O Senhor Fachada era respeitado, por ser o homem mais rico da aldeia.
Era também, ao mesmo tempo, admirado e temido.
Admirado pelo carácter, pela figura imponente de possante estatura, pela respeitável barba grisalha, Temido, pelo pausado e duro tom de voz que lhe fazia sair as palavras da garganta como pedras certeiras que feriam mais o interlocutor desprevenido do que o magoaria uma evenual chibatada do pingalim que volteava na sua mão quando alguma coisa lhe desagradava.
Falava telegráficamente, nunca se sabendo quais as ideias ou sentimentos que se digladiavam na sua austera cabeça, antes de sentenciar em poucas palavras, depois de longa reflexão, o veredicto final, decisivo, irrevogável e inapelável.
O Fueiro, polícia que trabalhava em Coimbra, vivia na aldeia, perto da igreja, numa tosca casa de calhau rolado, onde a chuva se infiltrava pelo telhado velho em noites de temporal.
Depois
de dias e dias de indecisão, encheu-se finalmente de coragem,
montou-se na bicicleta e foi à Quinta pedir para falar com o Sr.
Fachada.
Mandaram-no entrar na grande sala onde o dono da Quinta jantava, desbarretou-se e ficou de pé em frente da enorme mesa, à espera de autorização para falar.
Longos minutos depois, a um aceno imperativo do Sr. Fachada, articulou nervoso:
- Venho pedir a mão da sua neta e pedir a sua autorização para casar com ela...
O velho continuou a sorver a sopa com grande ruido, tirou o guardanapo de linho do pescoço, afiou com o canivete um pau de salgueiro, palitou os dentes com uma lentidão exasperante e mandou a criada chamar a sua neta.
A Conceição entrou pouco depois, olhou de esguelha o Fueiro e especou-se em frente ao avô.
- Então namoravas com o Sr. Fueiro e eu não sabia, disse-lhe o avô, inquisitivo, sem conseguir disfarçar um tique no nariz que era o único sinal visivel do seu incómodo.
-Eu? Nunca falei com ele! Deve estar doido! Alguma vez eu namoraria com este cepo?
O Fueiro argumentou:
- Mas eu passo ao pé do muro da Quinta todas as tardes de bicicleta e buzino-lhe várias vezes menina Conceição! Como a menina nunca me disse para eu não buzinar...
O polícia fitou o Sr. Fachada aguardando uma resposta, já este se levantava da mesa, endireitando os vincos das calças, sem nunca deixar de escarafunchar os dentes com o palito.
Já à porta, antes de sair da sala, voltou lentamente a cabeça, mirou o Fueiro que amassava o chapéu entre as mãos e ordenou à criada:
- Vai lá fora e fura a buzina da bicicleta do Sr. Fueiro!
Rui Felicio
Mandaram-no entrar na grande sala onde o dono da Quinta jantava, desbarretou-se e ficou de pé em frente da enorme mesa, à espera de autorização para falar.
Longos minutos depois, a um aceno imperativo do Sr. Fachada, articulou nervoso:
- Venho pedir a mão da sua neta e pedir a sua autorização para casar com ela...
O velho continuou a sorver a sopa com grande ruido, tirou o guardanapo de linho do pescoço, afiou com o canivete um pau de salgueiro, palitou os dentes com uma lentidão exasperante e mandou a criada chamar a sua neta.
A Conceição entrou pouco depois, olhou de esguelha o Fueiro e especou-se em frente ao avô.
- Então namoravas com o Sr. Fueiro e eu não sabia, disse-lhe o avô, inquisitivo, sem conseguir disfarçar um tique no nariz que era o único sinal visivel do seu incómodo.
-Eu? Nunca falei com ele! Deve estar doido! Alguma vez eu namoraria com este cepo?
O Fueiro argumentou:
- Mas eu passo ao pé do muro da Quinta todas as tardes de bicicleta e buzino-lhe várias vezes menina Conceição! Como a menina nunca me disse para eu não buzinar...
