domingo, 22 de abril de 2012

A VIDA É UM TEATRO...(4º EPISÓDIO)


Autoria: PPP-Parceira Pública e Privada “QuitoFelicio”, de irresponsabilidade limitada
4º episódio
Decorre o intervalo da peça que está a ser representada no luxuoso salão…



A Condessa de Lousada levantou-se e percorreu a coxia em direcção ao "foyer", observada disfarçadamente pelos fidalgos da nobre assistência que sussurravam à sua passagem com trejeitos de admiração e acenos de cabeça, murmurando:
- Está tão morena! – dizia um, que depois esclarecia: Todos os anos vai de férias para as cálidas praias de Saint Tropez de onde vem com aquela tez sensual.
- Que idade terá ela? – perguntava-se outro
- Dizem que já tem quase 60 anos! – atirava outro ainda.
- Não creio meu Caro Visconde! Pelo aspecto não deve ter chegado ainda aos cinquenta. , contradizia o primeiro.

Atrás dela seguiam O Conselheiro Ferrão que escutava atento o irrequieto Conde de Azurva que defendia ardorosamente que um verdadeiro coche deve ser branco. Porque, asseverava ele:
- Só há três cores de coches, meu Caro Conselheiro!  Os brancos, usados pela nobreza com ancestrais pergaminhos, os pretos, que são próprios para carretas funerárias e os vermelhos que são os escolhidos para as pelejas desportivas de corridas de coches.
- Mas o meu coche é preto, amigo Conde! Devo considerar que essa côr é mais própria para carretas funerárias?!, questionava de sobrolho carregado o Conselheiro.

Mas o Conde de Azurva já enveredava  por outros caminhos…
- O mês passado fui ao Império do Meio. Tirando o plebeu Marco Polo, disseram-me que fui o primeiro nobre lusitano a pisar terras orientais. 
E em breve, embarcarei na Nau Catrineta em demanda do Império do Sol Nascente. Estou ansioso por olhar a flor de cerejeira a tremer ao vento.
- Mas por cá, junto à fronteira com Castella, também temos belas cerejeiras, lembrava-lhe o Conselheiro...

- De acordo, de acordo! , concedia o Conde de Azurva. Ainda há pouco tempo lá fui vê-las a convite do Regedor de Salgueiro do Campo. Mas não tremem como as do Império do Sol Nascente. Não têm nada a ver!
- Que orgulho deve ter Vossa Senhoria em espalhar a nossa fé e a da nossa Pátria por tão longínquas paragens!, confessava o Conselheiro.
E prosseguia:
- Mas olhe que eu não lhe fico atrás! Não há ninguém mais do que eu, tão conhecedor dos roteiros gastronómicos mundiais. Se hoje se come batata no nosso Reino a mim mo devem. Fui eu que trouxe uma saca de 25 Kgs das Américas o ano passado!

Aproximou-se deles a Condessa de Lousada já com um fute de champanhe na mão a borbulhar. Abanava-se freneticamente com um leque sevilhano e desabafou:
- Ainda bem que os encontro! Há tanta plebe aqui misturada com a nobreza! Até me chegaram uns calores que não sei se são dos nervos ou de outra coisa mais profunda.
O Conde de Azurva segurou-a delicadamente por um braço e o Conselheiro Ferrão pelo outro.
- Deveis descontrair-vos, Condessa!, sugeria-lhe o primeiro. Respirai fundo, levantai o diafragma! Assim aprendi com os indios dos Andes numa das viagens que fiz naquela cordilheira do outro lado do mar!
- Quereis que vos entoe alguma balada para descontrair? – perguntava-lhe sorridente o Conselheiro.
- Oh sim! Oh sim! Entoai algo, simpático Conselheiro! Talvez algo que me lembre a neve…, requeria a Condessa levantando o diafragma até quase ao pescoço, como lhe aconselhara o Senhor de Azurva.

O intervalo estava a esgotar-se...
Retornaram aos seus lugares onde tinha permanecido sentado, pensativo, calado, o filósofo De Durão.
- Porque não viestes connosco ao "foyer", grande filósofo deste Reino? – perguntou-lhe, com voz afectada, a Condessa levando ainda nos ouvidos a balada que o Conselheiro Ferrão lhe acabara de cantar.
- Sabei, Senhora Minha, que estive aqui a meditar. Sem saber ainda o que nasceu primeiro. Se o ovo, se a galinha!, esclarecia o filósofo De Durão.
- Além disso, gostava de saber se o Pintor Real Lorde Dias António já entrou em cena ou se ainda não entrou. Há muita coisa nesta peça que não joga certo. Esta é uma delas! Se ele está no palco é porque já entrou em cena, como diria o meu ilustre colega Senhor de La Palisse. Ora, se assim é,  porque pergunta ele a cada passo quando é que vai entrar?

