sexta-feira, 27 de julho de 2012

ROSA - DOS - VENTOS


Hoje, o dia acordou envergonhado. Uma estranha calma, desceu sobre a cidade. Daqui, desta varanda, vou olhando o oceano e um céu que parece pousar mar adentro, diluindo o horizonte que não existe. Simplesmente esfumou-se, nesta bruma de fim de tarde. Momento propício para divagar e recordar o meu passado presente.
Ontem, conheci o meu vizinho da porta do lado. Num jogo de deferências, para quem entrava primeiro no elevador, acabámos na rua a esgrimir palavras, num diálogo muito militar. Disse-me que foi Coronel de Engenharia e, com orgulho, foi desdobrando uma musculada folha de serviços. E eu, que de militar tive pouco, nada pude apresentar, a não ser falar-lhe de um amigo, que descobrimos que é comum, por ambos serem transmontanos de nascimento. Um aperto de mão, selou um novo conhecimento e partimos. E de novo olhando para um mar inquieto na mutação das marés, recordo a Beira Baixa e aqueles com quem vou percorrendo os carris da vida. Lembro o João, encostado à porta da taberna, na sua escuridão permanente. Recordo o Carlos, afundado em pensamentos a mastigar o cigarro. O David, ao balcão da venda, a arrastar uma perna. E as mulheres de xaile negro, que se afadigam a entrar na igreja para a oração do terço. Vão enxugar a alma das lágrimas da vida, numa prece monocórdica, dita mecanicamente e que ecoa pelas paredes brancas da capela singela. Mas, também lembro Lagos de antanho. O Cesário a arfar de bronquite, o António Maluco, pescador de todas as marés a coser as redes do Destino e a mercearia da Alice, com os melões derramados à porta num cabaz, com o preço do quilo espetado num pedaço de cana.
De Coimbra, sempre a saudade. Lembro o Bairro eterno da Cidade eterna. Na minha mente, os almoços dominicais, com os amigos à volta de uma mesa. E recordo aqueles que, de longe, me telefonam, simplesmente para trocar opiniões ou porque na montanha-russa da vida, tiveram um dia mais difícil. Percebo-lhes o desalento na voz, do outro lado da linha. Mas é com Coimbra como polo aglutinador de uma amizade sincera, que a conversa acaba sempre em águas mansas, como o mar sereno que agora daqui diviso, como que adormecido, depois do ciclo milenar do balançar das maresias.
E é nesta rosa – dos - ventos de afetos e emoções, que percorro com o meu pensamento errante, as minhas referências das Beiras litoral e interior, e deste Algarve de mar cordato e de ventos eternos que sopram por entre o maciço rochoso do Cabo de São Vicente. E aqui, nesta ponta de Portugal, por entre a bruma, estático na sua missão de alertar navegantes, um farol. Um monumento cintilante de solidariedade para com os homens do mar, que lhes indica a rota do porto de abrigo e o aconchego do lar.
Que também nós, amigos de um bairro e de uma cidade – feiticeira que nos roubou o coração, tenhamos também um farol que nos una, neste Tempo que vivemos, tão inquieto como as marés.
Daqui, da cidade do Infante, a todos o meu cordial abraço.
Quito Pereira         

26 comentários:

  1. Ó Quito, tu até no Algarve consegues estar nostálgico? Daqui a poucos dias vou para aí... e a nostalgia costuma aparecer-me é no regresso :O)

    ResponderEliminar
  2. Umas boas férias para ti e família, Paulo ...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Vão saber tão bem...
      Olha, vamos para a Manta Rota. Queres que eu transmita alguma coisa ao primeiro ministro, quando me cruzar com ele na praia?

      Eliminar
    2. Manta Rota é uma bela praia. Mas só lá estive em excursão militar, com um canhão 1O/6. Tivemos azar. Mandámos uma canhoada para o mar, e o balázio foi cair num circulo de traineiras, que fugiram espavoridas e foram fazer queixa à capitania. Vi-mo -nos à rasca, para explicar o engano de trajetória às feras do quartel de Tavira ...
      Quanto ao Senhor dos Passos, pois que dê uns mergulhos bem revigorantes, que lhe abram a mente, e que faça a fineza de não me lixar mais os subsídios ...

      Eliminar
    3. Foooooogooooooooo!
      Ainda bem que, quando eu for nadar, tu já recolheste o canhão para as Beiras!

      Eliminar
    4. Também já fui feliz na Manta Rota!Durante uma semanita e...nada mau!
      Praia para mim significa muita areia e água fria...De modos que não é coisa que me entusiasme!
      Sou mais do clube do Alfredo!
      Se bem que pelo que li o Quito da praia, gosta muito das esplanadas!
      Ao Paulo Moura caso veja o MEU PM que lhe dê cumprimentos meus!
      E que se unte bem por causa das "brasas" não o queimarem demais!
      Cá por mim ando a vender umas "rifas" para ver se consigo ir 3 dias de férias...para a praia do ZORRO!!!!

      Eliminar
    5. ...quanto ao "canhão" recolhido a São Rosas é que sabe!

      Eliminar
    6. Vende as rifas dos almoços, olhó catano...

      ahahahahahahah

      Eliminar
  3. O Quito é assim! Um nostálgico sonhador!
    O Quito com a mesma faciliadade, faz amizade e mantém conversa, com o Sr. Coronel de Engenharia ou com o Sr. Pereira pastor analfabeto!...
    Quito! Goza as férias, dá uns mergulhos com a São, (no mar, claro!) bebe uns copos e não penses no Bairro nem nos amigos!... Estamos todos bem e o Bairro espera por ti o tempo que for preciso...

