Hoje, é terça - feira. Nesta maratona do Tempo, foram já vinte e nove os dias percorridos deste mês de Novembro. A chover ou a fazer sol, a pequena comunidade aldeã, vai fiando o linho da labuta pela vida. Neste dia claro e soalheiro, lanço pelo pequeno vale, um olhar vagabundo. Oiço o latir dos cães e, por todo o chão de oliveiras, pequenas escadas encostadas às árvores. É a liturgia ancestral da apanha da azeitona. O ouro dos pobres. Encobertos pelas ramagens, oiço o vozear dos homens, enquanto as mulheres, de calças de flanela e lenço na cabeça, debruçam-se sobre o oleado verde, na apanha do fruto caído das árvores. Quando o relógio da torre da igreja tocar as doze badaladas, é hora de regressar ao lar, que a refeição espera. Sento-me então no carro e aponto à rota das montanhas. É dia de ir almoçar ao David. Cá fora, à entrada do pequeno restaurante, muitas carrinhas de empresas. É ali que vão desaguar os trabalhadores, na procura da comida e do copo de vinho retemperador. As mesas estão cheias de clientes e a Hortelinda aponta-me um único lugar, onde já estão a almoçar quatro operários. Sento-me, sem cerimónia. Ignoram-me e vão continuando conversa, enquanto uma enorme travessa de feijoada, vai sendo dizimada, ao ritmo de um abrir e fechar de olhos. Enquanto espero pela minha refeição, menos consistente, vou ouvindo a conversa e apercebo-me que os seus contornos são dramáticos. Falam dos contratos de trabalho que expiram em Dezembro e do futuro. Porém, percebo que se precaveram. Três deles, estão de malas feitas para o Dubai e o outro para a Suiça. Janeiro próximo, é o mês do adeus. Gracejam com o assunto. Fazem que gracejam. Porque, na realidade, nos seus sorrisos desmaiados, percebo a ansiedade que os consome e a falta que lhes vai fazer a família.Houve quem dissesse, que passa bem sem as
festividades de Carnaval ou de Fim de Ano. Mas que o Natal longe da aldeia e
dos seus, será muito duro. Continuaram sentados à mesa, enquanto eu regresso à
estrada. De novo ao volante do meu velho carro, percorro as planícies do
silêncio, meditando num livro da quarta classe, por onde estudei, e que se
intitulava, “Alma Pátria, Pátria Alma”. Mas que Alma?. Mas que Pátria?. Que nação é esta, a nossa, que
tão madrasta foi – e continua a ser - para milhares dos seus sacrificados
filhos ?
Quito Pereira
Quito Pereira
O VILHENA na Gaiola Aberta já escrevia « cada povo tem o que escolhe ou o que merece».
ResponderEliminarNão sei se seria bem assim, mas o sentido da frase era este.
Tonito.
Seria um bom exercício de imaginação, sentar à mesma mesa em diálogo, o Vilhena e o Bandarra, sapateiro de Trancoso ...
ResponderEliminarA oliveira, ou melhor a azeitona seu fruto, é sinónimo desde a Antiguidade, de importante riqueza. Palas Atena e Poseidon foram postos em competição para se escolher qual deles seria padroeiro de Atenas. Poseidon fez jorrar com um gesto uma fonte de água fresca a brotar de uma rocha. Palas Atena fez nascer uma oliveira. A água da fonte era cristalina e fresca mas era salgada. A azeitona da oliveira, para além de ser um importante alimento produzia o azeite que era a matéria prima para a iluminação dos templos e dos altares dos deuses.
ResponderEliminarOs atenienses escolheram a oliveira como divina padroeira da cidade. Até hoje!
Símbolo divino da paz, ainda hoje é uma árvore protegida que confere grande estatuto de riqueza aos seus proprietários.
Mas para colher a azeitona é necessário um enorme esforço braçal que em muitas das nossas aldeias ainda não foi substituído pelas ferramentas mecânicas modernas de vibração das oliveiras que sacodem a azeitona para o pano ou oleado estendido debaixo da árvore.
É desse esforço que o Quito nos fala, dos ranchos que enxameiam pelos olivais durante a época sazonal da apanha da azeitona. Sazonalidade que não garante a essa gente sustento para o ano inteiro e que a faz precaver-se, como ele diz, com outro tipo de trabalho durante o resto do ano, muitas vezes além fronteira…
A forma como ele nos descreve essa azáfama, fez-me recordar, na forma e no conteúdo, descrições semelhantes na Cidade e as Serras, de Eça de Queirós.
