com devoção a missa. Os mais velhos, são fervorosamente religiosos ...
EliminarFiquei admirado pois nas relegiões que descrevi acima são as mulheres que ficam atrás ou mesmo noutro local e como tal considerado descriminação da mulher. Os homens ficam bem à frente. Derivado a isso já há algumas mesquitas que dividem a sala ao meio no sentido longitudinal. Põe as mulheres de um lado e os homens do outro. Desconheço se o lado tem influência. Fusos diferentes.
EliminarPara os meus lados de Penela as igrejas, pelo menos as duas principais, mesmo da Vila, São Miguel e Santa Eufémia, cada uma delas tem uma parte, num primeiro andar, logo no inicio da porta principal, que se chama " O CORO".Neste coro a assistir à missa só ficava homens(não obrigatòriamente?) e nas missas mais solenes a filarmónica que acompanhava a missa! Era para onde eu ia normalmente!
EliminarEm Caria também era assim. Homens e, em dias de festa, a Banda Filarmónica de Caria, iam para o "coro". Ou então, em alternativa, ficavam de ambos os lados do altar.
EliminarE é aqui, não nos caminhos, mas sentado em frente ao computador, no silêncio e na solidão da noite que li e vou relendo este teu texto!
ResponderEliminarTambém em pensamento te acompanhei nesta tua viagem e compreendo bem que a solidão que se sente nesses lugares de casas, ruas e pessoas tristes, acabe também por a sentires e te permite transmitir a quem te lê, entrar nessa realidade, sentindo-a como se estivesse aí a teu lado!
Abraço
Cá vou colaborando, meu caro Rafael. Esta é uma outra realidade de Portugal. Admito que não será uma colaboração que desperte grande interesse, mas quem dá o que tem ...
EliminarSabes como agradeço a tua colaboração, tanto mais que agora abdicaste das ajudas de cus(t)po!
EliminarEste assunto tem sido tema das nossas conversas nas manhãs de sábado na pastelaria
Vasco da Gama e que por enquanto quero aproveitar o título desta tua postagem...para um dia mais tarde trilhar um outro caminho!
Também te saúdo Quito pois tu és um amigo muito especial, pois ,de entre todos, que se propuseram a dar colaboração neste projecto têm falhado o que é uma pena...
EliminarMas o que importa é que a Amizade não será beliscada por tal!
Beijinho,Quito.
EliminarNão ninguém falhou durante a validade do projecto-os 5 anos dos diversos Encontros de Gerações.
O Blog agora é apenas mais um entre tantos e que eu pessoalmente, como seu fundador/Editor, manterei enquanto tiver capacidade para tal, indo dando notícias do nosso Bairro e de Coimbra e mantendo algumas noticias sobre amigos, caso sejam autorizadas!.Mas sempre aberto, como até aqui a pontuais colaborações dos amigos, claro!
"Admito que não será uma colaboração que desperte grande interesse"...
EliminarComo se diz na minha terra, ó marmelo... lá estás tu com o teu excesso de modéstia. Há textos (como há imagens) que não precisamos de comentar para mostrarmos que as apreciamos (no Facebook, o patrão daquilo foi espertalhão e criou o botão "gosto"). Se assim não fosse, ninguém escrevia para jornais... òvistes?
Atão e eu não sei disso!
EliminarNão me queixo( será que vem de queixal...?) só quis entrar na conversa e constatar a realidade de que falas em relação ao face book e blogues! Naquele pode-se clikar no "gosto" sem sequer se abrir...
Ó outro marmelo, o marmelo que disse "Admito que não será uma colaboração que desperte grande interesse" não foste tu, foi o Quito. O que eu disse foi para esse marmelo.
EliminarMas que grande marmelada !!!
Eliminartens razão: mas como escreveste marmelo e como sabes eu nos marmelos/salamancas sou especialista...percebes?
EliminarMas o marmelo que agora me dedicas envio também para Salgueiro do Campo.
Os dois juntos ficam melhor no campo!
...se fosse marmelada, de mal o menos!
EliminarNão sei quem é o Melo que deu o nome ao Mar Melo...
EliminarQue bom estar a viver por alguns momentos ,o que os nossos amigos São e Quito vêm e sentem Salgueiro do Campo.É bom sentir estas sensações que milhares de pessoas vivem o dia a dia, muitos deles com as mais diversas recordações,de todo o tipo........Obr Quito
ResponderEliminarMas queria em aviso recordar Quito,se vais com o teu carro á inspeção,e as luzes estão fracas,chumbas e tens que lá voltar outra vez....abraço
Uma belíssima prosa poética a que o Quito já nos habituou!
ResponderEliminarMas o que andavas tu a fazer por esses lugares, a essas horas, em vez de estar em casa ao quentinho da lareira?...
A função da farmácia, é muita vezes ignorada e até incompreendida na sua generalidade. Nas aldeias, a farmácia tem uma função social, longe do olhar dos grandes centros. Aqui não há horas. Uma população muito envelhecida, em aldeias paradas no tempo, mesmo que relativamente perto da cidade ( cerca de 2O Km), anseiam por quem lhes preste auxílio. Muitos, sem os filhos por perto, é na boa vontade de muitos que têm o que necessitam, medicação incluída. Tempos houve, em que um idoso esperava uma semana pela chegada de um antibiótico que alguém por favor lhes traria da cidade. Em Sobral do Campo, por exemplo, isto acontecia. Muitas vezes, inúmeras vezes, a medicação que se leva não paga o preço do gasóleo. Mas não é por isso, que a farmácia se demite da sua função social e de ajudar. Por vezes, no inverno, é já noite cerrada que se anda por esses caminhos, em auxilio a quem necessita. Não é muito raro ver-se raposas e até, com menos probabilidade, javalis. Já percebes agora, meu caro Alfredo, porque nem sempre se pode estar à lareira ?
EliminarAbraço
Gosto.
ResponderEliminarTonito.
Tarde e a más horas aqui venho.
ResponderEliminarE o Quito não merece o meu descuido...
Mas os seus textos são intemporais e nada perdi com o atraso:
Que outro, senão um grande Autor, saberia transpor as imagens que nos descreve para uma escrita de fantasia que nos leva a palmilhar os mesmos recantos que ele percorre?
Com ele, as palavras são rigorosas, dáo asas à fantasia, sem ocultarem a realidade.
"...a escuridão embrulhou Juncal do Campo num manto de silêncio..."
"...Vêm em grupo, cosidas contra os muros da aldeia..."
"...Os seus paramentos avantajados, dão-lhe uma dimensão quase irreal..."
São pequenos excertos que mostram que escrever parece fácil, mas que não é...