- Mas Vós me havieis prometido um chocolate para adocicar a minha amargura, meu divino filósofo...,
lembrou-lhe a Condessa de Lousada. E promessas são para cumprir! Podieis ter ido ao Bar furar uma rifa de chocolates que lá têm! E haveis também prometido que me levarieis ao vosso camarote para eu degustar o chocolate!
- Tendes razão! - aquiesceu o filósofo. Mas Dom Rafael pediu-me a chave do camarote para levar lá a Baronesa Dona Celeste enquanto durasse o intervalo.

O Conselheiro Ferrão intrometeu-se no diálogo:
- Amigo e Caríssimo Senhor De Durão! Gosto menos da Vossa faceta de filósofo e mais da de violoncelista. Deixai-vos de conjecturas inúteis e harpejai com Vossos dedos predestinados o nobre instrumento! Extraindo dele os acordes que acompanharão de forma sublime o meu celebérrimo cântico de Natal! Verá como nos acompanhará em coro, ainda que desafinado, esta assistência que enche o salão!

- É agora que entro? É agora?, ouve-se, como que em lamento, a voz do Lorde Dias António, por trás do pano ainda fechado.
Até aí calado e sorumbático, profere em voz tronitruante o Cavaleiro Abranches, famoso pelas suas batalhas no Novo Mundo que Colombo descobriu, e que se queixa:
- Fui ao "foyer", procurando por um vinho Reserva Vintage do Dão. Até parece impossível num salão de tal nobreza, mas a verdade é que só têm vinho com dois anos. E nem sequer decantador usam! Claro, para beber surrapa de plebeus, prefiro passar sede…
O pano sobe, aos solavancos...
Fim do 4º episódio


O que se passará a seguir?
Como prosseguirá o evento teatral?
Novas e estranhas personagens virão a terreiro?
A feiticeira de Caria irá ler a sina a alguém? Adivinhará o futuro de Dom Rafael e da Baronesa Celeste?
Não perca as cenas dos próximos capítulos!

20 comentários:

  1. Rui Felício num registo de dramaturgo e de cronista de costumes! Soberbo! E a "galeria de tipos" oferecida pelo bairro, dá pano para mangas! Vejamos como serão os próximos actos, após este intervalo ...

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  2. Que me perdoe o Quito por eu o ter excluído da parceria de autores no meu comentário anterior... De facto, nota-se que há aqui o seu dedo...

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  3. Eu não consigo prever o futuro... mas para prever o passado, contem com a minha intuição feminina.

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  4. Amigo Rui Pato
    O seu a seu dono. Na realidade, todo este soberbo episódio ( é também a minha opinião), é todo da lavra do Rui Felício. Eu fiz outros, neste encadeado. Julgo serem facilmente reconhecíveis, pela diferença de matriz de escrita. Neste contexto, a minha colaboração é mais "revisteira", como é o caso do episódio anterior, com a introdução de diálogos da estalajadeira com o pintor Dias António, de Dom Rafael e a Baronesa, a caracterização do mendigo, o regedor do Salgueiro, o fidalgo Felício, a vidente de Caria, o conde d'Abranches etc . Outros se seguirão.
    De traço comum, entre mim e o Felício quando combinámos fazer uma peça de teatro (?) em conjunto, apenas um pensamento: o Bairro, e os amigos.
    E esta brincadeira, não é mais que o nosso testemunho de amizade por todos ...
    Um abraço

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  5. Obrigado Rui Pato, pelos teus comentários.

    Este esforço, por certo insuficientemente conseguido, de caricaturar as personagens mais marcantes da geração do Bairro reencontrada com o Encontro de Gerações de 2008, revelou-se nada fácil.
    Esforço, meu e do Quito, bem intencionado, ambos sintonizados em assinalarmos com uma modesta contribuição, a caracterização de cada um de nós. Para memória futura, como se costuma dizer…
    Porque o que ficará de cada um de nós, depois da nossa morte, serão os nossos traços grosseiros que nos definem em duas penadas.
    Mas, como disse e bem o Carlos Viana, logo .no seu primeiro comentário, caricaturar por escrito é bem dificil. Mais dificil que fazê-lo em desenho ou imagem.
    Por outro lado, exige tanto de quem o procura fazer, como dos próprios caricaturados, um sentido de humor que nem sempre está ao alcance nem de autores nem de visados.
    Existem, pois, seguramente falhas dos autores, por ausência dessa capacidade.
    E, se calhar, igualmente, de alguns dos caricaturados.
    E também daqueles que não sendo uns nem outros, retribuem com silêncio o seu desprendimento.

    No teu caso, ainda não foste alvo da resinosa pena dos autores, mas está prevista no último episódio deste folhetim ( a terminar muito em breve, para descanso daqueles que o não entenderam…), de uma justa referência a teu respeito, que te é devida, atendendo ao teu especialissimo mérito.
    Mas os teus comentários singelos, mostram, ao contrário de muitos outros, que o teu sentido de humor é o “acid test” de uma personagem que, pesem embora todos os pergaminhos a que ganhaste jus ao longo de uma vida acima dos patamares comuns, és capaz de descer à terra e saberes avaliar as intenções profundas que estão para além e subjazem a um aparente “teatreco” sem substância nem razão de ser.