É um texto que mostra um Quito retemperado pelos dias de descanso, passados à sombra, numa esplanada à beira mar lá pelos Algarves, mais concretamente na "sua cidade de Lagos", que também excelentes textos lhe tem proporcionado!
ResponderEliminarNeste restaurante do David encontrou a forma, ou melhor a inspiração para desenvolver o tema que se propunha desenvolver!
Mesmo a calhar:um único lugar junto de 4 operários!Que devoram uma boa travessa de feijoada!
Mas a Hortelinda logo se apercebe que feijoada não será o seu prato favorito!
Não sei o que lhe recomendou, apenas que saíu um prato menos consistente...talvez um "bitoque", ou talvez não! Da conversa dos quatro apreciadores da feijoada saíu a parte mais nostálgica do texto; contratos a acabar, incerteza no futuro, emigrar, saudades da família, que no Natal são mais bem duras de passar, enfim os grandes dramas da vida desta gente, mais comuns no interior deste Portugal que tarda em se reencontrar, ou seja sair desta crise profunda!
E foi no regresso a casa no seu velho carro, que "percorrendo as planícies do silêncio", surgiram todas aquelas interrogações que o atormentam!
Falando de azeitona: quanta eu apanhei nos baldios...quanta eu varejei, quanta eu apanhei de cima dos panais, quantas voltas dei no lagar atrás do "castanho e do amarelo" que fazima rodar as mós que esmagavam a azeitona...e quantas "tibornadas"(felizmente)me deliciaram meu estômago!Mas sentia-me FELIZ!
A minha ignorância das coisas do campo e da agricultura, que me desgosta, faz-me às vezes passar por vergonhas escusadas.
ResponderEliminarGosto muito de azeitonas e por isso, há uns anos, pedi a uma prima minha que tinha comprado um terreno na Serra da Arrábida, com árvores de fruto e algumas oliveiras, que me desse algumas das azeitonas que ali colhesse.
Disse-me que eu podia ir lá e apanhar as que quisesse.
Um sábado, assim fiz.
Comecei, à beira da estrada, a apanhar as azeitonas uma a uma para dentro de um saco de plástico.
Apanhava-as como quem colhe pêssegos ou maçãs. Com as pontas dos dedos...
Um homem do campo que vinha pela estrada parou e ficou um boacdo a olhar para o que eu estava a fazer.
Ainda pensei que ele pensasse que eu estava a roubar azeitonas e disse-lhe:
- Olhe que eu estou a apanhar as azeitonas mas estou autorizado pela dona, que é minha prima.
O homem abanou a cabeça com ar de pena, aproximou-se da oliveira, chocalhou fortemente uma pernada ada oliveira e disse-me:
- Pronto, agora é só apanhá-las às mãos cheias do chão. Para a próxima traga é um pano para onde elas hão-de cair!
Eu sabia lá que aquele era o método para apanhar azeitonas...
Dedica-te às leis,dr. Rui!
EliminarAgricultura não é para ti...Mas que artolas!!!
Eu, em dois minutos, apanho um quilo de azeitonas.
EliminarDepois, é só passar pela caixa e pagar...
Mais real e genuino não podias ser...
ResponderEliminarRecuei à minha infância quando apanhava a azeitona varejada pelos outros da família,pai e irmãos...
Um texto que li com enorme prazer!
ResponderEliminarQuito, um observador de emoções.
" Que nação é esta, a nossa, que tão madrasta foi – e continua a ser - para milhares dos seus sacrificados filhos ?" - pergunta o Quito.
ResponderEliminarInfelizmente, digo eu, não temos o monopólio do sacrifício. Já não nos podemos orgulhar com a tristeza desta nação porque outros povos, outras gentes, também sofrem dos efeitos da tal sorte madrasta.
É a globalização em todo o seu esplendor...
Gostei, Quito. Mais um belo texto.
Aquele abraço.
Quito, continuas a dar o teu melhor,obr por mais esta mensagem....Já perdi a esperança que "para milhares dos seus sacrificados filhos"vejam a luz ao fundo do tunel..
ResponderEliminarAbraço
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