O Mário do Vale da Azenha, enviuvara já há uns anos.
Vivia só com a Mariana, sua filha, que era a rapariga mais bonita da aldeia. Fez tudo para que ela não casasse com o Zé Fogaça. Mesmo no dia da boda, já ela estava vestida de noiva, foi ao seu quarto e fez a derradeira tentativa para evitar o casamento. O Zé Fogaça era um mulherengo, já tinha tido um ror de namoros. Andava com elas uns tempos e depois abandonava-as.
Mas o amor dela era muito forte e casou com ele. Já lá iam dois anos e ele sempre a encheu de carinhos. A fama do Zé Fogaça não era mais do que fruto da maledicência da aldeia…
Mas, naquele sábado, ansiosa, lembrou-se das palavras do pai no dia do casamento. Lembrou-se dos mexericos que passavam de boca em boca.
Deu pelo toque das avé-marias na torre da igreja e o Zé Fogaça ainda não aparecera em casa.
Ainda de madrugada, ele saíra de casa. Tinha ido à caça como era costume aos sábados mas, ao contrário do habitual, não regressara pela hora do almoço.
Só quando aquele sol de verão a prumo já não dardejava sobre a aldeia, só quando os seus tons alaranjados prenunciavam a noite é que ela ouviu o velho cão Mondego latir a correr e esgadanhar na porta. Atrás lá vinha o marido com três láparos e uma perdiz à cintura.
Suspirou de alívio, e foi a correr pôr a mesa.
Durante os dois meses seguintes, a chegada tardia a casa do marido, tornou-se um hábito. Calada, a Mariana sofria, chorava, o coração apertado...
O marido regressava sempre só ao fim do dia e as pessoas da aldeia já comentavam que a caça dele era outra! Constava que andava metido com a Carmen, cigana das Carvalhosas de quem se dizia que já tinha estragado alguns casamentos.
Certo sábado, logo que o marido saiu, entrou-lhe pela porta do quarto dentro o Mário do Vale da Azenha, esbaforido, de caçadeira debaixo do braço.
- O teu homem?
- Foi à caça, meu pai. Você sabe que ele sempre vai aos sábados.
- Pois hoje também eu vou à caça!- disse-lhe o pai.
- E que caça!, acrescentou por entre dentes.
- Não me quiseste dar ouvidos quando te casaste com ele. Agora tenho que ir defender a tua honra e a minha que na aldeia o falatório já é insuportável. Até o Senhor Prior na missa já aludiu ao assunto!
Logo que o pai saiu porta fora, a Mariana caiu de bruços na cama e chorou convulsivamente. Não sabia o que mais a afligia. Se o que o pai ia fazer ou se confirmar que o marido a andava a enganar.
Ao crespúsculo, lavada em lágrimas, por trás da cortina da sala, viu finalmente o Mondego a abanar o rabo e a ladrar em louca correria pela quelha acima que vinha do rio.
Logo atrás, o pai e o marido, lado a lado.
Pareciam vir em amena cavaqueira, rindo muito. Afinal, os seus receios eram infundados!
Veio à porta esperá-los, abraçou-os e encheu o marido de beijos.
O Zé Fogaça disse-lhe:
- Vai te preparando! Vais ter uma madrasta! O teu pai vai-se casar com a Carmen! Há meses que ela anda apaixonada por ele e me pede para eu o convencer a casar-se com ela.
E virando-se para o sogro:
- É ou não é verdade, Sr. Mário?
- Sim, é verdade. E além de minha mulher, não te esqueças que ela vai ser tua sogra! E que, pelas leis da Santa Madre Igreja, será como se fosse tua mãe!
Rui Felicio
Tal pai tal genro!!!... Fico com a ideia que até o Padre andava a comer a Carmen!!!...
ResponderEliminarAlfredo da próxima vez vamos almoçar ao restaurante da Carmen!
EliminarSe o Padre lá almoça...
Ingénuos!
EliminarEstá visto que o padre almoça mais na Mariana do que na Carmen!
Mas, pelo que consta, são dois bons restaurantes.
E as Carvalhosas aqui tão perto...
Desta vez não foi as Torres do Mondego o local escolhido.
O Rui Felício arranja-nos cada uma!
Sabemos que ao Alfredo Moreirinhas, ninguém lhe faz o ninho atrás da orelha.
ResponderEliminarEmbora, no caso vertente, e dado que eu conheci bem o Padre da freguesia onde isto se passou, tal não me parece que tenha acontecido.
Aliás, ele acabou por renunciar ao sacerdócio por outras razões que não razões de saias.
Mas se o Alfredo me pedir para eu colocar as mãos no fogo por ele, eu digo:
Não!
Gostei.
ResponderEliminarLogo o Zé Fogaça,que só gostava da caça,é que ficar com a fama de comer a Carmen!Com essa história,eu calço as luvas de amianto e ponho as mãos nas brasas
por ele...
Um abraço,Rui.
Pois. Uma história de contornos surpreendentes, mas que cheira a esturro. O Fogaça, como intermediário nesta história, a atirar a Carmen para os braços do sogro é surreal, apesar de bem imaginada. Parece-me óbvio, que o Fogaça também deu uma dentadinha na maça e nem sequer deu um tiro no pé, porque conseguiu sair-se de uma forma airosa, de toda a tempestade familiar que se estava a gerar.