O polícia fitou o Sr. Fachada aguardando uma resposta, já este se levantava da mesa, endireitando os vincos das calças, sem nunca deixar de escarafunchar os dentes com o palito.
Já à porta, antes de sair da sala, voltou lentamente a cabeça, mirou o Fueiro que amassava o chapéu entre as mãos e ordenou à criada:
- Vai lá fora e fura a buzina da bicicleta do Sr. Fueiro!
Rui Felicio
Para grandes males grandes remédios!!!.., adorei Felício.
ResponderEliminarUm abraço
fernando Azenha
Foi com bastante agrado que li o teu texto. Já o o escrevi várias vezes que ler estes textos é para mim a oportunidade de ir para além da leitura dos jornais!
ResponderEliminarÉ uma estória engraçada com detalhes simples e que bem retratam costumes antigos, seja como se comportavam os mais poderosos no dia adia, seja na maneira quase infantil como ingènuamente o pretenso namorado julgava que podia atrair a namorada, o rigor que era necessário haver para pedir a autorização do namoro!
Claro o final à Rui Felício tinha que ser inesperado!!!!!
Obrigado Rui!
ResponderEliminarA Conceição teve imensa razão em considerar o Fueiro um cepo. Pedir namoro ao toque de buzina só por uma cabeça oca poderia passar.
À sábia decisão do velho Fachada, pela simplicidade e determinação, tiro eu o meu chapéu.
Assim como tiro o meu chapéu a mais esta história do Rui Felício que nos deixa um sorriso para além do encanto da lição dada ao desastrado policia.
Quanto à qualidade literária deste conto, digno de publicação numa selecta didáctica, apenas quero dizer que o autor está em grande forma!
Julgo que não se tratará de uma reposição. A minha memória não é má e julgo que tenho lido tudo quanto o Rui Felício escreve.
Bem gostaria de saber se, de facto, é uma criação nova. Por motivos...
Grande abraço, Rui Felício.
Escrevi esta história despretensiosa ontem à noite pouco antes de a publicar, amigo Carlos.
EliminarPor respeito ao EG, ao Rafael e aos outros Amigos, jamais aqui derramaria caldo requentado.
Aproveito para dizer que, ao contrário de outras vezes, este episódio ser verdadeiro, assim como os nomes dos protagonistas que cheguei a conhecer.
Foi me contada pela minha Mãe há muitos, muitos anos.
Limitei-me a romanceá-la...
Um grande abraço
Uma estória da pena do Rui Felício aonde um senhor austero, rico admirado e temido, surpreendido pelo amor de um pobre polícia que acreditava acreditava que quem cala consente e que por isso, ia passando e tocando a buzina da bicicleta à menina Conceição, sua neta.
ResponderEliminarPerante a descrição do que conhecemos do senhor Fachada, pessoa respeitada lá na aldeia de outros tempos, a sua decisão de mandar a criada furar a busina da bicicleta do pobre Sr. Fueiro, até me deixou aliviado.
Sinceramente, ao ver o artigo com a disposição da fotografira disse instantaneamente: o Rui Felício voltou. Muito feliz por ti e obrigado.
Um abraço.
....E assim acabou um "namoro" que nunca o fora, e o sonho de um simples homem cuja ingenuidade o levou a acreditar que com algumas buzinadelas conquistaria a sua amada!!!!
ResponderEliminarPobre de quem acredita...e pobre do Sr. Fueiro, que num palitar de dentes e numa endireitadela de vincos das calças do seu patrão Sr. Fachada, viu ruir em segundos, provavelmente o sonho da sua vida!!!!
Beijo.
TERESA LOUSADA
Realço a parte descritiva inicial: a figura e a personalidade do senhor Fachada; entre outas partes , esta: «Temido, pelo pausado e duro tom de voz que lhe fazia sair as palavras da garganta como pedras certeiras que feriam mais o interlocutor desprevenido do que o magoaria uma evenual chibatada do pingalim que volteava na sua mão quando alguma coisa lhe desagradavava».
