CONTOS
DAISY
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Era uma vez…
E a menina sentava-se no banco do jardim e ficava a olhar para o céu, a
tentar recordar. Havia uma história que começava assim. Mas não começavam assim
todas as histórias?
— Isabel, conta-me a história do "Era uma vez"…
E a Isabel contava… uma história… não era a sua história. Ninguém a sabia.
Nem a Isabel, nem a avó, nem o tio, nem a tia. Era uma história muito bonita,
ela lembrava-se disso. Mas ninguém a sabia.
— Todas as histórias para crianças começam assim, querida…
— Todas? Mas aquela é diferente. A tua não soa bem…
— Não soa bem?
— Não.
— Não tenho jeito para contar histórias…
— Pois não…
E a tia ia-se embora, cada vez mais desiludida e com a ideia de que, à
pequenita, lhe estavam a fazer mal os ares da cidade.
E a menina continuava a sonhar. Era tão triste ninguém saber aquela
história! Porque ela lembrava-se que era muito, muito bonita. E ela ouvira-a.
Disso, tinha a certeza. Mas não era capaz de se lembrar de mais nada.
— Era uma vez. Era uma vez…
— Lá em casa havia uma senhora. Havia uma senhora… Havia uma senhora…
— Tia, lá em casa havia alguma senhora?
— Uma senhora? Quando?
— Ontem… não… há muito tempo.
— Havia. Havia. Havia uma senhora. Ela tinha a certeza.
— Era a tua mãe, querida…
— E porque é que eu não estou lá para estar ao pé da minha mãe?
Então… a mãe foi para o céu…
— Pois foi. A mãe foi para o céu.
E o pai está doente. O pai já está há muito tempo doente. E por isso ela
estava ali.
— Era uma vez…
Mas porque é que ela não se lembrava daquela história?
O pai vinha buscá-la. Já estava bom e ia lavá-la para junto dele. Havia
muito tempo que não via o paizinho. Desde que estava com os tios, só o vira
umas três ou quatro vezes. E esteve tanto tempo com os tios… Tanto tempo… E o
pai estava diferente. Parecia velho. Tinha o cabelo todo branco e estava muito
pálido. Ele achou-a muito bonita.
Lá em cima estava tudo na mesma. Estava.
— Pai, conta-me a história do
"era uma vez"…
— Todas as histórias começam assim, filha…
— Não, só a minha.
O pai sentou-a nos joelhos como fazia quando ela era mais pequenina,
acariciou-lhe os cabelos e começou:
Era uma vez…
Era a sua história. Era aquela história. E, sùbitamente viu a mãezinha
entrar na sala, muito branca, os olhos a brilhar muito, a cair, no chão, sem um
"ai". De novo o pai pegou nela e a sentou no sofá e correu para a
mãe, a gritar, a gritar, a gritar!
Ana, que tens, minha filha?
Era aquela história. Era. Era a história bonita que a mãe interrompera.
Era uma vez…
22 de Janeiro de 1970
Era uma vez...
ResponderEliminarAssim começam, invariavelmente, as narrativas que os adultos fazem às crianças.
Para eles adultos, as histórias, sendo diferentes, parecem-lhes todas iguais.
Para as crianças, contudo, cada uma é diferente da outra, cada uma marca-as de forma peculiar e individualizada.
Mais do que a história em si mesma, o que conta para elas são as circunstâncias, a envolvente, o momento em que são contadas.
Podem começar todas por "Era uma vez", mas cada uma delas é única e inconfundivel...
Era uma vez.., todas as histórias boas ou más começam mas eu só de te ver aqui sinto que o amigo Felício está cá para nos deliciar com a sua presença e a seu tempo a sua escrita que também leio.
EliminarUm abração
Fernando AZENHA
Era uma vez...é mais um dos excelentes contos que a Daisy escreveu e que tenho o previlégio de publicar no blog.
ResponderEliminarE desta vez com a nova foto que a Daisy tirou ao Castelão durante o almoço dos domingos, desta vez no Pompeu dos Frangos.
Obrigado Daisy!
Era uma vez.., são todas assim mas esta seduziu-me e lia até ao fim-
ResponderEliminarGostei.
Beijinhos
Fernando Azenha
O mundo das crianças, tem tanto de linear como de complexo.
ResponderEliminarEra uma vez ... pode ser o principio de todos os sonhos construídos na mente de uma criança. Recordo aqui a menina de capuz vermelho e de um lobo matreiro que personaliza o mal. Mas tudo acabou em bem, com uma mensagem subjacente do "pecado" da desobediência. Afinal, a componente didática de uma história.
Há, porém, outras histórias de contornos reais, muitas vezes dramáticos, que se arrastam desde a meninice pela vida fora num trauma sem fim.
Era uma vez ...assim disse a Daysi com a sua forma peculiar de escrever. E nós lemos, como sempre, com agrado.
Um abraço para a Daisy e Alfredo
Tudo tem uma vez.
ResponderEliminarObrigado.
A minha avó a contar-me as histórias,sentada no seu colo( era tão bom o seu colinho!)assim começava as suas histórias... e eu sempre lhe perguntando " e depois,avó? E como foi? Então não o castigaram?" Sim,repondia ela mas para o ensinar a não fazer outra vez disparates...E de novo,era uma vez...
ResponderEliminarDaisy,obrigada.Senti que eras a minha avó! Dá-me a tua benção avó Daisy!
Até à próxima história!
Reli a tua história e era mesmo esta, aquela que eu já tinha lido, igualzinha.
ResponderEliminarÉ sempre um prazer ler os teus contos, Daisy!
ResponderEliminarEra uma vez ... uma jovem que escreveu contos maravilhosos tendo por tema central a criança.
Um grande beijinho, Daisy.