ResponderEliminarMas, para contar a história com todos os seus ingredientes, é necessário o condão de o saber fazer ...
"Mariana caiu de bruços na cama e chorou convulsivamente". Que melhor retrato
para o leitor viver por dentro uma narrativa que, afinal, não é assim tão dramática ?
Esta história, porém, poderia ter contornos Queirozianos, se o padre a que se refere o Alfredo, ao apanhar a Mariana no confessionário a contar-lhe os tormentos da sua vida, a confissão continuasse na sacristia e depois para um vale de lágrimas, que o mesmo é dizer, para o vale dos lençois. Mentira ? Salvo as devidas proporções e mudança no guião, as observações do Alf e do Felício, fizeram-me lembrar o Padre Amaro. Pois, esse ....
Mais um Conto Felício a juntar-se aos que já moram n'a funda São.
ResponderEliminarPudera!...
EliminarClaro pudera...sempre no afundanco! Não lhe escapa nada!
EliminarIsto até fica em carne viva!
EliminarÉ um conto do caraças!
ResponderEliminarÉ uma estória que me deu um enorme prazer ler!Coisa fina!
E eu conheço o acampamento dos ciganos ali nas Carvalhosas!
E agora percebo porque nas minhas caminhadas não tenho por lá visto ultimamente a Carmen!
O sr Mário levou-a de lá!
Minha adorada Mariana,
ResponderEliminarNão resisto em mandar-te este bilhete. Sei que é perigoso mas confio no portador e na tua capacidade para esconder esta prova do nosso amor.
Perdoa-me o atrevimento mas tenho imensa pressa em te dar as boas novas.
Consegui convencer o imbecil ( que Deus me perdoe ) do teu pai a casar-se com a cigana das Carvalhosas. Sim, essa, a tal Carmen que há largo tempo anda em pecado com o corno do teu homem ( que Deus me perdoe ).
Desde que, em confessionário, me contaste das tuas mágoas, nunca mais deixei de pensar em ti. Nunca mais te quero ver lágrimas que não sejam de felicidade.
Sabes bem quanto te quero.
Vê se podes vir à Igreja, amanhã, antes da missa das 11 horas.
Só uma recomendação: não tragas o estupor do Mondego. Ao raio do cão, só lhe falta falar!
Ass. Prior das Carvalhosas
No ano da Graça de MCM e Carqueja.
Mas que grande complemento sr Biana!Até a freguesia das Carvalhosas criaste!
EliminarMareces uma broa das Carvalhosas.
Assim pago em géneros!
Eu não criei nenhuma nova Freguesia, juro!
EliminarLimitei-me a criar um novo Prior, o que não é grave.
Grave, gravíssimo, seria criar novas Freguesias...
Tudo bem.Mas escusavas de "matar" o cão...
EliminarNão matei o cão, limitei-me a impedir que ele fosse até à sacristia...
EliminarEu gosto de animais. Até de osgas!
Excelente missiva do Carlos Viana! Vulgo, Prior das Car
Eliminarvalhosas...
Ora imagina uma pequena peça,muito barata,em que no total(personagens e adereços) só tinhas uma sacristia como fundo,mais um cão e uma osga,um padre e uma mocetona...
ResponderEliminarFaz tu os diálogos...
Um abraço.
Pede ao contra-regra que retire o cão de Cena. É um animal nobre que não deverá ser figurante nesta triste Peça.
ResponderEliminarMOCETONA (Ajoelhada aos pés do padre, em choro dilacerante )
- Perdoai-me, perdoai-me Senhor, que sou uma pecadora.
PADRE ( Em tom paternal e obrigando-a a levantar-se )
- Eu sei, minha filha, eu sei. Aconchega-te a mim. Estou solidário contigo e o teu marido que se cuide! Se ele pensa que vai continuar na mesma vida com a Carmen, está muito enganado. Ela, agora, é a mulher do teu pai. Haja respeito pelo sagrado matrimónio!
OSGA ( como que meditando )
- E o animal nojento sou eu?
Cai o pano.
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Olha lá, acho melhor que atuapele e a minha não abusem mais da paciência deste pessoal amigo.
Tu tens uma desculpa, estás em ressaca de anos...
Mas eu não tenho qualquer desculpa.
Até amanhã.
Transcrevo a Nota Oficiosa do Conimbrigensis Vicariatus, face às denúncias caluniosas ( parece que é moda…) produzidas nalguns destes comentários:
ResponderEliminarFerdinandus Rafaelis submissio actus exorcisare per expulsionem corpus illo demoniaci tentationes.
Carolus Bianici et IlliusPelis condamnati, per secula seculorum, poena excommunicationem per horribilis delictum contra innocenti ecclesiasticus prior Carvagliosiae.
Alfredi Morerigniae liberatum est, in virtutibus atheismum suum.
Oremus
EliminarCoisa jeitosa que esta aqui.
ResponderEliminarUm Abraço rapaziada.
Tonito.
Sursum Corda!
ResponderEliminarAmen
Com esta do "Sursum Corda!" é que fiquei a ver navios.
ResponderEliminarTenho de voltar às explicações de latim...