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Quanto ao essencial desta postagem , mais um bom texto escrito apanhando a brisa do mar, ou na bruma de fim de tarde!
      Um abraço e continuação de boas férias, para ambos "os dois"

      Eliminar
  4. Alfredo
    Copos, bebo os que posso e os que me deixam. Quanto a praia ...ZERO. Nem sequer pus um pé na areia. Andar de chapéu -de- sol às costas, toalhas e cadeiras, cheira-me a exército. E, para isso,já basta o coronel ...
    Abraço a ambos os dois ...

    ResponderEliminar
  5. Boa prosa Quito.
    Um Abraço.
    Tonito.

    ResponderEliminar
  6. A Beira Baixa, poiso de vida onde ancorou com as amarras atadas num só nó, pronto a desfazer-se ao primeiro puxão, está gravada na sua mente mesmo quando está de férias.
    Lagos é o refúgio retemperador da labuta quotidiana, onde carrega baterias para de novo a ela regressar.
    De ambos os lugares nos traça retratos indeléveis dos ambientes e das pessoas, mesmo daquelas que conheceu há pouco numa relação de vizinhança mais impessoal e citadina.
    Mas é das origens que guarda as melhores reminiscências. É à cidade que o viu nascer e crescer, que anseia voltar sempre que a vida lhe permite.
    E é dessa cidade, desse lugar eterno, que para a retratar, busca na paleta as cores mais vivas, mais alegres, mais esperançosas, pintando-a como um mar de águas mansas, serenas, que suavemente embalam a amizade que nelas navega.
    Por isso eu digo…
    A escrita do Quito é melancólica quando o ambiente e as pessoas que descreve o são também.
    Mas logo muda quando fala do Bairro e de Coimbra.
    Porque o Quito não ficcciona. Ele diz o que sente. E da forma admirável que se lhe reconhece.
    Chama-se a esta forma de escrever, realismo.
    Temperado com boa dose de romantismo que a sua sensibilidade transpõe para as palavras.
    Por isso eu digo…
    O Quito é um escritor especial…

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Rui
      Que o fim - de - semana e o mar da Ericeira, te tragam a serenidade que pressinto que necessitas, nesta fogueira que não é exclusivo teu ...
      Um abraço

      Eliminar
  7. O amigo Fernando Rafael, administrador do blog, teve a amabilidade de me dar conhecimento de que ia retirar deste espaço, um comentário anónimo. Concordo com ele, com vista a uma não generalização de comentários anónimos, mesmo no caso de amáveis e cordatos, como era o caso.
    Porém, não posso deixar de agradecer ao autor ou autora do comentário, a amabilidade das palavras que me dirigiu e apenas lamento que não se desse a conhecer, face à cordialidade demonstrada. Obrigado.

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Efectivamente assim foi: tive pena em retirar o comentário, mas regras são regras!
      Por favor utilizem o URL ou se for"anónimo" não custa nada escreverem o nome no final do comentário
      Obrigado

      Eliminar
  8. Hoje, contra o meu hábito, li os comentários já feitos antes de fazer o meu. Grossa asneira!
    Penso que o que diria iria no exacto sentido do que está dito pelo Rui Felício. Não saberia dizer melhor nem no conteúdo nem na forma.
    Assim sendo, resta-me mandar, deste Bairro eterno da Cidade eterna, um grande abraço para o grande amigo Quito que é um escritor especial...
    Resta-me mandar um beijinho à São, desejando a ambos umas excelentes férias.

    ResponderEliminar
  9. Tal como o Rui Felício escreve...és um escritor especial, diria mesmo, muito especial! Abraço e boa continuação! E já agora vê se me trazes"...um por-do-sol...a "mergulhar" por detrás do maciço rochoso do Cabo de S.Vicente!!!

    ResponderEliminar
  10. Obrigado pelas palavras amáveis.
    No texto, numa leitura mais atenta, descobri um lapso numa palavra, que, entretanto, foi rectificado. É por estas e por outras, que acho que a minha prosa é boa para escrever em papel - cartucho.Só a vossa paciência, me faz continuar a colaborar com o blogue, com a minha pena delirante ...
    Abraço a todos

    ResponderEliminar
    Respostas
    1. Podes continuar o teu delírio que a malta agradece.
      Toma lá mais um abraço.

      Eliminar
    2. O Quito farta-se de delirar quando se subestima...

      Eliminar
    3. É isso mesmo, São Rosas!
      Mas enfim, que havemos de fazer?
      Não há homens perfeitos e o Quito não foge à regra.
      Podia era escolher outro defeito que este acaba por prejudicar a justa divulgação daquilo que escreve.

      Eliminar
    4. Olha, pergunta-lhe se já mandou mais textos dele para o «Diário de Coimbra»...

      Eliminar
  11. Já demos o abraço, já almoçámos e agora terá de regressar a Castelo Branco.
    Mais uma semana e, ei-los de volta!

    ResponderEliminar
  12. E nessa ROSA DOS VENTOS, existe o Leste!Um destino que me tem orientado a vida! Em Angola, mandaram-me para o Leste (LUSO). Depois, a flecha cupida do Amor enviou-me para o Leste de França, para esta maravilha de cidade que é COLMAR !!!
    Quito!Gosto imenso de LAGOS mas a minha praia é SANTA EULALIA! Là estarei em Setembro, com as àguas aquecidas nos meses quentes de Julho e Agosto.
    Adorei o teu texto. Fiquei a saber que nao poes um pé na praia!Estranho!
    Grande abraço e um bjinho à Sao! Boa continuaçao de férias.

    ResponderEliminar