ResponderEliminarTem um ritmo e uma elegância que denunciam, quase desde o início, o Autor.
Só encontro uma palavra para definir este texto: soberbo !!!
ResponderEliminarDigo, com profunda convicção, que Rui Felício, bebeu de Eça de Queiroz ao imaginar este belíssimo conto. Quem lê Eça, percebe que há a mesma matriz de escrita.
A caracterização dos personagens, os diálogos, a descrição da casa do Fueiro - uma casa tosca de calhau rolado - todos os pormenores do Fachada à mesa a sorver a sopa, o guardanapo de linho e o palitar dos dentes,são pormenores deliciosos de uma história de encantar...
Por fim, saudar saudar o Rui, nesta sua tão desejada aparição, muito querida pelos amigos.
Que este belo conto, seja o primeiro de muitos. Um recomeço ...
Parabéns e um abraço, Rui
Rui, tens nesta "leva" vários textos que eu gostaria de publicar n'a funda São. Mas como não dizes nada, não lhes "mexo"...
ResponderEliminarJá te tinha respondido por e-mail mas repito-o.
EliminarNão precisas de autorização minha para o fazeres. Ela está dada sempre de forma tácita.
Aliás as tuas escolhas são para mim uma honra.
NB: Suponho que te referes a alguns textos que recentemente escrevi no FB e no meu blog.
Eu sei, Rui Felício. Mas eu gosto sempre de confirmar isso caso a caso (texto a texto) não vá eu pensar que algo se adeque a um blog erótico e tu não concordes.
EliminarRefiro-me a este texto, ao «PASSOU-SE EM COIMBRA» e ao «BARRIGA DE ALUGUER».
Vou prepará-los para a publicação.
A tua, só tua, eroticamene tua
São Rosas
O Quito diz que escrever é um acto solitário. E é...
ResponderEliminarMas é também um investimento.
Neste caso, um investimento seguro, na vossa amizade.
Porque, ao ler-vos, estou a receber em dobro o seu retorno.
Uma paga excessiva para a qualidade da escrita...
Obrigado, meus amigos!
Rui Felício no seu melhor!
ResponderEliminarUm episódio de amor, real, delicioso pela paixão revelada por um homem corajoso que enfrentou a severidade do Sr. Fachada, sem rodeios ou temor.
A decisão deliberada foi semelhante à sentença de Salomão, simples mas eficaz e inspiradora ao escritor que nos habituou a finais inesperados.
O "caldo fresco" é muito bom, mas o "caldo requentado" por vezes, ainda fica mais apurado.
Venham todos e um grande abraço, Rui.
Pelo teu maravilhoso investimento literário dedico-te o Gaivota de Alexandre
ResponderEliminarO´Neill musicado!
Admirei como sempre a tua escrita com a "etiqueta" do Amor e também buzine com o teu regesso,Rui.
Beijinho
Gostei muito Rui ! mas gostei especialmente que tenhas " regressado ".
ResponderEliminarUm grande abraço ! Continua connosco e encanta-nos.
Olga
De COLMAR, onde caiu um nevao esta noite e nao se deslumbra o minimo indicio duma Primavera recem chegada,senti um enorme privilégio ao ler este belissimo texto, juntinho à janela e olhando para a neve!!!Rui, estàs de volta e isso é um facto importantissimo para todos nos!Grande abraço e Parabens!
ResponderEliminarComo eu gostaria de saber escrever assim, para poder transmitir as histórias que me foram contadas e outras que já vivi!... Como não sei, vou-me deliciando com estas, tão bem escritas pelo Rui!
ResponderEliminarFiquei com pena do Fueiro, coitado! Por culpa da sua ingenuidade ficou com a buzina da bicicleta muda!... Agora já nem tem maneira de pedir namoro a mais nenhuma moça!...