    A ti, Rui Pato, e àqueles ( poucos ) que souberam reagir com humor e visão larga, ao que já foi publicado,

    Os meus sinceros agradecimentos

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    1. Quito e Rui, um pequeno comentário da minha parte, só para vos dizer como vocês são FANTÁSTICOS!!! Além do humor e graça que dispoem em cada frase que escrevem, admiro-vos pela amizade e conhecimento que têm de cada um de nós, colocando nos personagens deste Teatro fictício, pequenos pormenores que realmente existem!!! De tal maneira, que à pouco, ao ler o quarto ato desta engraçada peça, além de me fartar de rir, por momentos penso que encarnei na Condessa De Louzada com os calores, com a gulodice pelos chocolates, com o abanico... e nem sabem como me senti bem(mesmo que seja mentira),com os 60anos que tão prodigamente me atribuíram, com o porte altivo, como com o diafragma a chegar quase ao pescoço... Só espero que este Teatro tenha muitos mais atos...e que a vossa imaginação continue a fluir com tanta amizade e espírito de humor!!!!
      Beijinho para os dois e muito obrigada.

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    2. Teresita
      Também tu, muito visada neste pseudo teatro, não perdes o sentido de humor. Reconheço-te - desde que, no Samambaia, me fui apercebendo da tua forma de ser e de estar - essa tua enorme capacidade de gostar dos outros. Agradeço-te a amizade que me dedicas ...
      Toma lá um abraço

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    3. Um abraço ao Rui Pato por ter comentado neste acto, realçando que a "galeria de tipos oferecida pelo Bairro dá pano para mangas"!
      E é verdade. Como se pode ir lendo tanto nos textos como nos comentários, a qualidade literária, a imaginação, o bom humor são fruto não só de qualidade intelectual dos intervenientes, mas também fruto de uma sã convivência que se gerou ao longo de muitos anos neste nosso bairro e reavivada, reforçada a partir de 2008 com o Encontro de Gerações, como muito bem sublinha o Felício na resposta ao Rui Pato!

      Excelente este comentário do Rui Felício!

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  6. Por mim está tudo bem.
    Quando é que entro?
    1 pintor.

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  7. Ora bem, estamos na altura dos cumprimentos.
    Terminada a cerimónia, vamos ver se a inspiração não se desvanece para dar aqui algumas pinceladas, sim porque isto está a tornar-se coisa séria...

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    1. Se está, meu Amigo!!!!!!
      Eu que o diga, que ando numa excitação fora do comum!!!!!!

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    2. Pois Condessa como não podeis estar exitada, eu sei, o meu chocolate é especial...afrodisiaco...e a mousse?... Até dá para barrar o corpo e dar à pele aquele toque acetinado que tanto aprecias.
      A recato dos olhares furtivos a que costumam chamar de "topas", no camarote, sempre tem outro sabor, não é querida Condessa?

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  8. Estou a gostar muito do trabalho desta parceria.
    E,tal como nos folhetins,aguardo impaciente o próximo episódio.
    Parabéns.
    Um abraço a todos.

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  9. Recomendo a leitura do comentário feito pelo Rui Lucas no episódio anterior.
    De uma irrepreensivel escrita, assente numa imaginação e num saudável humor que nos faz rir quase descontroladamente.
    Digo-o aqui, receando que o percam, dado estar inserido num episódio já passado.

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  10. Ainda agora o comentei, exatamente no episódio anterior ...
    É de ir às lágrimas ...
    Grande Rui Lucas !!!

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  11. Uff! Até que enfim, um intervalo para eu poder fumar um cigarro.
    A ideia de que o Ponto fuma dentro da "caixa" é uma pura invenção dos autores.
    Nunca cometeria esse desrespeito pelos actores em cena, também eles e elas desejosos de esfumaçar para acalmar o nervoso miuidinho..

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  12. Chiu! Chiu!... peço silêncio.
    Estou a espreitar pelo buraco da fechadura do camarote...
    Simpatizo com a baronesa e morro de curiosidade pelo desfecho do que se passará com Dom Rafael.

    Uma peça escrita a quatro mãos, e que mãos, que nos mantem expectantes até ao ato seguinte!

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    1. AH! mas não me lembro nada de ter estado num camarote!Se estive já dever ter sido há muitos actos para trás!
      Mesmo sendo feio espreitar pelo buraco da fechadura, a baronesa deve ter ficado frustada...pois de Dom Rafael nem rastos!

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    2. Toda a minha solidariedade para Dona Baronesa.
      Não é admissível que o Dom Bombeiro a tivesse fechado num camarote e tivesse deixado,tão frágil e linda fidalga a espreitar pelo buraco da fechadura!
      Deixar a baronesa fechada e ir bombar para outo lado?!
      Fogueira pró Bombeiro!

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