Também não houve quanto ao destino. Sito, desde 1923, na Rua Larga,
na esquina da Rua de São João, O PIRATA foi resistindo às demolições, só dali saindo bastante tempo depois de o Jesuíta ter ido não sei para onde. Esta situação deu lugar numa picaresca cantiga à volta da ALTA em derrocada, aos seguintes versos:
Foi-se o Jesuíta
E foi uma fita
P´ró pôr a cavar de lá
E o velho Pirata
Com a sua lata
Vai ficando aonde está!
Não ficou para sempre, claro. Daquele lugar onde travara com o seu figadal inimigo a “guerra do Champanhe”, foi-se para a rua dos Estudos.
Parece-me interesse recordar aqui a cantilena que nasceu do fogo do Governo Civil, ao que se dizia mandar deitar pelo Governo já que entravava as megalómanas obras que se queriam fazer na ALTA. Aí vão, com a minha gratidão a minha irmã Maria Beatriz, que deles se lembrava ainda:
Já toda a cidade
P´ra falar verdade
Anda em grande revolução,
As casas da ALTA, Que eram da Malta,
Já estão no chão
Foi-se o Jesuíta
Mas foi uma fita
P´ró pôr a cavar de lá,
E o velho PIRATA, com sua lata
Vai ficando a onde está.
Refrão
- Querem acabar
Com a Lusa-Atenas
São obras que duram
Mil anos apenas.
Se isto continua
Ai! Meu Santo António!
Vai tudo p´ró manicómio
E o próprio fogo
Sabendo do jogo
Levou alguém no baril.
Mesmo sem malícia
Queimou a Polícia
Mais o Governo Civil
O pobre Leão
Lá está na prisão
Por causa do fogo posto
Mas ele não resiste
Neste fado triste,
Brincadeiras de mau gosto
Aí não teve sorte, já que o prédio ruiu em Outubro de 1939, segundo António José Soares. Daí, carpindo os prejuízos, foi para os Arcos do Jardim onde ainda o frequentei, Universitário já, quando vinha de fazer longas marchas de estudo da Avenida das Tílias no Botânico.
Escrever sobre o PIRATA daria um livro como outro se faria (ele o devia fazer) sobre o PICA, figura Académica que eu ligo à última geração do PIRATA e à que antecedeu a minha. Dele se podia dizer, como Gonçalves Crespo disse de João Penha, e outros poderiam ter dito do Pad Zé e de Castelão de Almeida – “Foi o último estudante de Coimbra”.
De uma figura destas não se fala a correr, é preferível pois não o fazer – registe-se apenas; que o merece o Pica, lado a lado com o Jaquim – creio que o primeiro se sentirá honrado e, o segundo, da terra da verdade sorrirá satisfeito, mas cautelosamente porá as barbas de molho…Até o diabo prega partidas, quanto mais o PICA!
Com a destruição da ALTA estava finalmente conseguido aquilo que o Reitor Basílio Alberto , por decreto, não conseguira – a extinção dos poisos de comer do Burgo Académico . A Alta é um deserto para quem chega esfomeado; a ALTA e a BAIXA, diga-se, se depois das dez for.
Hoje há apenas um Oásis – que não o é; O TROVADOR, à Sé Velha, que lhe fica em frente e me dizem bom; e, cá mais para cima, o Museu e o Califa de que não tenho inculcas favoráveis.
Não sei, em outro género de casas, se ainda existe o Velho – “Elvira Palace”, como lhe chamou o meu amigo Rogério, Pensão Familiar do Senhor Moura, na Rua do Norte, 25, onde bem se comia, excepto à segunda feira, já que D. Elvira, com banca de peixe na velha Praça aproveitava o que tinha. Desconheço também se ainda se mantém aberto ali para os lados da Rua do Loureiro, junto ao Arco, o simpático “Martins da Morte Lenta” - , cuja fama lhe vinha pela Sécia que era o nome de uma viva cadela que ela passava a vida a chamar: -Sécia! Sécia…! Sécia ficou mocita, que dizia com certa graça: -“ Não sei que ando aqui a fazer? Filha única e morgada…”… Comeu lá meu irmão, hoje professor desta Universidade e Faculdade, após nossa mãe morrer; com ele fui lá comer um dia, já com todo o curso feito – faltando-me tão s+o aquela malfadada tese e exame de licenciatura que, em Letras, era quase um repetir de curso. Conheci então Sécia. Meu irmão disse-lhe
- Ò Sécia, olha que aqui o meu irmão tem de ser bem tratado, é já doutor.
Sécia mirou-me de alto a baixo e irónica resmungou:
- Doutor!?...Uma espécie…!
Realmente, pobre Sécia, uma espécie de doutor era o que todos éramos e somos hoje, roídos pela saudade.
Longo e maçudo vou. Em meu favor apelo ao ANTO, nele confio, decalcando-o e deturpando-o:
Manuel, tens razão. Venho tarde. Desculpa.
Mas não foi ANTO, não fui eu quem teve a culpa.
Foi Coimbra. Foi esta saudade triste, triste.
A cuja influência a minha alma não resiste.
Guimarães/Coimbra
Outubro – 1988
(Revisão – Setembro 1989)
Continuo a gostar.
ResponderEliminarEu também.
ResponderEliminar" - Doutor!?...Uma espécie…! "
ResponderEliminar" Até o diabo prega partidas, quanto mais o PICA! "
Dois apontamentos deliciosos.
Figuras e factos que ajudam a escrever a história da cidade do início do século passado.
ResponderEliminarPodem continuar?