Hoje, o dia acordou envergonhado. Uma estranha calma, desceu
sobre a cidade. Daqui, desta varanda, vou olhando o oceano e um céu que parece
pousar mar adentro, diluindo o horizonte que não existe. Simplesmente
esfumou-se, nesta bruma de fim de tarde. Momento propício para divagar e
recordar o meu passado presente.
Ontem, conheci o meu vizinho da porta do lado. Num jogo de
deferências, para quem entrava primeiro no elevador, acabámos na rua a esgrimir
palavras, num diálogo muito militar. Disse-me que foi Coronel de Engenharia e,
com orgulho, foi desdobrando uma musculada folha de serviços. E eu, que de
militar tive pouco, nada pude apresentar, a não ser falar-lhe de um amigo, que
descobrimos que é comum, por ambos serem transmontanos de nascimento. Um aperto
de mão, selou um novo conhecimento e partimos. E de novo olhando para um mar inquieto
na mutação das marés, recordo a Beira Baixa e aqueles com quem vou percorrendo
os carris da vida. Lembro o João, encostado à porta da taberna, na sua
escuridão permanente. Recordo o Carlos, afundado em pensamentos a mastigar o
cigarro. O David, ao balcão da venda, a arrastar uma perna. E as mulheres de
xaile negro, que se afadigam a entrar na igreja para a oração do terço. Vão
enxugar a alma das lágrimas da vida, numa prece monocórdica, dita mecanicamente
e que ecoa pelas paredes brancas da capela singela. Mas, também lembro Lagos de
antanho. O Cesário a arfar de bronquite, o António Maluco, pescador de todas as
marés a coser as redes do Destino e a mercearia da Alice, com os melões
derramados à porta num cabaz, com o preço do quilo espetado num pedaço de cana.
De Coimbra, sempre a saudade. Lembro o Bairro eterno da Cidade
eterna. Na minha mente, os almoços dominicais, com os amigos à volta de uma
mesa. E recordo aqueles que, de longe, me telefonam, simplesmente para trocar
opiniões ou porque na montanha-russa da vida, tiveram um dia mais difícil.
Percebo-lhes o desalento na voz, do outro lado da linha. Mas é com Coimbra como
polo aglutinador de uma amizade sincera, que a conversa acaba sempre em águas
mansas, como o mar sereno que agora daqui diviso, como que adormecido, depois
do ciclo milenar do balançar das maresias.
E é nesta rosa – dos - ventos de afetos e emoções, que
percorro com o meu pensamento errante, as minhas referências das Beiras litoral
e interior, e deste Algarve de mar cordato e de ventos eternos que sopram por
entre o maciço rochoso do Cabo de São Vicente. E aqui, nesta ponta de Portugal,
por entre a bruma, estático na sua missão de alertar navegantes, um farol. Um
monumento cintilante de solidariedade para com os homens do mar, que lhes
indica a rota do porto de abrigo e o aconchego do lar.
Que também nós, amigos de um bairro e de uma cidade –
feiticeira que nos roubou o coração, tenhamos também um farol que nos una,
neste Tempo que vivemos, tão inquieto como as marés.
Daqui, da cidade do
Infante, a todos o meu cordial abraço.
Quito Pereira
Ó Quito, tu até no Algarve consegues estar nostálgico? Daqui a poucos dias vou para aí... e a nostalgia costuma aparecer-me é no regresso :O)
ResponderEliminarUmas boas férias para ti e família, Paulo ...
ResponderEliminarVão saber tão bem...
EliminarOlha, vamos para a Manta Rota. Queres que eu transmita alguma coisa ao primeiro ministro, quando me cruzar com ele na praia?
Manta Rota é uma bela praia. Mas só lá estive em excursão militar, com um canhão 1O/6. Tivemos azar. Mandámos uma canhoada para o mar, e o balázio foi cair num circulo de traineiras, que fugiram espavoridas e foram fazer queixa à capitania. Vi-mo -nos à rasca, para explicar o engano de trajetória às feras do quartel de Tavira ...
EliminarQuanto ao Senhor dos Passos, pois que dê uns mergulhos bem revigorantes, que lhe abram a mente, e que faça a fineza de não me lixar mais os subsídios ...
Foooooogooooooooo!
EliminarAinda bem que, quando eu for nadar, tu já recolheste o canhão para as Beiras!
Também já fui feliz na Manta Rota!Durante uma semanita e...nada mau!
EliminarPraia para mim significa muita areia e água fria...De modos que não é coisa que me entusiasme!
Sou mais do clube do Alfredo!
Se bem que pelo que li o Quito da praia, gosta muito das esplanadas!
Ao Paulo Moura caso veja o MEU PM que lhe dê cumprimentos meus!
E que se unte bem por causa das "brasas" não o queimarem demais!
Cá por mim ando a vender umas "rifas" para ver se consigo ir 3 dias de férias...para a praia do ZORRO!!!!
...quanto ao "canhão" recolhido a São Rosas é que sabe!
EliminarVende as rifas dos almoços, olhó catano...
Eliminarahahahahahahah
O Quito é assim! Um nostálgico sonhador!
ResponderEliminarO Quito com a mesma faciliadade, faz amizade e mantém conversa, com o Sr. Coronel de Engenharia ou com o Sr. Pereira pastor analfabeto!...
Quito! Goza as férias, dá uns mergulhos com a São, (no mar, claro!) bebe uns copos e não penses no Bairro nem nos amigos!... Estamos todos bem e o Bairro espera por ti o tempo que for preciso...
