Castelo Branco, fervilha em boatos ...
Uma farmácia de aldeia, é um local de memórias. De recordações boas e menos boas. Também de conversas ao início
de manhãs ou fins de tarde. Mas tudo acabou.
Lembro, com saudade, os idosos
desaparecidos que, sentados em cadeiras de madeira, as mãos cruzadas sobre a
bengala companheira, falavam entre si, chegando a juntar - se aos quatro e cinco,
recordando tempos de antanho. Do tempo de lavrar a terra com um arado. Da glória
das vindimas. Do trabalho escravo. E da febre do volfrâmio. Outras eras.
A farmácia da aldeia, é uma espécie de confessionário. Ali se
fala, em privado, dos tormentos que cada um traz consigo, sabendo o paciente de
antemão, que as suas angústias ficam encerradas num cofre forrado de
solidariedade, como um sacristão que guarda com chave de ouro, um Sacrário.
É por isso que Cláudia, não se chama Cláudia. Preservo aqui,
a sua verdadeira identidade. Tem apenas onze anos de vida e uma maturidade
pouco vulgar para a sua idade que, logo à primeira vista, se percebe nas suas
palavras e comportamento. Uns olhos amendoados e negros, enfeitam uma cara redonda
e bonita.
Há dias, e porque Castelo Branco anda num desassossego,
fervilhando em boatos sobre quem terá sido contemplado com uma fortuna no
Euromilhões, estabeleceu-se ao fim da tarde, já noite, uma conversa ao balcão
da farmácia. Palavras de circunstância, depois da utente já ter sido atendida.
Ela - a utente - é mãe de Cláudia.
De repente, quase obrigatório, a conversa esbarrou no
Euromilhões. Uns diziam que dariam a volta ao mundo, outros que até lhes dava
um arrepio só em pensar ter tanto dinheiro disponível na sua conta.
Ela - a Cláudia - que de lado ouvia tão arrebatada conversa,
lá ia dizendo, avisando a assembleia em tom calmo, que “o dinheiro não é tudo
na vida”.
A mãe - a mãe da menina - sorriu. Depois interpelou a criança,
perguntando em que é que ela gastaria tanto dinheiro. A resposta veio de
rompante e demolidora:
- Não gastaria em nada. Trocaria pela cura da minha diabetes
...
Em boa verdade, Cláudia é dependente da insulina que precisa
para viver, desde os oito anos de idade.
Quito Pereira
Quito! Fiquei com um nó na garganta!...
ResponderEliminarNão tenho mais nada a dizer!
Ó Quito, adoro-te ler mas como sou pré-diabético não contava com isto, é terrifico.
ResponderEliminarSe ela reage assim como será os pais?!!!.., e as pessoas que te leem!!!
Um abraço
Fernando AZENHA
As crianças sempre a darem lições aos adultos...Uma maravilha, Quito, que me recordou outros tempos, quando o meu pequenote preferia olhar para quem se 'deliciava' com bolos e chocolates, do que ter uma crise alérgica (era alérgico aos corantes usados em bolos de pastelaria e chocolate de leite).
ResponderEliminarAos adultos fazia confusão; a ele, nada disso: não gostava de ir ao hospital...
Como escreve o Alfredo....fiquei não só com um nó na garganta, mas também com os olhos cheios de água.....grande lição de humanidade.........
ResponderEliminarRosa Malhão
Sómente uma mãe "desnaturada" não daria tal resposta! Mas que as há ....há !!!!
ResponderEliminarA função da farmácia num meio pequeno é descrito por quem a vive com real sentido do próximo..... A tua afectividade está estampada em mais um bonito texto que partilhas connosco. Bjo
Mais uma lição de humanismo que o Quito trouxe até nós. É preciso ver que estamos em face de uma criança que tem um problema bem definido e que habitualmente é à vida. Já no meu caso, com a idade que tenho, preferia gozar alegremente os últimos tempos de vida e deixar as minhas joínhas bem seguras. Partia feliz.
ResponderEliminarObrigado.
ResponderEliminarE mais não digo, entupi completamente.
Tonito.
A " Cláudia" sente bem que o dinheiro não compra tudo.
ResponderEliminarTer de se injetar todos os dias e, por vezes, mais do que uma vez é dose para qualquer um. E a uma criança?
Também entupi...
Para mim que, como sabeis, sou alérgico à especulação financeira e aos jogos a dinheiro (para mim está tudo no mesmo saco), este texto deveria ser publicado obrigatoriamente pela Santa Casa da Misericórdia como bula de todos os boletins dos vários jogos.
ResponderEliminarO fervilhar já acabou. O felizardo fez o que eu quando sonho com o euromilhões faria!
ResponderEliminarA demora de se identificar o "sortudo" ainda deu para que das conversas da farmácia surjam estes episódios e a menina não há dúvida que se expressou de uma maneira, que impressionou, e nos leva à conclusão que ser saudável e não que viver com uma doença para toda a vida, seria superior a ter tanto dinheiro de que nada lher serviria...
É a realidade! A menina continua infelizmente com os diabetes...e o apostador com dinheiro mas quem sabe com problemas!
"Não há dinheiro que pague a saúde", é um dito, muitas vezes dito, sem se lhe medir a verdadeira dimensão. Mas, por vezes, há doenças que são tão impiedosas para ricos como para pobres.
ResponderEliminarNeste caso, só a ingenuidade da Cláudia fazia com que acreditasse que poderia trocar o prémio pela cura da sua doença.
Mais um quadro pintado com a arte do Quito.
Aqui diz-se " La vérité sort de la bouche des enfants"!!!!Infelizmente, hoje em dia, o dinheiro pode ajudar a obter uma melhor saude! Quantas e quantas pessoas, nao têm seguro complementar, para poderem escolher uma operaçao, delicada, num Hospital privado? Quantas abdicam de consultar um especialista, por nao terem dinheiro para a consulta? A Saude, deveria ser uma das prioridades no orçamento do Governo!
ResponderEliminarEvidentemente, como também habitualmente, este teu texto, Quito, sensibilizou-me! Es um às na escrita!