Quanto ao essencial desta postagem , mais um bom texto escrito apanhando a brisa do mar, ou na bruma de fim de tarde!
EliminarUm abraço e continuação de boas férias, para ambos "os dois"
Alfredo
ResponderEliminarCopos, bebo os que posso e os que me deixam. Quanto a praia ...ZERO. Nem sequer pus um pé na areia. Andar de chapéu -de- sol às costas, toalhas e cadeiras, cheira-me a exército. E, para isso,já basta o coronel ...
Abraço a ambos os dois ...
Boa prosa Quito.
ResponderEliminarUm Abraço.
Tonito.
A Beira Baixa, poiso de vida onde ancorou com as amarras atadas num só nó, pronto a desfazer-se ao primeiro puxão, está gravada na sua mente mesmo quando está de férias.
ResponderEliminarLagos é o refúgio retemperador da labuta quotidiana, onde carrega baterias para de novo a ela regressar.
De ambos os lugares nos traça retratos indeléveis dos ambientes e das pessoas, mesmo daquelas que conheceu há pouco numa relação de vizinhança mais impessoal e citadina.
Mas é das origens que guarda as melhores reminiscências. É à cidade que o viu nascer e crescer, que anseia voltar sempre que a vida lhe permite.
E é dessa cidade, desse lugar eterno, que para a retratar, busca na paleta as cores mais vivas, mais alegres, mais esperançosas, pintando-a como um mar de águas mansas, serenas, que suavemente embalam a amizade que nelas navega.
Por isso eu digo…
A escrita do Quito é melancólica quando o ambiente e as pessoas que descreve o são também.
Mas logo muda quando fala do Bairro e de Coimbra.
Porque o Quito não ficcciona. Ele diz o que sente. E da forma admirável que se lhe reconhece.
Chama-se a esta forma de escrever, realismo.
Temperado com boa dose de romantismo que a sua sensibilidade transpõe para as palavras.
Por isso eu digo…
O Quito é um escritor especial…
Rui
EliminarQue o fim - de - semana e o mar da Ericeira, te tragam a serenidade que pressinto que necessitas, nesta fogueira que não é exclusivo teu ...
Um abraço
O amigo Fernando Rafael, administrador do blog, teve a amabilidade de me dar conhecimento de que ia retirar deste espaço, um comentário anónimo. Concordo com ele, com vista a uma não generalização de comentários anónimos, mesmo no caso de amáveis e cordatos, como era o caso.
ResponderEliminarPorém, não posso deixar de agradecer ao autor ou autora do comentário, a amabilidade das palavras que me dirigiu e apenas lamento que não se desse a conhecer, face à cordialidade demonstrada. Obrigado.
Efectivamente assim foi: tive pena em retirar o comentário, mas regras são regras!
EliminarPor favor utilizem o URL ou se for"anónimo" não custa nada escreverem o nome no final do comentário
Obrigado
Dura lex, sed lex...
EliminarHoje, contra o meu hábito, li os comentários já feitos antes de fazer o meu. Grossa asneira!
ResponderEliminarPenso que o que diria iria no exacto sentido do que está dito pelo Rui Felício. Não saberia dizer melhor nem no conteúdo nem na forma.
Assim sendo, resta-me mandar, deste Bairro eterno da Cidade eterna, um grande abraço para o grande amigo Quito que é um escritor especial...
Resta-me mandar um beijinho à São, desejando a ambos umas excelentes férias.
Tal como o Rui Felício escreve...és um escritor especial, diria mesmo, muito especial! Abraço e boa continuação! E já agora vê se me trazes"...um por-do-sol...a "mergulhar" por detrás do maciço rochoso do Cabo de S.Vicente!!!
ResponderEliminarObrigado pelas palavras amáveis.
ResponderEliminarNo texto, numa leitura mais atenta, descobri um lapso numa palavra, que, entretanto, foi rectificado. É por estas e por outras, que acho que a minha prosa é boa para escrever em papel - cartucho.Só a vossa paciência, me faz continuar a colaborar com o blogue, com a minha pena delirante ...
Abraço a todos
Podes continuar o teu delírio que a malta agradece.
EliminarToma lá mais um abraço.
O Quito farta-se de delirar quando se subestima...
EliminarÉ isso mesmo, São Rosas!
EliminarMas enfim, que havemos de fazer?
Não há homens perfeitos e o Quito não foge à regra.
Podia era escolher outro defeito que este acaba por prejudicar a justa divulgação daquilo que escreve.
Olha, pergunta-lhe se já mandou mais textos dele para o «Diário de Coimbra»...
EliminarJá demos o abraço, já almoçámos e agora terá de regressar a Castelo Branco.
ResponderEliminarMais uma semana e, ei-los de volta!
E nessa ROSA DOS VENTOS, existe o Leste!Um destino que me tem orientado a vida! Em Angola, mandaram-me para o Leste (LUSO). Depois, a flecha cupida do Amor enviou-me para o Leste de França, para esta maravilha de cidade que é COLMAR !!!
ResponderEliminarQuito!Gosto imenso de LAGOS mas a minha praia é SANTA EULALIA! Là estarei em Setembro, com as àguas aquecidas nos meses quentes de Julho e Agosto.
Adorei o teu texto. Fiquei a saber que nao poes um pé na praia!Estranho!
Grande abraço e um bjinho à Sao! Boa continuaçao de férias.